Diário do Alentejo

“Se há uma vez em que o PS e o PSD falam verdade é quando se acusam”

11 de maio 2025 - 08:00
Entrevista a Bernardino Soares | Cabeça de lista da CDU pelo círculo eleitoral de Beja

Bernardino Soares tenta reconquistar para a CDU o mandato perdido em 2024 no círculo eleitoral de Beja. Candidato defende regresso do Hospital de São Paulo, em Serpa, ao Serviço Nacional de Saúde e diz ser necessário combater as redes de tráfico humano. Mas aborda também as questões que considera fundamentais para o desenvolvimento da região, como a aposta na Saúde, na rodovia, na ferrovia e no setor da transformação. 

 

Texto Aníbal Fernandes

Fotos Ricardo Zambujo

 

A estratégia do PCP no distrito Beja tem sido a de apresentar, como cabeça de lista, um quadro da região. Foi o caso, ultimamente, de João Dias, de João Ramos e de Rodeia Machado. O que é que mudou? Considera-se um “paraquedista”?

Não sou, porque toda a minha raiz familiar é de cá. E sempre estive ligado ao Baixo Alentejo, em concreto, à margem esquerda, de onde é toda a minha família, onde passei muitas temporadas. Naturalmente, não nasci cá, mas esta decisão mostra uma grande aposta da CDU para o Baixo Alentejo e para o distrito de Beja.

 

Mas não revela que o PCP nos últimos anos, para não dizer nas últimas décadas, não se tem preocupado tanto com a formação de quadros?

Não é verdade. O PCP tem os melhores quadros no Alentejo, e isso é visível não só nas autarquias, como num conjunto de outras personalidades, a começar pelo nosso mandatário [José Maria Pós-de-Mina], que é, provavelmente, das pessoas que mais sabe de tudo o que se passa no Alentejo, das suas necessidades de desenvolvimento, das soluções que são necessárias para este distrito. Portanto, é muito pelo contrário. Agora, o João Dias não podia ser. O João Dias vai ser presidente da Câmara de Serpa e, portanto, não fazia qualuer sentido repetir a candidatura. É essa a razão.

 

Durante o processo de escolha do novo aeroporto de Lisboa, o PCP manteve-se fiel à sua posição e apoiou a opção Alcochete. É minha impressão ou tem havido pouco empenhamento da parte do PCP para que a pista de Beja possa assumir um papel mais relevante? O facto de ser uma base militar é um problema?

Não é verdade. Em todo o percurso e intervenção do PCP e da CDU nos últimos anos, o aeroporto de Beja e o aproveitamento das suas potencialidades esteve sempre na primeira linha. O problema não é o novo aeroporto de Lisboa. O problema é que toda a estrutura aeroportuária foi entregue a uma multinacional francesa que faz o que quer e manda nos governos, e, desculpem-me a expressão, está-se borrifando para o aeroporto de Beja. Enquanto não for o Estado a assumir a condução dos destinos da estrutura aeroportuária, e a fazer com que ela seja um elemento de desenvolvimento e uma alavanca para o País e também para as regiões onde há infraestruturas, como é o caso do distrito de Beja, a coisa vai mal. E não há qualquer problema com a Força Aérea e com a base militar, porque em Lisboa também há corredores aéreos militares, também há atividade militar e é possível compatibilizar. Tudo isso passaria por uma consensualização com as forças armadas e com o papel do governo em garantir essa conciliação. Portanto, acho que aqui temos de pôr responsabilidades é nos governos que privatizaram a ANA, nos que a mantiveram privada, caso do Partido Socialista, e nos que agora não querem revertê-la novamente para o Estado. Esse é que é o problema. Tudo o resto é resolúvel.

 

É conhecida a posição do PCP de defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No último Orçamento do Estado, por iniciativa do PCP, foi aprovada a verba para iniciar o processo de restruturação e ampliação do hospital de Beja. Ou seja, podemos vir a ter um hospital, mas não ter médicos. Como é que se atraem os médicos?

As duas coisas estão ligadas. Se o hospital tiver melhores condições, também vai ser mais atrativo para os médicos. Ninguém quer trabalhar em instalações que têm deficiências pela sua idade, pela desadequação que têm em relação às exigências dos cuidados de saúde modernos. Eu já me reuni com a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba) e concordamos que há uma exigência absoluta e urgente de iniciar este processo, porque o que vai acontecer é que o lançamento do concurso para o novo edifício vai permitir, quando ele estiver concluído, alojar uma série de serviços fundamentais e, depois, a seguir, passar para uma segunda fase, que é a remodelação do edifício mais antigo. Para termos, no final, um hospital, diria, como novo, com condições, não só para os utentes, como para os profissionais. Não é só isso que determina a vinda dos profissionais, mas um hospital que tem instalações desadequadas, hoje em dia, já não é uma boa carta de atratividade para os profissionais de saúde e os próprios dirigentes da unidade local também concordam.

