Diário do Alentejo

A afirmação do Partido Republicano no ocaso da Monarquia

01 de setembro 2021 - 20:00
Brito Camacho | d.r.Brito Camacho | d.r.

Texto Manuel Baiôa (historiador)

 

O Partido Republicano Português (PRP) teve um crescimento assinalável na primeira década do século XX, em particular nas zonas urbanas. As organizações republicanas no Alentejo tiveram algumas dificuldades de consolidação inerentes às zonais rurais do interior, dominadas pelos caciques monárquicos. As características do PRP, ligado a uma pequena elite burguesa, também não facilitaram a fixação deste partido na região. Ainda assim, o Alentejo foi a região do interior de Portugal onde o PRP conheceu os maiores êxitos e a maior implantação. Por isso, não é de estranhar que em 1908 o deputado regenerador, João de Sousa Tavares, tivesse avisado o novo governador civil de Beja, João Jardim de Vilhena, para se preparar para enfrentar alguns problemas, pois esse distrito tinha “uma população minada pelos republicanos”.

 

ESTRUTURAS ORGANIZATIVAS DO PRP NO ALENTEJO

As ideias republicanas começaram a circular no Alentejo logo após a constituição do primeiro diretório do PRP em 1876. Nessa altura, mais do que um partido, existia uma frente dispersa e diversa de organizações que defendiam o ideário republicano. A estruturação do partido reforçou-se gradualmente nas décadas seguintes, principalmente após a realização do seu primeiro congresso em 1883. Contudo, a afirmação do republicanismo no Alentejo só ganhou uma forte consolidação após 1906, ainda que nas décadas anteriores se tivessem criado algumas comissões, centros e jornais republicanos.

 

Em 1910, antes da revolução republicana, o PRP estava organizado em comissões em 71 por cento dos distritos e em 57 por cento dos concelhos do Continente. O PRP tinha comissões distritais nos três distritos transtaganos. Ao nível das comissões concelhias tinha uma forte implantação no Sul e no litoral alentejano. No distrito de Beja possuía comissões em 71 por cento dos concelhos, faltando-lhe estar organizado em Alvito, Mértola, Moura e Barrancos.

 

O número de conferências, comícios e palestras promovidas pelos republicanos cresceu consideravelmente no Alentejo a partir de 1906, mesmo em períodos não eleitorais. Esta situação era um reflexo de uma melhor estruturação do partido e do crescimento considerável do número de comissões políticas e de adesões à causa republicana. A visita de figuras nacionais do PRP ao Alentejo conseguia mobilizar alguns milhares de apoiantes, como no comício ocorrido em Évora, a 17 de fevereiro de 1907. Este comício realizou-se no Centro Republicano Democrático Liberdade em que tomaram a palavra António José de Almeida, Agostinho Fortes, Sá Pereira e Evaristo Cutileiro. Já em Beja, o maior comício realizado antes da implantação da República ocorreu no dia 8 de dezembro de 1908, por ocasião da inauguração do Centro Escolar Democrático Aresta Branco, que contou com a participação de Brito Camacho e Bernardino Machado.

 

A imprensa republicana também teve um forte crescimento no final do século XIX no Alentejo. No distrito de Beja assinala-se a fundação em 9 de julho de 1885 do semanário “Nove de Julho”, sob a direção de Luís Filipe Vargas, com sede na cidade de Beja. Este jornal começou a intitular-se como sendo republicano independente a partir de 1905 e em 18 de março do mesmo ano circularia com o subtítulo “Órgão do Partido Republicano do Baixo Alentejo”, passando António Aresta Branco a ser o seu diretor. Ao longo da sua existência teve a colaboração de diversas personalidades regionais, com destaque para José Jacinto Nunes, famoso republicano residente em Grândola.

 

Em 1906, dois dos seus responsáveis, Luís Filipe Vargas e Carlos Marques, foram a julgamento acusados de atentado à liberdade de imprensa, por terem publicado artigos sobre os adiantamentos do erário público à coroa. No dia 12 de março de 1906, Alexandre Braga, advogado defensor destes republicanos, deslocou-se à cidade de Beja, tendo-se formado uma grande manifestação republicana à sua chegada que foi violentamente reprimida por uma força de cavalaria e da Polícia Municipal enviada pelo governador civil, Sebastião Maria Sampaio. Este jornal viria a cessar a sua publicação em 5 de março de 1910.

