Diário do Alentejo

Manuel Reis: Os cinco sentidos em estado de emergência

29 de abril 2020 - 18:00

isão

O que vejo nestes dias são pessoas com muito medo umas das outras, filas nos chamados serviços essenciais. Como as papelarias, onde se vendem uns quantos jornais e se levantam agora as cartas registadas que antes eram nos correios públicos e as sempre muito procuradas “raspadinhas”. Também nos supermercados e nas bombas de abastecimento de combustível, onde a principal procura é a bica e o tabaco. Depois, vejo o movimento pendular dos muitos que trabalham, alguns a passear o cão e, na falta deste, a andar ou correr pelas vielas da cidade. Mas seria injusto se não referisse que alguns estão mesmo confinados em casa, tirando umas curtas saídas.

 

Audição

Ouço muita coisa, tanta, tanta, que por vezes sou obrigado a ter cuidado e a relativizar, se não nem sei o que pensar. Ouço números e mais números nos briefings diários sobre o estado da pandemia e da nossa saúde por cá e no mundo que depois, e quase em todo o tempo das horas disponíveis de cada dia, as “nossas” televisões rádios e jornais repetem, repetem e repetem. E, já me esquecia, há as redes sociais, agora muito mais animadas com boas músicas em tempo de nada para fazer ou das saudades que batem mais forte. Não deixo de ouvir revelações, petições, desabafos, provocações e pura cretinice sobre a moralidade a propósito e a despropósito. Acho que não será ajustado catalogar de maiores ou menores defensores da saúde, da democracia, de apego à liberdade, ou mais ou menos revolucionário, dependendo do lado em que se encontre face a declarações sobre o estado de emergência ou de participar presencialmente ou por videoconferência em atos, reuniões, tal como no trabalho, desde que obrigatoriamente se protejam e protejam os outros cumprindo todas as exigências sanitárias. O resto é (falta de) conversa. No limite estamos a ser injustos com os milhares que diariamente trabalham nas empresas, na saúde, na segurança e proteção civil,na educação, nas autarquias, no comércio, nos lares, nas pescas, na agricultura, enfim, são tantos e por vezes com tanta falta de proteção. Todos temos medo e direito à saúde.

 

Tato

Toco na água e sabão e também no gel e álcool tantas vezes que me chego a lembrar de como não o fazia desta maneira e se não o devia fazer mais. Toco no telemóvel, e de que maneira, pois não me vá passar alguma “novidade”. Toco no computador não para teletrabalhar mas para as muitas coisas que tenho para fazer e que me dão muita satisfação. Toco nos comandos da televisão, no ferro de engomar e na loiça partilhando tarefas, como deve ser, não é? Não toco há muito num cabo de bandeira pois não se podem fazer ajuntamentos com mais de cinco. Já não me lembro quantos eram no “antigamente”...

 

Olfato

Não sinto o cheirinho a sair de restaurantes e cafés ou cervejarias e marisqueiras, mas paira no ar perto das horas de refeição, se passar mais perto das casas do meu bairro. O que vem ou poderia vir da paisagem que nos circunda não é nenhum, pois, porque a oliveira não dá grande cheiro mesmo quando são muiiiiitas...

 

Paladar

Tenho saudades, muitas, apesar de não fazer disso vida mesmo noutros tempos recentes, de saborear um petisquinho ou uma refeição que não seja em casa, ai se tenho. Agora dizem por aí que em maio já será possível, embora com cuidados. Imagino as filas do matar saudades! Ou talvez possam não ser grandes pois para muitos (agora mais) não abundam recursos financeiros ou, melhor dizendo, não há dinheiro que dê para muitos desvarios. Acho eu que poderá ser assim porque somos muito mais que os outros, os que sempre iam e vão continuar a ir, pois nesta matéria parece que o mais certo é isto ficar tudo na mesma.

Comentários