 

Multimédia0

 

E o Hospital de São Paulo, em Serpa? O que acha da hipótese de, enquanto o protocolo com a Santa Casa da Misericórdia estiver em vigor, as autarquias que beneficiam do equipamento poderem ter algum papel na sua viabilização? Algumas autarquias até têm regulamentos para a fixação de médicos…

Eu acho compreensível que os autarcas queiram fazer alguma coisa perante as necessidades. Mas é sempre um conjunto de soluções ilusório. Porque o que é que vai acontecer? Se há um concelho que dá mais apoios, até pode, momentaneamente, conseguir ali mais um médico, tirando a outro. Mas, depois, o outro aumenta outra vez e lá vamos voltar ao mesmo. A Saúde é um direito universal. E o Serviço Nacional de Saúde, diz a Constituição, é um serviço universal. E se é universal, tem de abranger todo o território e tem de ser responsabilidade da administração central. O que o Governo do PS, com a conivência da associação de municípios, deve dizer-se, e os governos do PSD fizeram, foi descartar-se das responsabilidades para cima das autarquias. E o resultado está à vista. Estão as autarquias a pagar coisas para as quais não recebem dinheiro para fazer e não resolvem o problema. Porque o problema só pode ser resolvido com uma política nacional. Portanto, quanto a isso, todo o respeito pelas iniciativas dos autarcas, percebo, [mas] não vão resolver o problema. O problema tem de ser resolvido no plano nacional, com outro tipo de instrumentos que não estão ao alcance de nenhuma autarquia. Quanto ao Hospital de São Paulo, eu não percebo como é que a misericórdia não cumpre o contrato e ele não é revertido para voltar a ser integrado no SNS. A solução não é pôr isto às costas de Serpa e de Moura. A solução é ele voltar a ser integrado na Ulsba, com funções específicas, com o serviço de urgência básica a funcionar efetivamente e sempre, com outras valências, com cuidados continuados, certamente. Portanto, é isso que serve as populações da margem esquerda e serve o conjunto do distrito de Beja.

 

O Alqueva era visto como uma grande oportunidade de criação de emprego na região. No entanto, a mecanização de trabalho agrícola e as opções que fizeram em termos de culturas, a juntar à incapacidade para atrair empresas da área agroindustrial, goraram essas expectativas. Ainda é possível fazer alguma coisa para alterar este cenário?

É possível, tal como nas outras fileiras, e até noutras regiões do País, ter mais atividade transformadora para que os produtos que são extraídos aqui, por exemplo, no regadio do Alqueva ou nas minas, sejam transformados e valorizados cá. E não tem havido esforço de qualquer governo para isso. É evidente que se os governos quisessem podiam ter já atraído para aqui empresas. Ou até os próprios que fazem cá algumas grandes explorações, que têm cá a produção e depois mandam o azeite a granel para outros países, onde é embalado como um produto de grande qualidade que é, mas a riqueza fica lá, não fica cá. E na extração do minério, também é muito importante termos outro tipo de criação de riqueza e de valor. Se tivermos essas fileiras mais desenvolvidas, é evidente que vamos ter mais emprego e salários mais altos, porque aqui no distrito os salários estão abaixo da média nacional. O único setor onde estão acima é o setor industrial nas minas, porque o setor industrial tendencialmente paga mais que o setor agrícola. Portanto, por todas as razões, a riqueza que é cá criada deve cá ficar, porque é preciso criar mais emprego e porque é preciso criar emprego com melhores salários. E todas essas questões seriam alcançadas com um maior investimento no setor transformador, o que não tem sido feito por qualquer governo. Nenhum governo quis saber disso até agora.

 

O Alqueva também é responsável pelo fenómeno da imigração, que pode ter influenciado de forma decisiva o resultado das últimas eleições. Como é que o PCP olha para isso?

