Diário do Alentejo

“É preciso investir na saúde, educação e cultura para inverter o ciclo”

18 de junho 2022 - 12:00
David Simão, presidente da Associação Empresarial do Baixo Alentejo e Litoral, diz que o OE2022 é “pouco ambicioso” e “não trouxe nada de novo para a região”

Três semanas depois do Orçamento do Estado ter sido aprovado, falámos com o presidente da associação representativa dos empresários do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral, a Nerbe/Aebal. David Simão considera que o documento é “pouco ambicioso” e “não trouxe nada de novo para a região” e reivindica mais investimento em vários domínios para atrair e fixar mais população.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Em termos gerais, como é que avalia o OE2022?

Julgamos que o Orçamento de Estado (OE) de 2022 foi pouco ambicioso. No que se refere a medidas como o alívio fiscal e medidas de resposta à atual situação na Ucrânia o Governo deveria ter tido a capacidade de ir mais longe. Saliento ainda, que aos problemas de conjuntura que Portugal enfrenta, somam-se os problemas estruturais crónicos do país, como são a falta de crescimento e a redução do défice e da dívida pública. Concordamos que seja importante baixar o défice das contas públicas, mas tornar este objetivo excessivamente arrojado é desajustado tendo em consideração que este orçamento estará em vigor apenas por seis meses. Teria sido importante, na nossa opinião, priorizar outras medidas, concretamente no que ao alívio obrigacional das empresas diz respeito, pois são elas que mais poderão contribuir para o crescimento da economia.

 

E para a região, quais os impactos positivos e negativos?

Nada trouxe de novo. Um território com o potencial que tem e que tanto tem ainda para ser feito merecia muito mais atenção do poder central. Continuamos com acessibilidades e infraestruturas por realizar e por concluir; continuamos a perder população; continuamos a não ter descriminações positivas que permitam ombrear com outras regiões do país. Em suma, julgamos que este OE continua a penalizar a região. No entanto somos um povo resiliente e que tem dado provas de conseguir vencer contrariedades, por isso, mais uma vez, cabe-nos a nós dar resposta às adversidades, e continuar a lutar junto das entidades competentes por uma maior justiça na distribuição das verbas do próximo OE.

 

A eletrificação da linha férrea – e a respetiva ligação ao aeroporto - o IP8 e o Hospital não foram objeto de atenção neste documento. Acredita que no OE de 2023 se poderá recuperar estes dossiês, nomeadamente, com recurso aos fundos do PRR e ao PORA?

Continua-se a adiar alguns dos projetos estruturantes para o território que são a chave para viabilizar outras infraestruturas que já possuímos. O Baixo Alentejo e o Alentejo Litoral têm condições de exponenciar o seu contributo para a produtividade nacional desde que sejam dotados de vias de comunicação condignas. Refiro-me à eletrificação da ferrovia e a ligação do IP8, não apenas ao aeroporto, mas do Porto de Sines a Espanha. É também impreterível a realização de investimentos noutros setores, como na saúde, na educação, na cultura, porque um dos problemas da região é a falta de população e só conseguiremos inverter o ciclo se conseguirmos criar melhores condições para a captação e fixação de pessoas. Por isso devemos ser ambiciosos nas nossas reivindicações e continuar a exigir que investimentos como os que citei se façam, aproveitando ferramentas como o PRR e o Portugal 2030. Acredito que se tivermos a capacidade de falar a uma só voz junto do poder central teremos a capacidade de inserir esses dossiês no orçamento de estado de 2023.

 

De que forma é que a inflação, e particularmente o aumento dos preços dos combustíveis, estão a afetar o ambiente de negócios na região?

A inflação e o aumento dos preços dos combustíveis são em muito o resultado dos anos de pandemia e, agora, da guerra na Ucrânia que provocaram uma escassez dos fatores de produção, provocando uma procura em muito superior à oferta. Sabemos também que os aumentos salariais não serão uma solução, pois só irão potenciar essa mesma inflação e torná-la mais difícil de controlar. Por isso achamos que a intervenção do Governo deverá recair na mitigação dos impactos causados por essa subida de preços. Algumas medidas já adotadas são bem-vindas, no entanto ainda as consideramos insuficientes, pois, na verdade, as empresas em geral e as empresas alentejanas em particular, debatem-se com graves problemas diários provocados por esses aumentos. O nosso tecido empresarial, que já se encontrava fragilizado pela pandemia, agora debate-se não só com o problema de atrasos nas entregas de fatores de produção, como pela sua escassez e preços elevados, o que obriga a refletir esse mesmos aumentos no preço final dos bens, que estarão expostos a uma diminuição do consumo das famílias provocado pela retração da massa salarial real face aos efeitos da inflação.

 

O tecido empresarial do distrito de Beja – com exceção da agricultura - é, maioritariamente, composto por pequenas e médias empresas. Como é que este tipo de negócios pode beneficiar com o PRR ou o PORA? Tem havido adesão das empresas a estes programas?

Podemos dizer que mesmo incluindo o setor agrícola, o nosso tecido empresarial é constituído maioritariamente por micro, pequenas e médias empresas, que neste momento estão completamente disponíveis para beneficiar dos apoios no âmbito do PRR e do Portugal 2030. Constatamos que nos projetos em que o NERBE/ AEBAL tem estado presente – realçando que ainda aguardamos com expetativa as suas aprovações – têm tido uma boa adesão por parte das empresas. No entanto, notamos que se verificam atrasos na saída de avisos de candidatura para as empresas. Era expectável a saída desses avisos durante o primeiro semestre de 2022, mas acreditamos que sairão em breve, sendo importante que tal aconteça para que não se percam oportunidades para o território.

 

O setor do turismo teve na última década um forte crescimento na região? Com o fim da pandemia é de esperar uma retoma. Que impacto pode ter? A falta de mão-de-obra – de que se queixam os empresários de Algarve - também é aqui um problema?

Sim, verificou-se um forte crescimento do setor do turismo no território e, apesar da pandemia, soube responder às dificuldades que lhe foram apresentadas. A retoma deve uma realidade para este setor que cada vez mais assume importância, não só pelo que representa para o todo regional, mas também pela capacidade de diferenciação da oferta apresentada no território. A falta de mão-de-obra é transversal a todos os setores de atividade no Baixo Alentejo e o setor do turismo não é exceção. Como já referi a falta de mão-de-obra deve-se, na sua essência, à falta de população no território, por isso é impreterível termos a capacidade de captar e fixar novas pessoas no território, sendo que, o poder central terá de adequar estratégias para inverter o que está a acontecer nos territórios de baixa densidade.

 

ATIVIDADE HOTELEIRA SOB PRESSÃO

João Rosa, empresário hoteleiro na cidade de Beja, considera que os aumentos a que se assiste são “assustadores” e obrigam “a rever a forma como as empresas estão a trabalhar”. O também presidente da Associação do Comércio, Serviços e Turismo do Distrito de Beja e proprietário de dois hotéis na cidade, diz que com os preços a subirem todos os dias, tem “receio de vender pacotes de férias com tudo incluído”, e equaciona a hipótese de não manter o restaurante do Beja Parque Hotel a funcionar, “assegurando, no entanto, o fornecimento de alimentação aos hóspedes para garantir a classificação de quatro estrelas”. “A guerra está a ter um impacto enorme”, lamenta João Rosa, mas mantendo algum otimismo: “a taxa de ocupação tem sido superior ao pré-pandemia e as perspetivas são boas”.

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