Diário do Alentejo

“Lutar para que não destruam a mátria alentejana”

09 de dezembro 2021 - 15:15

No âmbito das comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, a Biblioteca de Beja exibe, até 26 de fevereiro, a exposição fotográfica “A Grande e Ardente Terra de Alentejo – Uma viagem com José Saramago”, de Cabrita Nascimento.

 

 Texto José Serrano

 

Esta sua exposição fotográfica recebe o nome de um capítulo, sobre o Alentejo, do livro “Viagem a Portugal”, de José Saramago. Auxiliou-se deste livro como guia?

Não como guia ou roteiro, mas como um companheiro de viajem, como uma inspiração. O próprio Saramago adverte que o seu livro “Viagem a Portugal” não é um guia – cada viajante deve fazer a sua própria viagem.

 

Nestes passos que deu pela região, sentiu-se, de alguma forma, acompanhado pelo escritor?

Sim. Por vezes até falávamos os dois. Procurei os locais que mais o emocionaram. Uma fonte, uma torre em ruínas, uma paisagem, uma escada, a abóbada da torre de Beja… mesmo conhecendo estes lugares de outras viagens (eu sou um eterno viajante no Alentejo), através das palavras de Saramago redescobri outro Alentejo: é a magia da sua escrita.

 

Quando escreveu o livro, em 1980, José Saramago fotografou os locais por onde passou. Encontraria, hoje, a objetiva da sua câmara algo muito distinto?

Em 40 anos de democracia fez-se pouco na recuperação do património cultural. A fonte de Alter do Chão, de que ele tanto gostava, só foi restaurada este ano. Felizmente o Mosteiro da Flor da Rosa foi objeto de restauro. Em São Gens, onde Saramago se emocionou com o horizonte, a paisagem de hoje está repleta de plantações intensivas e de viaturas de pesticidas. A transformação da paisagem, hoje, é uma questão inquietante.

 

Para este trabalho percorreu grande parte da região alentejana. Qual a impressão que em si deixou esta viagem fotográfica pelo território?

Reforçou a ideia de o Alentejo ser uma enorme terra mãe. Uma mátria. Tem tudo de uma forma generosa. É pacífica e acolhedora. O Alentejo é um espaço que respeita o tempo, é uma harmonia existencial. Mas existem perigos nas curvas, é preciso estar alerta. E lutar, cada um à sua maneira, para que não destruam a nossa mátria alentejana.

 

Nesta exposição podemos encontrar, monumentos, paisagens, gente que canta a melancolia do território e o orgulho de ser dele. São também estas suas fotografias um apelo à preservação do património cultural e natural do Alentejo?

São um apelo claro. Todo o investimento que fizermos na preservação do património cultural será vital para as próximas gerações, para a memória coletiva e para a qualidade de vida. Saramago certamente ficaria encantado com o fato de o figurado de Estremoz e o cante alentejano terem sido inscritos na lista da Unesco. Por outro lado, acho que ficaria perplexo com a invasão das culturas intensivas e a destruição da paisagem, dos terrenos e do património arqueológico. Estamos até a assistir à invasão destas plantações em zonas de montado, o que é inadmissível. Se continuarmos a permitir estas plantações, um dia vamos ficar iguais a outras regiões da Europa e do mundo, vamos perder identidade, especificidade e futuro.

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