Eu acho que não é um problema se as pessoas tiverem direitos e tiverem condições de vida dignas, porque tanto aqui como no resto do País, a população imigrante é necessária para a nossa economia. Não há ninguém que diga o contrário. O que alguns querem é que continue a haver uma larga margem de gente sem direitos e ilegal para poder ser explorada até ao tutano. E isso é que nós não podemos aceitar. Os imigrantes são seres humanos e é como tal que devem ser tratados. Tal como nós sempre defendemos que os nossos emigrantes fossem tratados noutros países para onde também foram à procura de uma vida melhor e, infelizmente, ainda têm de ir hoje em dia. Depois precisamos de garantir que há uma harmonização entre estas novas comunidades e as comunidades existentes. E isso faz-se com uma política de integração. Faz-se obrigando quem os contrata a dar-lhes direitos, a dar-lhes contratos de trabalho, habitação condigna. E também se faz com a alteração do modelo económico que está a ser seguido. Porque, como disse, nós temos aqui um modelo muito centrado numa cultura superintensiva e que tem um aproveitamento sazonal. Se, em vez disso, tivéssemos uma maior diversificação de culturas e de aproveitamento do regadio nesta região, contribuindo para a soberania alimentar do País, que é um problema grave e que agora, com estas alterações todas a nível internacional, vai-se pôr ainda com mais veemência, também tínhamos uma maior estabilidade das pessoas que vêm para cá trabalhar e uma maior capacidade para elas se integrarem nas comunidades. E depois é preciso combater as máfias de tráfico humano, porque se há crime – já estive na GNR e já falámos sobre isso – em que o distrito de Beja é o primeiro a nível nacional é o tráfico de pessoas humanas.

 

Multimédia1

 

Isso vem no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI)…

Exatamente, vem no RASI. Os outros crimes, mesmo a criminalidade violenta e grave, baixaram. Onde há um destaque de Beja é no tráfico de seres humanos e isso exige – e é muito difícil, sabemos que é difícil, e sabemos que as forças de segurança têm um grande empenho nessa matéria – responsabilizar toda a cadeia de contratação. Nós não podemos ter apenas os imigrantes ilegais a serem penalizados.

 

Tem de se responsabilizar toda a cadeia …

Os que os trouxeram para cá dessa forma e os que os contratam e subcontratam sabendo que vivem em condições indignas e que isso não pode ser.

 

Esta questão prende-se com o problema que é o despovoamento do território. Em que medida é que os imigrantes poderiam contribuir para minorar o problema?

Isso é importante e em certos sítios tem sido uma forma de também combater o despovoamento. Mas nós achamos que o despovoamento não pode ser só combatido com base na imigração. Tem de ser combatido criando condições para as pessoas que cá estão, para os seus filhos e para os seus netos cá ficarem e para outros quererem vir viver para cá. E como é que isso se faz? Havendo empregos com salários melhores. Nós não podemos ter os níveis de precariedade que temos no Alentejo. Beja e Évora são os distritos com maior nível de precariedade no nosso país. Temos, entre os jovens até aos 35 anos, 62 por cento de contratos precários. Isto é uma brutalidade, porque, ainda por cima, sabemos que a maioria das situações de desemprego vem de pessoas que têm contratos precários. Não saímos disto. São também quem tem 25 por cento em média de salário mais baixo. Precisamos de inverter isto: menos precariedade, salários melhores, condições de acesso à habitação. Em muitos sítios isso já começa a ser um problema. E serviços públicos a funcionarem. Porque para um casal que quer fazer a sua vida aqui no Alentejo, ele precisa de ter a Obstetrícia e a Pediatria sempre a funcionar no hospital de Beja. Precisa de ter um médico de família no centro de saúde que acompanhe a gravidez, que acompanhe as crianças, que acompanhe toda a gente, naturalmente, não só as grávidas e as crianças. Precisa de ter uma rede de creches capaz de dar resposta à sua vida. Precisa de ter condições. E só vamos garantir essas condições com maior desenvolvimento económico, com reflexo nos salários e nos contratos, com melhores serviços públicos. Alguns investimentos em infraestruturas são também essenciais. Por exemplo: é mais difícil trazer médicos para o hospital de Beja se eles tiverem de suportar a falta de comboio em condições e vias rodoviárias que não estão capazes de dar uma boa resposta.

 

Isso prende-se com a pergunta seguinte: nos últimos meses, os eleitos do PS e do PSD têm trocado argumentos e passado culpas de uns para os outros por causa do atraso das obras do IP8, da A26 até Ficalho e, também, em relação à ferrovia. Como é que o PCP olha para esta situação?

