Diário do Alentejo

Preço dos combustíveis está a “esmagar” os agricultores

03 de novembro 2021 - 07:00

O setor agrícola encontra-se sobre forte pressão com o aumento do preço dos combustíveis que provocam a subida de outros fatores de produção como, por exemplo, os fertilizantes e a alimentação animal. O aumento de preços para o consumidor é a consequência inevitável.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

“O aumento dos preços dos combustíveis está a provocar ondas de choque nos preços de fatores de produção para a agricultura que podem conduzir à disrupção da sustentabilidade económica das explorações agrícolas e pecuárias em todo o país”. É desta forma que a Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (Faaba) descreve o momento atual.

 

Para os agricultores alentejanos já se está perante “uma escassez generalizada na oferta de produtos e matérias-primas” e uma “escalada generalizada de aumentos de preços sem um fim à vista”. É pois de esperar problemas tanto na produção, como para os consumidores.

 

A nível nacional as organizações de agricultores denunciaram nos últimos dias “a subida brutal do preço dos combustíveis”, que contribui negativamente para a perda de competitividade do setor e tem impactos “desastrosos” no rendimento dos empresários. Fonte da a Confederação Nacional de Agricultura (CNA) alertou para o facto de esta conjuntura vir a ter consequências nos preços ao consumidor e que estes “podem não vir a compensar” os produtores.

 

A CNA recorda que por cada 100 euros pagos pelos consumidores, metade fica na distribuição, 30 euros são da transformação e “apenas 20 por cento” chegam ao agricultor que, com esse valor, tem de fazer face aos custos de produção que atingem os 75 por cento daquilo que recebe.

 

Por outro lado, o presidente da Confederação dos Agricultores Portugueses (CAP), Eduardo de Oliveira e Sousa, defende que “o setor dos combustíveis é muito importante para o setor agrícola” e que o primeiro-ministro se tinha comprometido a reforçar “as medidas de contenção desta escalada de preços, principalmente, tentando minimizar efeito do aumento do custo na origem”.

 

A Faaba apelou ao Governo para que sejam tomadas medidas que “mitiguem os efeitos do aumento dos custos de produção e da eventual perturbação da oferta”. Também a CNA exige aos decisores políticos “o aumento do desconto nos impostos em vigor para o gasóleo agrícola”.

 

Segundo a Faaba, o gasóleo agrícola sofreu um agravamento de 44 por cento entre outubro de 2020 (0,66 euro/litro) e outubro de 2021 (0,95 euros). “Relativamente à última campanha, os adubos utilizados nas sementeiras tiveram aumentos absolutamente proibitivos e asfixiantes situando-se entre 82 por cento e 126 por cento” e a ureia – um adubo muito utilizado – “sofreu um aumento de 153 por cento”, denunciam os agricultores baixo-alentejanos.

 

Na cultura do trigo o impacto do aumento dos preços dos combustíveis é revelador da atual situação. “Enquanto na campanha do ano passado os encargos com a cultura rondavam os 540 euros por hectare, este ano as contas apontam para um valor na ordem dos 815 euros”, o que, segundo a Faaba, “inviabiliza esta cultura, especialmente em sequeiro”.

 

Já no caso do olival “ocorreu um aumento de aproximadamente 300 euros por hectare nos custos de produção, o que corresponde a um incremento de 13 por cento” e a tendência é para os custos aumentarem.

 

Também na pecuária a situação é “preocupante”. As rações para animais em apenas um ano subiram entre 10 e 25 por cento e “a tendência é para aumentar ainda mais tendo em consideração o elevado preço dos cereais na presente campanha”, alerta a Faaba que compara com os preços dos combustíveis e rações praticados em Espanha onde se observa “uma diferença muito significativa”.

 

AUMENTO EXPONENCIAL

Nuno Faustino, produtor agropecuário e presidente da Associação de Criadores do Porco Alentejano, teme que a pressão do aumento de preço dos combustíveis sobre o setor leve alguns produtores “a equacionar suspender ou redimensionar as suas explorações”.

 

O agricultor lembra que nesta atividade “quase tudo depende dos combustíveis”. Não só os tratores e outras maquinarias utilizadas nos campos, mas também todos os outros produtos que têm de adquirir e que chegam através de transportadoras: adubos, rações, cereais, ferro, etc. Aliás, o preço destes fatores de produção já mostra aumentos significativos atingindo, em alguns casos, os 40 por cento. “Estamos a ser esmagados num curto espaço de tempo, com aumentos exponenciais”.

 

“O gasóleo agrícola está a um euro, quando há poucos meses atrás estava na casa dos 60 cêntimos”, regista. E no caso da sua exploração, carne de porco de montanheira, o aumento previsto “não será suficiente” para atingir os preços que se praticavam antes da pandemia da covid-19. “Estamos a ser esmagados num curto espaço de tempo” e “não tenho ideia de que o Governo tenha feito alguma coisa para minorar a situação”, lamenta Nuno Faustino.

 

CEREAIS

No setor dos cereais a situação não é melhor. A partir de janeiro “ficamos totalmente expostos ao que os outros países nos quiserem vender” para nos alimentarmos em termos de cereais. “Se houver um bloqueio ou apenas se um navio não puder atracar ou não conseguir chegar a tempo aos portos portugueses, só teremos cereais para pouco mais de 15 dias”, disse ao semanário “Expresso” o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (Ampromis), Jorge Neves. Recorde-se que Portugal importa 75 por cento do milho que precisa e mais de 90 por cento do trigo utilizado no fabrico de pão e de massas.

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