 

Em Odemira começou a ser publicado em 24 de outubro de 1897 “O Odemirense”, semanário republicano, órgão da comissão municipal republicana do concelho de Odemira. Tinha como proprietários e redatores Augusto Neves e Baptista Ribeiro. Apenas foram editados sete números, tendo terminado a sua publicação em 5 de dezembro de 1897.

 

O jornal “O Porvir” começou a ser publicado em Beja em 5 de abril de 1906, com o subtítulo “Semanário Democrático Independente”, sendo editor e administrador Carlos Augusto das Dores Marques. Este jornal destacou-se pela divulgação dos ideais republicanos e das iniciativas políticas do PRP na região até ao final da I República.

 

A ELITE REPUBLICANA NO ALENTEJO

O crescimento e consolidação do PRP no Alentejo durante a Monarquia foi obra de um conjunto vasto de notáveis. Esta elite republicana era maioritariamente descendente de proprietários que tinham ido estudar para as escolas superiores de Lisboa, Coimbra e Porto, tendo aí aderido ao ideário republicano. Posteriormente, quando regressaram ao Alentejo, passaram a exercer as profissões de médico, advogado e farmacêutico, entre outras, e a gerir as propriedades familiares. Simultaneamente, tornaram-se polos irradiadores desse ideário. A ação política e o exemplo de vida e de cidadania destes jovens republicanos contribuíram decisivamente para a sua expansão nas terras alentejanas.

 

Conseguiram ainda mobilizar um conjunto alargado de proprietários e profissionais de prestígio para a causa da República através de uma vasta rede de sociabilidade, comissões políticas, clubes, escolas e centros políticos. A secundar esta elite republicana estava um grupo alargado de comerciantes, caixeiros, seareiros e profissionais dos ofícios, como alfaiates, barbeiros, sapateiros, relojoeiros, entre outros, que viam na República um regime que iria reformar a sociedade, trazendo o progresso às suas vidas e à sociedade em geral. A regeneração da Pátria seria obtida pela afirmação do cientismo, do positivismo, da laicização do Estado, do anticlericalismo, da descentralização, da moralização da administração, da liberdade de imprensa, do sufrágio universal e de eleições transparentes. Em suma, da democracia no sentido mais moderno da palavra.

 

A tímida industrialização, urbanização e terciarização da sociedade portuguesa trouxeram para a esfera política e social um conjunto de novos atores que queriam participar na causa pública e nas associações e eram atraídos pelas novas ideias republicanas, socialistas, anarquistas e sindicais. A Monarquia Constitucional, liberal, elitista, oligárquica e censitária não atribuía direitos políticos e sociais a uma parte significativa desta classe média/baixa, que tinha aspirações de mobilidade social para si, para a sua família e para os seus companheiros.

 

Os médicos foram um dos principais grupos profissionais que difundiram o ideal republicano no Alentejo, num período em que ganharam um enorme prestígio social. Os jovens médicos formados após o Ultimato Britânico nas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do Porto e na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra formaram um grupo de sociabilidade marcado pelas críticas às instituições monárquicas e por um forte desejo de progresso da sociedade portuguesa através da ciência, do positivismo e do republicanismo. Acreditavam que o progresso do conhecimento levaria ao progresso social.

 

Com o seu saber especializado estavam numa posição privilegiada para identificar os males da sociedade e receitar a cura. Os médicos passaram a desempenhar um papel mais relevante na sociedade enquanto homens da ciência e promotores da higiene social e tornaram-se uma referência de integridade ética nas comunidades, pelos apoios e cuidados prestados aos mais pobres, muitas vezes sem cobrar honorários. Daí o seu papel relevante a nível social e político.

 

O Alentejo teve um número significativo de médicos republicanos. No distrito de Beja salientaram-se Manuel de Brito Camacho, António Aresta Branco, Augusto Baeta das Neves Barreto, Manuel Firmino da Costa, António Benevenuto Ladislau Piçarra, Manuel Joaquim Brando, António Francisco Colaço, Agostinho Caro Quintiliano e Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

 

As farmácias constituíram-se igualmente como um importante local de sociabilidade dos republicanos em muitas localidades. No Alentejo destacaram-se os farmacêuticos Jaime Arnaldo Lopes Brejo, José Bastos da Costa, Elísio Rodrigues Moura, Francisco José da Rosa Correia, José António do Nascimento Mendes , José Lúcio Correia da Fonseca  e Matias Nunes Silveira.