Se há uma vez em que PS e PSD falam verdade é quando se acusam uns aos outros, porque, de facto, quando o PSD diz que o PS tem responsabilidade de não se ter feito o IP8 em perfil da autoestrada até Ficalho tem razão. E quando o PS diz que o PSD não desenvolveu o investimento nas linhas ferroviárias, na Linha do Alentejo, para que a linha já estivesse eletrificada, com ligação direta a Lisboa e com ligação direta ao Algarve, também tem razão. Ambos têm razão. Porque estiveram no governo, nestes anos todos, PS e PSD, e nunca concretizaram esses projetos. Agora podem-se acusar à vontade, mas, na realidade, nunca resolveram o problema. E, ao longo deste ano, que foi o ano em que não tivemos eleito [da CDU] na Assembleia da República, ninguém levantou estes problemas no Parlamento. E é por isso também que nós precisamos de um deputado da CDU, para ter uma voz do Alentejo no Parlamento, e não três deputados silenciosos, em que uma parte deles só é conhecida por más razões e não pela defesa dos interesses do povo alentejano.

 

A votação do PCP no distrito de Beja vinha a descer, paulatinamente, nos últimos anos. Nas últimas eleições, curiosamente, subiu. O PCP teve mais cerca de 400 votos, mas, mesmo assim, ficou sem deputado. Como é que se explica que num círculo tradicionalmente de esquerda, e em que a soma dos votos do PS e do PCP são mais do que os do Chega e do PSD, a direita tenha elegido dois dos três deputados?

Pois, isso é uma coisa que temos de alterar nestas eleições. Nós não podemos ter a direita em maioria no Baixo Alentejo. E qual é a alternativa que nós temos nestas eleições? Havemos de ter um deputado do Partido Socialista, penso que isso não se vai alterar, não vai perder esse deputado. Penso que isso é evidente. E, depois, o que é que vai acontecer? Ou temos um deputado da CDU ou dois da direita e da extrema-direita. E, portanto, a opção das pessoas, de muita gente mesmo, de muita gente que não é do PCP, nem da CDU, o que tem de pensar é isto: “Eu quero ter uma maioria de direita ou quero ter uma maioria à esquerda no distrito de Beja?”. Se querem ter uma maioria à esquerda, só há uma hipótese: é o deputado da CDU ser eleito.

 

Durante muito tempo, a CDU e o PS eram, a par, digamos, as forças dominantes nas autarquias. De há duas eleições para cá a CDU perdeu força, perdeu municípios. Isso, de alguma forma, fez com que o PCP perdesse influência e que isso se tenha refletido nas Legislativas?

O PCP continua a ser uma das duas forças mais dominantes das autarquias.

 

Uma tem 10 e a outra tem quatro…

Pronto, mas não há mais ninguém. E a nível nacional somos a terceira força a nível autárquico e a larga distância dos restantes. Eu penso que nós não tivemos sempre bons resultados e nas últimas eleições, nalgumas das últimas eleições, não tivemos bons resultados, como é uma evidência. Mas estamos num momento melhor, estamos a recuperar esse terreno. Houve alterações sociológicas, enfim, e outras que podem explicar algumas das perdas eleitorais que tivemos, mas estamos num momento em que estamos em condições de subir, quer para a Assembleia da República, quer para as autarquias locais, onde, penso, podemos, com certeza, manter as que são maioria CDU e com fortes probabilidades de conseguir chegar à vitória em mais algumas.

 

Multimédia2

 

Portanto, posso depreender que as suas expectativas são boas…

São boas. Não ignoramos que é preciso trabalhar, é preciso falar para as pessoas, é preciso fazer aquilo que nós temos feito e que Paulo Raimundo [secretário-geral do PCP] tem feito muito bem, que é falar dos problemas da vida das pessoas e apresentar as soluções para eles. Como diz a nossa propaganda aí na rua: “Os teus problemas importam e o teu voto conta”. Porque esses problemas de que nós falamos, e de que mais ninguém fala, do aumento dos salários, do aumento das reformas, da necessidade de pôr mais dinheiro nos salários dos profissionais de saúde, da botija do gás que custa o dobro do que custa em Espanha, da falta de investimento nos transportes públicos, na rodovia e na ferrovia, esses problemas são os que as pessoas sentem no dia a dia e é para esses que a gente tem de dar resposta.

 

A sua candidatura no distrito inviabiliza qualquer tipo de candidatura autárquica?

Não vou ser candidato a nenhuma autarquia.

Comentários