Diário do Alentejo

“A liberdade deve ser garantida em uníssono”

27 de agosto 2022 - 15:00
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Vanda Palma tem 42 anos e é natural de Setúbal, morando atualmente em Castro Verde. Desde 2000 que se dedica às artes plásticas, entrando na área através da olaria e servindo as suas peças a sua natural forma de expressão – contar estórias. Em 2013, a exposição “O Lugar do Primeiro Amor”, que resulta num livro, define o momento em que assume dedicar-se, em exclusivo, à ilustração.

 

O seu trabalho é apresentado por uma figura feminina, acompanhada de palavras e objetos, que produzem uma ilustração tridimensional. A sua temática representa “estados de alma”, através de uma perspetiva poética da realidade das mulheres e do seu património emocional. 

 

No âmbito do programa das Palavras Andarilhas 2022, festival da Festa da Palavra Contada, foi inaugurada no dia 25 de agosto, na Biblioteca Municipal de Beja, a exposição “Azul”, da sua autoria.

 

Texto José Serrano

 

Quem são as personagens principais desta sua exposição?

De um modo geral, o meu trabalho tem o foco na figura feminina e obedece ao filtro que a minha condição de mulher me garante na observação do mundo, acreditando eu que a mensagem que transporta é reconhecida por todos. Esta exposição é a minha interpretação das mensagens subliminares que encontro no conto “Barba Azul”, de Charles Perreault.  

 

Que revelações, segredos ou conselhos pretendem estas figuras femininas transmitir a quem as visite?

Quando começamos a ler nas entrelinhas deste conto e de outros, dos séculos XVII e XVIII, como o Capuchinho Vermelho, Vasalisa, Os Sapatinhos Vermelhos e A Carochinha,  encontramos uma enorme  metáfora ancestral, que acredito ter a intenção de despertar a mulher,  incentivando-a a aguçar o seu instinto e inteligência para se proteger de predadores,  quer do seu corpo quer dos seus direitos e liberdade – numa altura em que nascer mulher era uma desvantagem cruel. Mas estas mensagens, que começaram a ser enviadas há séculos, têm custado a chegar, existindo zonas do globo “sem rede nenhuma”.  A responsabilidade de passar esta mensagem cabe a todos.

 

“Levantam” as suas peças a bandeira feminista, no sentido de sinalizarem a necessária reflexão acerca da promoção dos direitos das mulheres, nos mais diversos domínios do quotidiano?

O meu trabalho acontece em torno da figura feminina, porque lhe reconheço a versatilidade estética e me seduz o privilégio de poder dizer o que me apetece. Mas não tenho a pretensão de levantar bandeiras, nem sinto o compromisso de ter de o fazer. Há pessoas com mais conhecimento nas questões da igualdades de género, que são agentes ativos a estabelecer soluções efetivas para a nossa realidade social. Limito-me a ilustrar as coisas que sinto, que vejo nos outros, que acho belas ou importantes, através da lente natural do género com o qual me identifico. 

 

Considera que há ainda muita arte a criar, até chegar o dia em que a igualdade de oportunidades e de liberdade se verifique, efetivamente, entre homens e mulheres?

Há sempre tudo por criar – é um movimento contínuo. À medida que se vão isolando as questões feministas, outras, que vivem na sua sombra, são expostas, como o facto desta prévia definição de papéis, feminino e masculino, já não ter aplicação prática na realidade do mundo atual. A igualdade é o único caminho e a arte é prerrogativa deste processo. Quero acreditar que usando a minha voz dou voz a muitas outras, porque acredito que a liberdade deve ser sempre garantida em uníssono

 

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