Mário Martins lembra que no dia do escrutínio o largo da Câmara estava completamente cheio. “Não havia mesas de voto fora da sede de concelho, como hoje há, pelo que as pessoas vinham votar à vila e vinham por vontade própria”. Quando o homem do Movimento das Forças Armadas anunciou os resultados, o povo exultou. “Já não tenho bem a certeza quanto ao número exato de votos que cada lista recolheu, penso que a B teve 3500, contra 1500 da lista A. Sei que a diferença era enorme!” Estas não foram, no entanto, as contas feitas pelos elementos da lista A que, dias depois das eleições, publicavam no jornal “República” uma nota com o título “Esclarecimentos dos antifascistas de sempre de Mértola”, onde acusavam irregularidades “de vária ordem” no escrutínio. Segundo estes, a relação teria sido de 941 votos para a lista B e 696 para a lista A.
A Comissão Administrativa presidida por António Manuel Serrão Martins tomou posse no Governo Civil de Beja no dia 19 de junho de 1974, junto com outras do distrito. Inspirada pela esperança que enchia aqueles primeiros dias de liberdade, a cerimónia foi assistida por um elevado número de pessoas, sendo particularmente relevante a presença da população de Mértola. Acontecimento que mereceu destaque num jornal regional do dia seguinte, que refere também o facto de terem existido duas listas na corrida . A 25 de junho, teve lugar nos Paços do Concelho o ato solene da instalação do órgão executivo, que se manteve em atividade até à realização das primeiras eleições autárquicas, no dia 12 de dezembro de 1976, embora a sua constituição tenha sofrido alterações: Por razões profissionais, que o obrigavam a mudar de residência para outra localidade, Serrão Martins pediu a demissão do cargo, o que se concretizou em março de 1976. Por motivos semelhantes, também foram substituídos alguns vogais.
Uma das primeiras resoluções tomadas pela comissão democrática, que nos dois anos seguintes assumiria a liderança do processo de transição política a nível local, foi no âmbito do direito dos trabalhadores: encerrar o Mercado Público da vila ao domingo, “a fim de possibilitar um dia de descanso semanal” aos vendedores que ali tinham bancas. Também deliberou enviar telegramas com as saudações “da praxe” ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ao ministro da Administração Interna a expressar “incondicional e franca colaboração na construção do Portugal Novo”, e a solicitar “compreensão e apoio na resolução dos graves problemas do concelho”.
TERRITÓRIO DO INTERIOR
Esquecido na sua interioridade, o concelho apresentava fragilidades no campo das infraestruturas, circunstância que se refletia profundamente nas condições de vida da população. Apenas se encontravam eletrificadas a vila de Mértola, com exceção do bairro Além-Rio, e a povoação da Mina de São Domingos, enquanto a rede de distribuição de água estava circunscrita à sede do município. Num território com aproximadamente 1300 quilómetros quadrados havia populações isoladas, pois não existiam estradas. Às vezes, só caminhos em péssimo estado, que muitas crianças tinham de fazer a pé para se deslocarem para a escola primária da povoação mais próxima. O que também contribuía para elevada taxa de analfabetismo, fenómeno mais ou menos transversal à soma das freguesias.
A prioridade foi levar alguma qualidade de vida às pessoas, o que implicou um trabalho árduo do presidente da Comissão Administrativa, que se desdobrava em reuniões que se prolongavam até de madrugada e trabalhava aos fins de semana. Nessa altura, “muitos assuntos eram escoados da Administração Interna através da figura do Governador Civil”, recorda José António Horta Reis, que conduzia o Austin velhinho do presidente seu amigo, que estava a tirar a carta, levando-o às reuniões no antigo Governo Civil de Beja. Os trabalhos prolongavam-se invariavelmente noite adentro, “pois eram as 14 câmaras do distrito a apresentar sempre problemas e à procura de soluções”, sublinha. No regresso, Serrão Martins tinha sempre muitas pessoas à espera: “Vinham saber as novidades, colocar questões que se prendiam, sobretudo, com as carências a nível dos arruamentos, eletrificação, água… pedir emprego. Ele informava, esclarecia, anotava, pedia que o encontrassem no dia seguinte para ver o que se podia fazer”.
SITUAÇÕES PREMENTES
O dia-a-dia era essencialmente preenchido por desbloquear as situações mais prementes, com as limitações que se conhecem: abrir alguns caminhos, para que as pessoas começassem a ganhar alguma mobilidade, tratar da manutenção das estradas e arruamentos das povoações. De acordo com documentação existente na autarquia, para os anos de 1975 e 1976, as obras traduziram-se num investimento de 214 milhões de escudos para a manutenção de estradas e arruamentos das povoações, mais dois milhões de escudos para o saneamento da vila. Recorde-se, no entanto, que em março de 1976 o jovem professor já não presidia a Comissão Administrativa. Tendo outras ambições para o concelho, concretamente no espaço da cultura e cujas sementes começaria a lançar em 1977, quando regressou à governação do município, Serrão Martins teve de orientar este mandato no sentido de colmatar as necessidades básicas, que eram quase todas, e encontrar soluções para os “dilemas” sociais, que eram imensos.
Nesse ano em que volta aos Paços do Concelho, como presidente eleito por uma maioria esmagadora, vai dar continuidade ao trabalho iniciado. Incansável, com a mesma determinação. Mas o perfil de Serrão Martins à frente do município ficara definido desde que cruzara os Paços do Concelho pela primeira vez: não era um presidente de gabinete, só nele permanecendo o tempo estritamente necessário, “o que tinha que ver com a conceção que tinha de poder”, lembra Maria Fernanda Romba. “Acreditava que era próximo das populações que podia conhecer e avaliar os problemas e as necessidades reais, para melhor encontrar vias de resolução”. Por isso, estava na rua, percorria as freguesias ouvindo as pessoas, fazendo levantamento das carências. Sem meios financeiros para resolver todos os problemas, ia estabelecendo prioridades. Foi este o modelo de atuação ao longo dos oito anos em que esteve à frente do município.
PRIMEIRAS ELEIÇÕES PARA O PODER LOCAL: O REGRESSO
As eleições municipais de 16 de dezembro de 1976 trouxeram-no de volta à Câmara de Mértola. Candidato independente na lista da Frente Eleitoral Povo Unido (FEPU) — uma coligação formada pelo Partido Comunista Português, o Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral e a Frente Socialista Popular —, venceu o adversário Hélder Agostinho Felizardo, pelo Partido Socialista (PS), que ficara nove meses à frente dos destinos do concelho de Mértola quando Serrão tinha pedido a demissão de presidente da Comissão Administrativa por motivos profissionais. Os números dessa vitória são expressivos: 3324 votos da FEPU contra 1575 do PS e 537 do Partido Popular (CDS), a terceira força concorrente. (…) Em 1979 liderando a lista da Aliança Povo Unido (APU), e recolhendo 67,1 por cento dos votos contra 15,88 do seu adversário direto, Hélder Agostinho Felizardo, cabeça de lista do Partido Socialista (PS). A tomada de posse deu-se a 5 de janeiro de 1980.