Diário do Alentejo

“Não basta não concordar, é preciso arranhar”

03 de fevereiro 2022 - 11:00

Paulo Monteiro tem 54 anos e é natural de Vila Nova de Gaia. Licenciou-se em Letras e pós-graduou-se em História das Artes pela Universidade de Lisboa, em 1993, ano em que veio viver para Beja, a sua cidade adotiva. Desde 2005 que faz a direção da Bedeteca e do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, um dos mais importantes da Europa. Como autor, tem livros publicados em vários países. Em 2019, ganhou uma bolsa de criação literária do Ministério da Cultura com o projeto do livro Estrela, que se encontra a realizar. É ainda responsável pelo projeto de instalação do futuro Museu da Banda Desenhada, em Beja.

 

Texto José Serrano

 

Paulo Monteiro publicou, recentemente, o livro de banda desenhada “Fialho de Almeida – Um Homem Sem Medo”. Trata-se de uma banda desenhada biográfica, dedicada ao escritor pós-romântico Fialho de Almeida (1857-1911).

 

Como nos apresenta este livro?

É um livro dirigido ao público juvenil. Pretende retratar, de forma simples, o percurso de vida do escritor, chamando a atenção para algumas das suas obras mais significativas.

 

Quais as características de Fialho de Almeida que o incitaram, a si, a elaborar este trabalho?

Este trabalho partiu do desafio proposto pela professora Francisca Bicho, presidente da Associação Cultural Fialho de Almeida. Quando vim para Beja, os seus livros foram uma das minhas primeiras descobertas. Regressar à sua obra, na qual admiro a vitalidade da escrita e o desassombro na linguagem, foi uma redescoberta e uma viagem sentimental. Como homem, admiro-lhe a frontalidade, a capacidade para não se intimidar pelos poderosos, assumindo sem rodeios as suas opiniões.

 

“Miando pouco, arranhando sempre e não temendo nunca” será uma das máximas, presente no prefácio de “Os Gatos”, que mais celebrizou o escritor. Considera que, 110 anos após a sua morte, este é um lema atual, ao qual deveríamos ter mais afeição?

Acho que sim. É urgente que saibamos defender os valores, e lutar por eles, do humanismo e da fraternidade. Que eram também os valores de Fialho de Almeida. As nossas sociedades têm que ser cada vez mais inclusivas. Num tempo como o nosso, em que se assiste à normalização do discurso de extrema-direita e à defesa despudorada de princípios que julgávamos adormecidos, não basta não concordar, é preciso arranhar. Não basta não ser racista, é necessário ser antirracista. E isto vale para todos os aspetos da nossa vida.

 

Fialho de Almeida nasceu em Vila de Frades, Vidigueira, tendo vivido os seus últimos anos na vila de Cuba, onde se encontra sepultado. O que encontra na personalidade do escritor que indicia a sua condição de alentejano?

Quando vim viver para Beja, o que me apaixonou no Alentejo, nessa altura como agora, foi a gentileza das pessoas. Uma maneira de ser que elegia a amizade e a partilha como elementos básicos para qualquer relação. A essa forma de estar sobrepunha-se outra: o facto de nenhum homem ter que tirar o chapéu quando fala com outro homem. Esse sentido profundo de que existe uma igualdade subjacente a todos os homens e mulheres agrada-me muito. Um certo sentido de justiça. É isso que encontro na personalidade de Fialho de Almeida. Não é uma qualidade exclusiva dos alentejanos, felizmente. Mas é um traço identitário da sua condição.

 

O que mais apreciaria que este seu livro levasse aos seus leitores?

Gostaria que os leitores ficassem com a noção da importância que a obra de Fialho de Almeida tem para a nossa cultura e do lugar que o escritor ocupa na história da literatura portuguesa. Se essa noção se consubstanciar na leitura da sua obra (ou de alguns dos seus textos) darei a missão como cumprida.

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