Diário do Alentejo

“O regime era intolerante com os mais afoitos”

27 de abril 2024 - 12:00
Crónicas escritas antes da Revolução publicadas em livro

José Francisco Colaço Guerreiro, 69 anos, natural de Castro Verde 

 

Licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa, foi advogado, notário e conservador dos registos. Integrou o grupo fundador da Cortiçol – Cooperativa de Informação e Cultura, proprietária da “Rádio Castrense”, na qual é responsável e apresentador do “Programa Património”, desde 1987. Colaborou nos jornais “Diário do Alentejo”, “Campaniço” e “Campo”. É coordenador do Observatório do Cante Alentejano. Foi fundador da MODA – Associação do Cante Alentejano. É coordenador do Centro de Documentação do Cante Alentejano de Castro Verde.

 

Texto José Serrano

 

Foi apresentado, no dia 21, na Biblioteca Municipal de Castro Verde, o livro Manifesto de Sonho e de Tristeza, de José Francisco Colaço Guerreiro, obra que reúne 50 crónicas do autor publicadas no “Diário do Alentejo”, de 1970 até 25 de Abril de 1974.

 

Quais os assuntos preferencialmente protagonistas das suas crónicas escritas há 50 anos?

A minha inspiração, contida neste trabalho, focava-se, essencialmente, na tristeza do viver dos pobres, nas angústias dos velhos, nas injustiças sociais, nos dramas pessoais e familiares da guerra colonial e das partidas forçadas, em busca do pão, para destinos indesejados.

 

Começou a escrever estas crónicas com 16 anos. Qual a razão de ser da sua consciência política e social revelada, ainda, tão jovem?

À laia de desabafo ou de sublimação, comecei a escrever crónicas do que via e escutava, quando em Castro Verde morava, e do que sentia na ausência, na lonjura, quase no degredo, numa Lisboa de cá distante, desprovida desta luz, desta calma, dos afetos que aqui tinha.

 

Como era, na altura, refletir publicamente sobre assuntos considerados “perigosos” para o regime ditatorial?

Considerando as temáticas abordadas nas crónicas que escrevia, não podia ser prosaico nas palavras, nem muito arrojado nas afirmações, porque a censura não o permitia e o regime era intolerante com os mais afoitos. Apesar da prática adquirida, na forma sugestiva da expressão, alguns textos não passaram no crivo da censura e o último publicado no livro teve de aguardar muito tempo até que a “abertura marcelista” o consentisse, aquando da campanha eleitoral de 1973.

 

Estão algumas destas crónicas atuais, 50 anos depois de as ter escrito?

O bem-estar social, idilicamente almejado, parece estar cada vez mais longe de ser atingido, mesmo a nível mundial, porque volvido meio século, se alguns desequilíbrios foram mitigados, novos motivos surgiram para preocuparem o censo comum que, justamente, anseia pela eliminação das assimetrias sociais, desumanas, assim como, pela elevação dos tratos adequados para com o planeta.

 

Considera que, nesse sentido, ainda há um desígnio de justiça social, de equidade, a ser cumprido para com este território?

Efetivamente, falta cumprir quase tudo, para que a essência do bem-estar pessoal e coletivo possa ser, desejavelmente, potenciada. Consideramos que as raízes, a cultura e a nossa identidade, embora não sejam, só por si, determinantes para provocar a inversão do descaminho que prosseguimos, deverão ser tomadas como pontos cardeais por quem dirige a locomotiva do nosso porvir, pois, sem uma inversão de rumo não teremos uma base estruturante e agregadora, que nos permita progredir.

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