Diário do Alentejo

Nunca se produziu tão pouco cereal no último século

08 de abril 2022 - 12:00

A área semeada de cereais de inverno é a menor dos últimos cem anos. Segundo dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) verifica-se uma redução em relação à campanha anterior de 10 por cento no trigo mole e cinco por cento nos restantes cereais praganosos. A meio do mês de março a taxa de aprovisionamento de trigo era de 6,3 por cento e a de milho de 23,7 por cento.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

O prolongado período seca e a baixa taxa de água no solo, coincidentes com a altura normal para a instalação destas culturas serão as causas que justificam a reduzida ocupação de terrenos com cereais. Até há poucos dias a persistência das condições climatéricas adversas, com precipitação insignificante, levou a um “desenvolvimento vegetativo residual ou nulo das pastagens e das forrageiras anuais”, diz o INE no seu boletim agrícola mais recente.

 

Este cenário impediu que os efetivos pecuários explorados em regime extensivo fossem alimentados pelo pastoreio, tendo os produtores de recorrer a palhas, fenos e silagens armazenados, “em quantidades muito superiores a igual período do ano anterior e ao normal para a época do ano, com impactos negativos, imediatos ou diferidos, no setor agropecuário”.

 

Nas previsões agrícolas divulgadas no início de março, o INE apontava para uma campanha de inverno “muito condicionada pelos efeitos negativos da seca meteorológica” que, na altura, afetava 96 por cento do território continental. A escassez hídrica e o aumento dos meios de produção, mesmo que acompanhada por um aumento do preço dos cereais no mercado, impediu que os produtores dessem uma “resposta positiva” e arriscassem semear, prevendo-se, assim, que a superfície instalada seja a menor do último século, sendo de 102 mil hectares.

 

O INE diz que “o desenvolvimento vegetativo tem sido muito deficiente” e que “apenas as searas instaladas nos solos com maior aptidão cerealífera ainda poderão beneficiar da precipitação” do início da primavera. Espera-se uma diminuição de 40 por cento na produtividade da aveia, face a 2021.

 

DEPENDÊNCIA

 A Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais, lançada pelo Governo em julho de 2018, não foi capaz de inverter ou minorar a dependência de Portugal face ao exterior, continuando a maioria dos cereais consumidos a terem origem em importações.

 

As metas que se preconizavam apontavam para que em 2023 o País fosse autossuficiente em 50 por cento – 80 por cento no arroz, 50 no milho e 20 noutros cereais -, mas, neste momento, os níveis de aprovisionamento encontram-se nos dez por cento, menos de metade do registo de 2018.

 

Este cenário de resulta da soma de três imponderáveis: a pandemia, a seca e, agora, a guerra na Ucrânia. Mas Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo (AABA), citado pelo “Público”, aponta também o dedo à Política Agrícola Comum (PAC) e à liberalização da produção agrícola em 2015: “cultivou-se o que o mercado pediu e agora estamos num beco sem saída”, afirmou.

 

A ESTRATÉGIA

A estratégia proposta em 2018 assentava em quatro pilares: as organizações de produtores e a sua organização ao longo da fileira, a inovação e transferência de conhecimento e a PAC como principal instrumento de apoio à estabilização do rendimento dos agricultores e de incentivo ao investimento e adoção das práticas desejadas com vista a “reduzir a dependência externa, consolidar e aumentar as áreas de produção; criar valor na fileira dos cereais e viabilizar a atividade agrícola em todo o território”. Para isso foram apresentadas 20 medidas que pretendiam assegurar um setor “mais forte e mais eficiente, com maior capacidade de resistência à volatilidade dos mercados, com capacidade de dar aos consumidores um produto de elevada qualidade, mais adaptado às alterações climáticas”. Entre elas surgia a “redução dos custos de energia”, a “produção de semente certificada e de genética nacional”; a “simplificação do processo de licenciamento de infraestruturas hidráulicas” ou a “valorização da produção nacional”.

Comentários