Diário do Alentejo

Culturas permanentes em 84% do perímetro de rega de Alqueva

31 de março 2022 - 14:15

Em 2021, a atividade agrícola na área de influência do Alqueva já sofreu – embora de forma “mitigada” – com a tendência inflacionista “quer a nível dos preços dos produtos, quer principalmente a nível dos fatores de produção”. A carência de mão-de-obra é outra das realidades que se verificam na região e que afetam a produção no seu todo. Esta é uma das conclusões do Anuário Agrícola de Alqueva 2021 que foi divulgado recentemente.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

As tendências inflacionistas verificadas em 2021, e agora agravadas devido ao contexto de guerra na Ucrânia, serão um obstáculo à sustentabilidade do setor agrícola na área de Alqueva durante o ano de 2022.

 

O Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) está, neste momento, “com a primeira fase concluída, cerca de 120 mil hectares de regadio”, tendo-se iniciado a construção de mais 50 mil hectares, 10 mil dos quais prontos a regar na campanha de rega de 2022. Em 2021 já foram inaugurados dois novos blocos de rega em Cuba-Odivelas e Évora e para este ano está previsto a entrada em funcionamento de outro, com 4600 hectares em Viana do Alentejo. Neste momento, o EFMA cobre duas dezenas de concelhos dos distritos de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal e, segundo o último anuário, a taxa de utilização da infraestrutura é de 95 por cento.

 

O documento constata que, “desde 2015, as culturas permanentes apresentam um crescimento exponencial e destacaram-se claramente, em área ocupada, das culturas anuais”. Esta situação resultou inicialmente da aposta no olival, mas, nos últimos tempos o amendoal, também se tornou uma referência.

 

Se no início da operação, em 2011, as culturas permanentes ocupavam 10 275 hectares, 63 por cento da área regada, e as culturas anuais 5794 hectares, em 2021, as permanentes ocuparam 95 680 hectares e as anuais 18 298 hectares, apenas 16 por cento do total.”

 

Segundo dados publicados no documento, a cultura do olival é aquela que ocupa a maior área do EMFA, ocupando mais de 70 mil hectares, o que é explicado “pelo valor do produto no mercado, que leva as empresas do setor a serem muito ativas na procura por novas áreas, e rapidamente desenvolverem todo o processo para a instalação de novas plantações”, acreditando a Empresa de Desenvolvimento de Infraestruturas de Alqueva (EDIA) que o crescimento irá continuar “embora com um ritmo mais reduzido do que verificado recentemente”.

 

Já o amendoal, que ocupa cerca de 20 mil hectares, aumentou 29 por cento em relação a 2020, tendo aumentado dez vezes em sete anos.

 

CEREAIS DECRESCEM

Em sentido contrário está a produção cerealífera: na última década, em Portugal, a área decresceu 90 mil hectares, com o Alentejo – região onde se insere o EFMA – a contribuir ativamente para isso. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a área semeada de cereais da região é de 93 mil hectares (215 mil a nível nacional), menos 64 mil hectares do que há dez anos. Segundo se pode ler no relatório, “os sistemas cerealíferos de Outono-Inverno em Portugal, caracterizam- se por uma baixa e irregular produtividade, o que leva a que a sua utilização seja na quase totalidade para a indústria de produção de rações e para autoconsumo, nas explorações agropecuárias” e a taxa de cobertura da produção nacional, para as necessidades da indústria de rações e alimentar, em Portugal, é de apenas 20 por cento “o que obriga a importar grande parte da matéria-prima e torna as indústrias vulneráveis à volatilidade de preços do mercado internacional, repercutindo-se essa volatilidade na constante alteração do preço das rações”.

 

Os aumentos de preços obrigaram os agricultores produtores de carne e leite a apostar na produção de alimento para os animais – pastagens e forragens – aproveitando “as áreas marginais que eram utilizadas normalmente para cereais”, o que explica em parte a redução das áreas de cereal em Portugal. Na área do Alqueva, em 2021, foram recenseados cerca de 800 hectares de pastagens e forragens: azevém (436), luzerna (175) e sorgo (203).

 

No Alqueva, a área onde eram cultivados cereais de sequeiro, está agora em grande parte ocupada por culturas permanentes, o que contribuiu para a redução das áreas de cereal na região Alentejo e por consequência em Portugal.

 

No entanto, os cereais de regadio ainda têm alguma importância nos perímetros de rega do Alqueva e são a cultura anual mais importante. Por exemplo, o milho ocupou no ano passado 6241 hectares com diversas variedades de milho, nomeadamente, para pipoca e baby food, uma vez que estes produtos alcançam no mercado preços mais elevados do que o milho para rações.

 

Recorde-se que, em 2018, foi aprovada a Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais que tinham como objetivo atingir no espaço de cinco anos uma taxa de aprovisionamento de 38 por cento em cereais (arroz, milho, aveia, cevada, trigo e triticale). No entanto, segundo o presidente da Associação Nacional de Produtores de Cereais (Ancop), citado no anuário, “passados três anos, e apesar do empenho do ministério, nada aconteceu”, sendo que a medida considerada mais “emblemática” desta estratégia - reativação de uma ajuda ligada à produção de cereais no âmbito da PAC a arrancar já em 2022 – “foi pura e simplesmente descartada” apesar de já estar preparada, discutida e aprovada pela Comissão Europeia”.

 

O Governo, também citado no documento, refere que “apesar de ter sido lançada em 2018, ainda se encontra em estudo a forma de operacionalizar a Estratégia Nacional para a Promoção da Produção dos Cereais.

 

ÓLEO DE GIRASSOL

Recentemente os consumidores portugueses viram-se confrontados com o racionamento, em algumas superfícies comerciais, de óleo de girassol. Em Portugal, em 2022, foram semeados 6362 hectares, 5751 dos quais na região do Alentejo. Em 2021, segundo números do Anuário Agrícola do Alqueva, no perímetro de rega foram inscritos 1613 hectares. O documento refere que “a produção de girassol em Portugal começou como cultura de rotação com cereais como o trigo” e desde sempre se mostrou-se “bastante competitiva, devido à facilidade de maneio e rentabilidade, traduzida no interesse da indústria extrativa de gorduras alimentares”. É uma cultura considerada “interessante” e prevê-se que o interesse nesta cultura “se mantenha a longo prazo”, uma vez que a indústria de produção de óleos alimentares necessita desta matéria-prima que agora é escassa. No entanto, no imediato, no que diz respeito à área ocupada, verificou-se uma redução de 20 por cento, em relação a 2020.

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