 

Os advogados e os juristas sempre tiveram um lugar de destaque na política. A maioria continuava a apoiar os ideais monárquicos. No entanto, na fase final da Monarquia distinguiram-se alguns juristas republicanos que exerciam a sua atividade no Alentejo, como Manuel Duarte Laranja Gomes Palma, Francisco Manuel Pereira Coelho, Pedro Sequeira Feio e Júlio Augusto Martins.

 

Embora os proprietários estivessem maioritariamente ligados aos partidos monárquicos, não podemos ignorar o importante papel que alguns deles tiveram na divulgação dos ideais republicanos. Sobretudo os que acumulavam essa condição com a de médico e advogado, entre outras profissões conforme identificamos atrás. Para além desses, notabilizaram-se José Jacinto Nunes, Ernesto Augusto de Carvalho, Joaquim Filipe de Oliveira Fernandes, Estêvão Augusto da Cunha Pimentel, Albino da Costa Cró Pimenta de Aguiar, Pedro Castro da Silveira, João Paes Rodrigues de Canavilhas e Carlos Moreira da Costa Pinto.

 

OS RESULTADOS ELEITORAIS DO PRP NAS LEGISLATIVAS

Quanto aos resultados eleitorais, o PRP teve um crescimento notável na fase final da Monarquia nos distritos de Lisboa, Setúbal, Santarém, Portalegre, Évora, Beja e Leiria, embora apenas tenha conseguido eleger deputados nos círculos de Lisboa, Setúbal e Beja no século XX. Em 1878, o PRP elegeu o seu primeiro deputado pelo Porto e até 1899 foi conseguindo eleger, nos sucessivos sufrágios, um a quatro deputados nos círculos de Lisboa e Porto, com exceção das eleições de 1895 e 1897 em que não conseguiu nenhum deputado.

 

Os republicanos participaram nas eleições em algumas ocasiões nos círculos do Alentejo, como em 1879, 1892 e 1894, em Portalegre. Contudo, só a partir de 1906 é que começaram a obter algum êxito. Nas eleições legislativas de 19 de agosto de 1906 elegeram quatro deputados por Lisboa (Afonso Costa, António José de Almeida, Alexandre Braga e João de Meneses), alcançando as minorias nos dois círculos da capital. O PRP apresentou candidatos em 14 círculos eleitorais, sendo que no Alentejo apenas não concorreu no de Portalegre.

 

No círculo de Évora apresentou Evaristo José Cutileiro e Joaquim Pedro de Matos. No de Beja António Aresta Branco, Augusto Baeta das Neves Barreto, José Jacinto Nunes, Manuel de Brito Camacho e Miguel de Oliveira Fernandes. Ainda nesse ano, em 4 de novembro, os republicanos, coligados com alguns monárquicos dissidentes, ganharam as eleições para a Câmara Municipal do Porto.

 

No dia 5 de abril de 1908 realizaram-se as eleições legislativas e o PRP conseguiu apresentar candidatos em todos os círculos do Continente e nos de Ponta Delgada e do Funchal. No de Beja foram apresentados Manuel de Brito Camacho, José Miranda do Vale, Augusto Baeta das Neves Barreto, António Francisco Colaço e José Jacinto Nunes.

 

O PRP melhorou o resultado eleitoral elegendo sete deputados. Voltou a eleger quatro deputados em Lisboa (Afonso Costa, António José de Almeida, Alexandre Braga e João de Menezes), ganhando as minorias no círculo oriental e ocidental da capital. Elegeu pela primeira vez dois deputados em Setúbal (José Estêvão de Vasconcelos e Feio Terenas) e um deputado em Beja (Manuel de Brito Camacho). O governador civil de Beja, João Jardim de Vilhena, reconheceu, décadas depois, que tinha usado vários estratagemas para “melhorar” os resultados eleitorais dos monárquicos.

 

O líder local do PRP, Aresta Branco, procurou o governador civil para lhe pedir que enviasse uma “força policial para vigiar o ato eleitoral numa freguesia do distrito”, pois costumava haver desordens. O governador civil acedeu num primeiro momento. Mas depois recuou, pois, ao reunir com os líderes locais do Partido Regenerador e do Partido Progressista foi informado que “naquela assembleia eleitoral nós vencíamos sempre, apesar de ela ser muito republicana”.

