O plano de gestão da Zona Especial de Moura/Barrancos proposto pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e que abrange 43 mil hectares, não agrada aos agricultores, à autarquia e à população destes dois concelhos.
Texto Aníbal Fernandes*
“Em desacordo total”. Esta é desta forma que Pedro Almeida, da direção da Associação de Jovens Agricultores de Moura (AJAM), em declarações ao “Diário do Alentejo” reage àquilo que o plano de gestão da Zona Especial de Conservação de Moura/Barrancos (ZECMB), proposto pelo ICNF, vem impor às empresas agrícolas daquela região.
Também a Câmara Municipal de Moura, pela voz do seu presidente Álvaro Azedo, e que participou em conjunto com a Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos e a AJAM na discussão pública da proposta do ICNF, a considera de “efeitos duvidosos” para os valores naturais e com “forte impacto” nas explorações.
O engenheiro e empresário agrícola mourense considera que este é um processo que vem de trás, da altura em que foi criada a Rede Natura 2000 e que não só retirou a possibilidade acesso à água de Alqueva aos agricultores da região como os impediu de regar, suspendendo, até, a construção da projetada barragem do Sobral.
E, diz Pedro Almeida, se nas áreas de montado, “o impacto não é muito significativo”, estas medidas “extremas” de proteção ambiental, deixam ao abandono “milhares de hectares de olival tradicional”, que não tem competitividade face a um “Alentejo modernizado, próspero, dinâmico e altamente rentável, onde a legislação permite aos agricultores investir nas culturas que o mercado pede, podendo optar pelo regadio ou pelo sequeiro, onde abunda a oferta de emprego”.
“Existem seis ou sete mil hectares de terras de barro em Santo Amador que estão ao abandono porque as regras definidas não permitem o regadio”, diz o empresário agrícola queixando-se de não poderem “decidir o que fazer das suas terras”. “Isto não é um plano de gestão, é um regulamento ambiental com dezenas de restrições”, diz Pedro Almeida explicando que “até a gradagem dos terrenos – uma coisa que sempre se fez – está proibida”, mas, por outro lado, “também não autorizam a instalação de painéis solares”.
O empresário agrícola acusa ainda o ICNF de terem “mantido as associações representativas do setor fora da região” e de nem sequer as terem informado que o plano ia entrar em discussão pública. “Tentaram passar pelo intervalo da chuva”, diz.
Pedro Almeida lamenta que a legislação não “não permita regar, o que tem como consequência um território condenado a permanecer no milénio passado e onde a tutela do ambiente se sobrepõe a tudo e a todos”.
“Não estamos a falar de monoculturas intensivas, mas sim da criação de zonas de regadio auxiliares, de forma a produzirmos as nossas próprias forragens, evitando a sua importação e assim uma maior pegada de carbono. Criando zonas verdes que podem controlar o alto risco de incêndio a que estamos expostos, e com o cenário que o mundo está a viver até mesmo poder pensar em voltar a fazer cereais, mas com a possibilidade de regadio, pois hoje em dia seria impensável de outra forma”, explica, manifestando-se contra aquilo que considera ser “fundamentalismo ambiental”.
Perante esta situação, os agricultores de Moura e Barrancos exigem “um plano de gestão da Rede Natura que permita introduzir mais flexibilidade na gestão dos ecossistemas agrícolas, e permita às explorações ter rentabilidade e ao mesmo tempo continuar a produzir externalidades ambientais positivas”, em vez condenar as terras ao abandono.
Pedro Almeida diz que os prejuízos, “para já, podem ser avaliados em cerca de 220 milhões” e que as associações ponderam recorrer à justiça para serem ressarcidos das suas perdas, uma vez que no plano não está prevista qualquer tipo de compensação para os empresários agrícolas.
AUTARQUIA TAMBÉM CONTESTA
Álvaro Azedo diz que as medidas regulamentares da proposta do plano, promovido pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, “introduzem restrições que vão muito para além do previsto no Regime Jurídico de Conservação da Natureza em vigor” e carecem “de uma necessária avaliação dos custos económicos que introduzem nas atividades que se desenvolvem no território abrangido”.
O autarca considera que “algumas” têm “forte impacto ao nível da economia das explorações, apesar de efeitos duvidosos sobre os valores naturais envolvidos” e “é omissa uma estratégia de financiamento do plano”. Álvaro Azedo alertou, ainda, que “a inexistência de uma estratégia de financiamento sólida associada ao plano de gestão irá levar a um inevitável insucesso na aplicação das medidas propostas”, com efeitos nos resultados esperados e na manutenção e no incremento do valor natural e das espécies-alvo e habitats.
A falta de articulação com o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC) 2023-2027 também é criticada uma vez que o plano “não foi alvo de discussão com a entidade gestora nos desenhos dos programas de desenvolvimento rural”, o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP). Por isso, algumas medidas “afiguram-se como ‘fantasma’”, porque, “estando o PEPAC em conclusão, não foram alvo de articulação e validação pela entidade responsável pelo processo”.
A “preocupação” relativa à falta desta articulação “estende-se ainda para a – muito provável – existência de mecanismos de apoio contraditórios com a proposta do plano”, como por exemplo, o facto de o plano incluir uma medida de promoção de matos contrária a medidas associadas à condicionalidade agrícola que exigem a limpeza de matos.
O autarca adiantou que a Câmara de Moura vai pedir audiências ao Governo e aos grupos parlamentares e irá percorrer “todos os caminhos” e “tudo” fará para “defender o território” e os agricultores e admitiu a hipótese de o município recorrer aos tribunais se, da consulta pública, “se somarem os ‘ouvidos de mercador’” a que foi votado na consulta dirigida do plano, na qual também participou. Álvaro Azedo considera que o processo de envolvimento das entidades na consulta pública “ficou muito aquém do esperado”, porque “não houve uma participação efetiva dos interessados”, tendo sido apresentadas 22 medidas.
A anterior consulta dirigida, ocorrida em abril de 2021, já tinha sido “uma iniciativa isolada e pontual” com resultados “praticamente nulos”, porque as 15 medidas regulamentares propostas pelas entidades consultadas “não foram consideradas”, disse.
*com Lusa