Rita Belicha, 26 anos, natural de Vila Nova de São Bento, Serpa, é uma das tradutoras/intérpretes em língua gestual portuguesa no programa Estudo em Casa, a nova telescola criada pelo Ministério da Educação, um conjunto suplementar de recursos educativos para a educação pré-escolar e para o ensino básico, transmitidos, de segunda a sexta-feira, através dos canais RTP 2 e RTP Memória, respetivamente.
Texto José Serrano
Como está a viver este novo desafio de tradução de conteúdos educativos em língua gestual portuguesa (LGP)?
Participar neste projeto é muito gratificante e muito exigente. Em sala de aula é tudo mais simples, conhecemos os nossos alunos e acabamos por criar, com eles, códigos gestuais, o que facilita a tradução e a aprendizagem. Na televisão estamos mais expostos, não podemos voltar atrás, e isso aumenta o medo de falhar. Fazer parte da Escola em Casa é uma oportunidade única mas também um desafio constante. Somos uma equipa de 13 intérpretes que damos o melhor de nós, todos os dias, para que as crianças surdas possam ter acesso à educação, um direito de todos os cidadãos.
Considera que, na TV, a chegada de informação às pessoas surdas é adequada?
Há anos que os intérpretes lutam para que o quadradinho, onde nós aparecemos na TV, seja aumentado. É desumano que as crianças surdas sejam obrigadas a assistir às aulas coladas à TV, pois só assim conseguem ver o que estamos a gestualizar. Isto para nós é frustrante e para os surdos ainda é mais. Esperamos que, num futuro próximo, esta falha seja colmatada.
Considera importante que as escolas promovam a LGP nos seus programas, à semelhança do que acontece, por exemplo, com o francês, o espanhol ou o inglês?
Muito importante. Se a LGP fossa lecionada nas escolas os alunos surdos sentir-se-iam mais integrados e os alunos ouvintes, os funcionários e os professores estariam mais sensibilizados para a questão da surdez. Felizmente já se nota um crescendo de esforços, por parte da comunidade ouvinte, para conseguir comunicar com os surdos, mas ainda assim a comunidade continua a fazer bastantes esforços para conseguir comunicar. Além disso, a LGP é uma língua portuguesa, mais uma razão para ser lecionada.
Que passos são ainda necessários dar em prol do respeito pela comunidade surda, em Portugal?
Muitos passos... Na área da saúde, por exemplo, existem várias barreiras para a pessoa surda quando tem de ir a uma consulta ou realizar exames médicos. Onde é que está o intérprete nos hospitais e nos serviços de saúde? Eles existem mas tem de ser a pessoa surda a procurá-lo e a assumir todas essas despesas. O acesso à saúde é um direito da pessoa surda, e temos que nos mentalizar disso. Em igual patamar estão as finanças, os centros de emprego, a segurança social, etc., onde ainda existem muitas falhas para a pessoa surda.