 

Nessa reunião fizeram ainda um trabalho exaustivo para identificar os eleitores republicanos nos cadernos eleitorais. Aqueles a quem o governador civil tinha “perdoado multas, prisão, ou suspensão do exercício de venda” foram visitados por ele, para lhes pedir que votassem na lista monárquica, pois como “os havia favorecido”, “esperava que fossem gratos”. Contudo, como havia alguma desconfiança, colocou um pequeno chocalho nas listas que lhes entregou, para depois poder verificar se de facto tinham votado com a “lista chocalheira”. Das 18 listas entregues, 16 votaram na lista monárquica.

 

No círculo de Évora, os candidatos republicanos ganharam no concelho de Évora, mas os resultados obtidos nos restantes concelhos inviabilizaram a sua eleição. Ainda nesse ano, em 1 de novembro, os republicanos ganharam as eleições em 16 municípios, entre os quais, Lisboa, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém, Castro Verde, Cuba e Sousel.

 

Nas eleições legislativas de 28 de agosto de 1910 o PRP voltou a apresentar candidatos nos três círculos do Alentejo. Os republicanos realizaram várias sessões de propaganda em diversas localidades da região. A 14 de agosto de 1910 houve vários comícios no concelho de Évora, de manhã em Azaruja e Machede, e de tarde na praça das Mercês, em Évora, para apoiar os candidatos do PRP pelo círculo: Júlio do Patrocínio Martins, Carlos Amaro de Miranda e Silva, Inocêncio Joaquim Camacho Rodrigues e Afonso Henriques do Prado Castro e Lemos.

 

Em Beja o PRP apresentou como candidatos António Aresta Branco, António Benevenuto Ladislau Piçarra, Ernesto Campos de Carvalho, Francisco Manuel Pereira Coelho e Manuel de Brito Camacho. No círculo eleitoral de Portalegre candidatou quatro médicos: Abílio Matias Ferreira, Henrique José Caldeira Queirós, José António de Andrade Sequeira e Manuel António Gonçalves Pinheiro.

 

O PRP melhorou novamente os resultados a nível nacional, elegendo 14 deputados. Ganhou a maioria nos círculos de Lisboa ocidental (cinco deputados), Lisboa oriental (cinco deputados) e Setúbal (três deputados) e a minoria em Beja, sendo eleito novamente Manuel de Brito Camacho. Os candidatos republicanos ganharam nos concelhos de Beja, Cuba, Aljustrel, Castro Verde e Odemira, mas tiveram uma pesada derrota em Serpa, Moura e Barrancos. No círculo de Évora a lista do PRP ficou apenas atrás da lista governamental no concelho de Évora, Redondo e Viana do Alentejo, mas acabou por não conseguir eleger nenhum deputado no círculo. Em Portalegre, o PRP melhorou as votações face às eleições anteriores: ganhou em Arronches e Galveias, mas não conseguiu eleger nenhum deputado.

 

CONCLUSÃO

O Partido Republicano Português teve um forte crescimento no Alentejo a partir de 1906. Embora já tivesse algumas estruturas políticas nas décadas anteriores, foi só a partir dessa data que passou a ter comissões políticas na maioria dos concelhos alentejanos e centros políticos nas principais cidades. A mobilização política e a participação em comícios e palestras também tiveram um franco incremento nessa fase.

 

Ao nível da imprensa republicana surgiram alguns títulos com uma vida efémera desde o final do século XIX. Contudo, foi só nos primeiros anos do século XX que as três capitais de distrito do Alentejo passaram a ter folhas republicanas com continuidade. Estes jornais republicanos foram fundamentais para a afirmação das estruturas políticas do PRP nesta região, divulgando as suas atividades e disseminando o seu ideário.

 

O crescimento e consolidação do PRP no Alentejo nos últimos anos da Monarquia Constitucional foi sustentado por uma nova elite que tinham ido estudar para as escolas superiores de Lisboa, Coimbra e Porto. Após tomarem contacto com o novo ideário, regressaram ao Alentejo e tornaram-se polos irradiadores do republicanismo. A ação política e o exemplo de vida e de cidadania destes jovens republicanos contribuíram decisivamente para a sua expansão nas terras alentejanas.

 

A afirmação do PRP no Alentejo ao nível das suas estruturas partidárias, da sua imprensa e da sua elite teve como corolário a obtenção de algumas vitórias eleitorais nas eleições municipais e nas eleições legislativas. O PRP passou a presidir algumas câmaras municipais do Alentejo e Manuel de Brito Camacho foi eleito deputado pelo círculo de Beja em 1908 e 1910.

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