Portugal, em 2019, importou mais de um milhão de toneladas de trigo e produziu menos de 60 mil. No entanto, na área do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA), de 2016 para 2020, assistiu-se a um aumento significativo da área semeada com esta cultura. Mesmo assim, o grau de aprovisionamento desceu dos sete para os 4,6 por cento. A Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais foi lançada, em 2018 por Capoulas Santos, para minorar a dependência, mas ainda é cedo para se sentirem os resultados e, bem vistas as coisas, tudo acabará por depender da Europa e do resultado das negociações da próxima reforma da Política Agrícola Comum (PAC).
Texto Aníbal Fernandes
Uma açorda comida por estes dias dificilmente será confecionada com pão de trigo alentejano. Em contrapartida, a possibilidade de ser temperada com azeite da região aumentou, e muito, nos últimos anos. Portugal importa mais de 1,1 milhões de toneladas de trigo e produz apenas 59 mil toneladas, 47 mil das quais no Alentejo e apenas cerca de sete mil no perímetro de rega do Alqueva.
Paradoxalmente, com a entrada em funcionamento do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva a área ocupada pela cultura do trigo diminuiu e foi sendo substituída por outras mais rentáveis, enquanto os melhores solos foram ocupados por culturas permanentes, principalmente o olival. Na década que terminou em 2018, na zona de Ferreira do Alentejo, Beja e Serpa, cerca de 30 mil hectares migraram do cereal de sequeiro para o olival de regadio.
No “Anuário Agrícola de 2020”, a Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva (EDIA) refere que “o trigo produzido em Portugal tem muita qualidade, mas, segundo os especialistas, falta dimensão à produção”, não permitindo explorações de “dimensão suficiente para que as indústrias os possam utilizar” nas suas cadeias de produção. “É importante organizar a produção de forma a produzir com escala as variedades que as indústrias necessitam. As condições edáficas da região, com a disponibilidade de água de Alqueva, permitem que se produza em quantidade e com qualidade”, lê-se no mesmo documento.
André Soares, da Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches, prevê que a campanha deste ano, dos cerca de 200 produtores da região, seja inferior em cerca de 30 por cento em relação ao ano passado, muito devido às condicionantes climatéricas observadas durante a época das sementeiras que decorreram em novembro e dezembro.
Para além disso, o cereal de sequeiro, em solos bons, oscila entre uma produtividade de três a quatro toneladas por hectare, e em solos pobres dificilmente passa das 2,5 toneladas. Acresce que “fazer trigo em regadio não é compensador” devido aos fatores de produção, explica André Soares, comparando o preço da tonelada de milho (260 euros/tonelada), com o trigo (60).
ESTRATÉGIA
Em 2018, o então ministro da Agricultura Capoulas Santos lançou a Estratégia Nacional para a Promoção da Produção de Cereais (Enppc), com um horizonte de cinco anos para obter resultados e que continua a ser implementada pelo Governo. O objetivo é reduzir a dependência externa e aumentar as áreas de produção, tendo como meta um autoaprovisionamento de 40 por cento das necessidades do país: 80 por cento em arroz; 50 por cento em milho; e 20 por cento em trigo, cevada e aveia.
Em 2018, os cereais produzidos em Portugal só chegavam para 23 por cento do nosso consumo, número que compara com 1989, quando produzíamos 60 por cento daquilo que consumíamos, ocupando 900 mil hectares de terra, cerca de 10 por cento do território nacional (257 mil hectares em 2016).
José Palha, da Associação Nacional dos Produtores de Cereais, diz que a meio do programa “ainda não se conseguiu que as medidas tomadas se transformassem num aumento da área cultivada”. No entanto, com a criação da marca Cereais de Portugal já se assistiu a um aumento de vendas de 400 toneladas, em 2017, para oito mil, em 2019.
“Ainda não são números significativos, mas temos a sensação de podermos inverter a situação”, diz José Palha, explicando que “a cultura do cereal perdeu grande parte dos apoios nas duas últimas reformas da Política Agrícola Comum (PAC), mas existem boas perspetivas para a que está agora a ser discutida” em Bruxelas.
Também Fernando Carpinteiro Albino, presidente do Clube Português de Cereais de Qualidade, acredita que “a médio prazo a Enppc terá resultados visíveis” e diz que a cultura de cereais tem todo o cabimento dentro da nova PAC, uma vez que, em Portugal, é altamente sustentável, amiga do ambiente, geradora de muita mão-de-obra, direta e indireta, e promove a economia circular que é uma das preocupações atuais”, sendo que a atual reforma está a ser “feita com base nos cereais”.
“É inconcebível que importemos 95 por cento do trigo mole para fazer pão. Andamos a comer açordas com pão feito com cereais da Ucrânia e do Azerbaijão”, protesta Carpinteiro Albino, acrescentando que a marca Cereais do Alentejo “serve para separar o trigo do joio”.
Confrontado com a facto de os cereais, em geral, e o trigo, em particular, terem reduzida expressão no EFMA, defende que “a cultura dos cereais não é uma luta perdida, desde que se criem condições para que isso aconteça, nomeadamente entre os precários, já que é uma cultura que necessita de pouca água. Para além disso, este tipo de agricultura não se resume ao Alqueva, apesar do Alqueva ser importante. A área de sequeiro é muito maior e devemos fazer aquilo que sempre fizemos, e bem, e que é amigo do ambiente”.
No entanto há quem não defenda a aposta na cultura do trigo. Especialistas ouvidos pelo “Diário do Alentejo” argumentam que “fazer trigo é uma má opção”, uma vez que a produção conseguida em países como, por exemplo, a Alemanha, Polónia ou França, representam o dobro das obtidas aqui. Dizem ainda que a cultura do trigo “sempre foi subsidiada” e que nos devíamos concentrar em culturas onde somos competitivos, “como é o caso do olival”.