Diário do Alentejo

Moura: Resultado de Ventura explicado por autarcas

08 de fevereiro 2021 - 17:10

Não foram mais de 400 os votos que, em Moura, separaram Marcelo Rebelo de Sousa (39,12 por cento) do candidato da extrema-direita. André Ventura (30,85 por cento) foi mesmo o mais votado em duas freguesias do concelho, nas últimas presidenciais.

 

Texto Marta Louro

 

Feitas as contas, Ventura obteve no concelho de Moura um resultado três vezes superior à média nacional. E nas freguesias de Póvoa de São Miguel e Sobral da Adiça foi o candidato que recolheu mais votos. Na Póvoa votam 329 pessoas, 134 das quais optaram por Ventura (41,2 por cento). Em Sobral da Adiça, dos 334 eleitores que exerceram o direito de voto, 111 escolheram o candidato que é também o presidente Chega (34 por cento). Nos dois casos, Marcelo ficou em segundo. E Ana Gomes em terceiro.

 

Presidente da Junta de Freguesia de Povoa de São Miguel, António Montezo diz que estes resultados podem ser explicados de várias maneiras. “A primeira está relacionada com o movimento de extrema-direita que já anda na Europa há vários anos e mais cedo ou mais tarde tinha de chegar a Portugal, como chegou. O segundo motivo pode ser justificado com o descontentamento, por parte das populações do interior, relativamente a algumas situações”.

 

“Por exemplo”, prossegue, “as pessoas de etnia cigana, que estão sediados no Alentejo há várias décadas, são um problema que aflige muita gente, mas isso não é de agora”.

 

Enquanto autarca daquela freguesia, António Montezo diz “não discriminar ninguém, nem tratar ninguém de forma diferente”. Em seu entender, o que acontece é que “de facto existe algum antagonismo de parte a parte”, isto é, as pessoas de etnia cigana “muitas vezes sentem-se desprezadas e abandonadas e a outra parte da população diz o contrário. Defendem que as pessoas de etnia cigana deviam trabalhar, e não trabalham, e, no entanto, estão a receber o Rendimento Social de Inserção (RSI). Estas situações, por si só, geram algum tipo de conflito de ideias e de comportamentos. O nosso papel é tentar apaziguar e tentar que a vida do dia-a-dia corra dentro do melhor possível”.

 

Eleito em 2017 pelo PS com maioria absoluta (56,3 por cento), o autarca admite ter existido uma “transferência de votos nítida do PSD para o Chega”, mas a maior novidade, garante, “foi a transferência de votos da CDU para o partido da extrema-direita. Essa foi a parte mais admirável e surpreendente, mas vamos ver o que vai acontecer no futuro. É possível que estes resultados obtidos nas presidenciais tenham algum impacto nas próximas eleições autárquicas, mas não sei até que ponto será assim tão forte”.

 

Eleito pela CDU, também ele com maioria absoluta (59 por cento), o presidente da Junta de Freguesia de Sobral da Adiça, Bruno Monteiro, explica a votação em André Ventura com “a campanha de desinformação do próprio candidato, que faz passar uma mensagem que não é verdadeira e ilude as pessoas. É uma mensagem racista, xenófoba e que faz com que as pessoas acreditem que anda meio povo a trabalhar para outro meio”.

 

Segundo o autarca, a localidade tem uma comunidade cigana “muito significativa”, comunidade essa que “está integrada e que muitas vezes em época de apanha de azeitona acaba por trabalhar com os restantes trabalhadores”. Em seu entender, esse “foi um fator fundamental para que a população fosse embandeirar nas propostas” do candidato da extrema-direita.

 

Bruno Monteiro considera que a nível de eleições autárquicas, um partido como o Chega terá pouca expressão na freguesia de Sobral da Adiça, porque as pessoas “não votam pelo partido, mas sim pelo candidato. Não quer dizer que não aconteça, mas não acredito que o Chega consiga chegar às próximas eleições e fazer uma lista nesta freguesia”.

 

“ESTAMOS ESQUECIDOS”

 

Em Safara e Santo Aleixo da Restauração, onde Marcelo Rebelo de Sousa ganhou as presidenciais com apenas 28 votos de diferença em relação a André Ventura, o presidente da Junta de Freguesia, Francisco Parra, diz que muitos eleitores aproveitaram as eleições para fazerem “um voto de protesto”. E explica: “Estamos um bocadinho esquecidos, ninguém olha por nós. Possivelmente as pessoas pensaram que assim seria uma forma de termos visibilidade”.

 

Eleito pelo PS em 2017 (57,6 por cento), o autarca diz que “a população se sente insegura e que as pessoas de etnia cigana consideram que o voto no Chega foi um voto contra eles, e possivelmente, alguns cidadãos terão tido mesmo esse motivo”.

 

Em seu entender, para as autárquicas, “não é qualquer pessoa que tem coragem para se candidatar pelo Chega numa terra pequena. A nível nacional é mais fácil, a nível local penso que é um bocadinho complicado encontrar candidatos, mas isso é um problema do partido”.

 

“CONSEGUIU ILUDIR UMA BOA PARTE DOS ELEITORES”

 

Presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal (AMEC), Prudêncio Canhoto não tem dúvidas em explicar que muitos votos em André Ventura resultam de pura discriminação: “Votaram nele porque o partido está contra os ciganos. Ele diz que o problema de Portugal são os ciganos, mas está errado. No povo cigano, como em tudo na vida, há pessoas boas e pessoas más”. Prudência Canhoto acusa o candidato e presidente (agora demissionário) do Chega de ter conseguido “iludir uma boa parte” dos eleitores. “Foi por isso que votaram nele e não nos seus partidos de uma vida inteira”. O presidente da AMEC denuncia ainda a “mentira”, muitas vezes veiculada pela extrema-direita, segundo a qual as pessoas de etnia cigana são as grandes beneficiárias do rendimento social de inserção (quando, na verdade, correspondem apenas a 3,5 por cento do total de beneficiários): “Somos discriminados porque há quem pense que temos muito dinheiro e não fazemos nada da vida, mas é mentira. Há pessoas a passar fome, apesar de receberem o RSI, que é uma miséria, pessoas que chegam ao final do mês a passar muitas dificuldades”.

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