Diário do Alentejo

Sines: Futuro incerto para 500 trabalhadores

25 de janeiro 2021 - 10:55

O fecho da central termoelétrica de Sines, na passada sexta-feira, dia 15, devido à transição energética, deixa os cerca de 500 trabalhadores diretos e indiretos “numa situação delicada” para enfrentarem um futuro que dizem ser incerto.

 

“É com grande tristeza que assisto ao encerramento [da central] porque a instalação ainda podia trabalhar mais meia dúzia de anos”, lamenta Bruno Carreira, trabalhador da EDP Produção há 20 anos. O funcionário, de 44 anos, casado e com um filho menor, foi dos primeiros a aceitar a mobilidade e divide agora os seus dias entre Sines, onde reside, e outras centrais do grupo.

 

Bruno foi colocado na central termoelétrica do Carregado (Alenquer) e tem de deslocar-se também à central de ciclo combinado de Lares, Figueira da Foz, e à de cogeração do Barreiro. “Com a família em Sines e eu a andar mais deslocado, o tempo útil acaba por ser menor, porque agora estou num departamento que me obriga a ir a várias instalações da produção térmica e aos escritórios em Lisboa”, conta o técnico principal de manutenção, que não pondera, pelo menos para já, sair de onde vive.

 

Numa “situação delicada” com o fecho da central está Paulo Mota, 56 anos, trabalhador há seis anos da Zilmo, empresa de manutenção industrial. “Sinto-me muito mal, mais ainda com a conversa do ministro do Ambiente, Matos Fernandes, que disse que os 400 trabalhadores iam ter formação específica na área do hidrogénio, mas, quando a Segurança Social e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) foram à EDP fazer uma sessão de esclarecimento, disseram que não tinham conhecimento de nada”, critica.

 

O operador especializado, que esteve 31 anos na central termoelétrica, em várias empresas prestadoras de serviços, recebeu a carta de despedimento no final de dezembro do ano passado e mostra-se “apreensivo” quanto ao futuro. “Já me inscrevi no fundo de desemprego e mandei currículos para várias empresas na minha área na esperança de conseguir trabalho".

 

Já Rui Galindro, funcionário da EDP há 35 anos, não esquece aquela que considera ter sido “a pior forma de anunciar” o encerramento da central termoelétrica de Sines, durante a tomada de posse do atual Governo de António Costa. Fruto desse anúncio, “a EDP ficou como ‘peixe na água’, porque tinha uma data de encerramento político que iria utilizar de duas formas: uma para 'sacar mais uns cobres' ao Estado e outra para jogar com a falta de rentabilidade por via dos impostos suportados pela central

 

Para este operador de produção térmica, de 58 anos, “confirmou-se a segunda hipótese, infelizmente para a maior parte dos trabalhadores que passaram na central os melhores anos" das suas vidas. “Isto é como quando se termina um namoro. Por muito violento que seja esse período final, há sempre recordações que ficam”, reforça Rui Galindro, que recusa chamar “processo negocial” ao modelo “mais ou menos imposto” pela EDP para a pré-reforma de muitos funcionários.

 

Sem opções está Manuel Ferreira, de 52 anos, que terminou o contrato com a empresa de manutenção ATM, em novembro último, após 22 anos “a passar por várias empresas” prestadoras de serviços. Com a cessação do contrato, Manuel Ferreira, residente em Vila Nova de Santo André, no vizinho concelho de Santiago do Cacém, inscreveu-se no IEFP. Está agora a receber o subsídio de desemprego, que lhe vale “menos 300 euros” do que quando trabalhava. “É uma situação delicada. Aos 52 anos parece que já somos velhos e, hoje em dia, não é fácil arranjar trabalho no concelho. Com a covid-19, as empresas também têm dificuldades financeiras e não estão a recrutar, mas temos de continuar a tentar, apesar de ser preocupante”.

 

FALTA DE DIÁLOGO

 

Lamentando que não tenha havido “diálogo, concertação social e criação de soluções alternativas” para os trabalhadores que ficaram desempregados, a associação ambientalista Zero considera, no entanto, que este encerramento vai trazer a “redução mais significativa de emissões” de gases com efeito de estufa que já se viu em Portugal. “É fundamental um plano de promoção de atividades económicas ligadas à urgente transição energética” que inclua trabalhadores, sindicatos, autarquias e outras entidades, defende.

 

O encerramento da central de Sines aconteceu quase dez anos antes do que estava inicialmente previsto no Roteiro para a Neutralidade Carbónica, acabando assim com a central que “representou, em média, anualmente, 12 por cento das emissões totais nacionais de gases com efeito de estufa”, revela a associação.

 

A central a carvão funcionava com quatro grupos geradores, somando um total de potência instalada de 1.256 MW e de produção (potência disponível/ emissão para a rede nacional) de 1.180 MWh. Para produzir, recebia 24 a 25 navios de carvão por ano.

 

"ENCERRAMENTO NÃO FOI O MAIS INDICADO"

 

´O presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, considera que “face à conjuntura existente” o fecho da central a carvão "não foi o mais indicado”, uma vez que "havia margem para que continuasse a laborar por mais algum tempo", até porque o país continua a importar energia. “Foi uma decisão tomada pela EDP, mas temos de nos concentrar naquilo que é o mais importante e encontrar alternativas para os trabalhadores que direta ou indiretamente exerceram funções durante muitos anos nesta central”, sublinhou o autarca, segundo o qual compete não só ao Governo arranjar alternativas para os trabalhadores que ficaram no desemprego, mas também ao município alentejano que “deve dar o seu contributo no sentido de encontrar soluções”. Nuno Mascarenhas mostra-se expectante quanto ao futuro da indústria nesta região, uma vez que diz existirem projetos que "poderão ter uma importância tremenda na absorção" dos trabalhadores que agora ficaram sem emprego. “Acredito que irá surgir aqui um novo ciclo, quer seja virado para as energias alternativas, quer para o hidrogénio que estão, neste momento, a ser abordadas a vários níveis, para que sejam concretizadas no mais curto espaço de tempo”, concluiu.

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