Publica-se hoje a última crónica do cante de 2025. É tempo de família, de encontros e reencontros com amigos, é tempo de renovar amizades e traçar planos para o novo ano que se nos apresenta. E com certeza haverá muita moda por cantar nesses dias, nesses locais, por tantos alentejanos que se juntam no Alentejo e fora dele. Na diáspora! Nessas paragens longínquas, ou nem por isso, para onde a procura de uma vida melhor e com mais dignidade levou tantos e tantos homens e mulheres. Primeiramente, na década de 1920, depois, entre 1940 e 1960 (período de maior fluxo), sobretudo, para bairros operários em Lisboa, Almada, Barreiro, Seixal, Amadora e Loures. E, mais tarde, logo após o 25 de Abril. Foi, sobretudo, nestes três períodos particulares da História que se registam momentos de grande êxodo rural. Levavam consigo os sonhos, a família, a esperança e pouco mais. Com as saudades da terra natal, a identidade regional veio ao de cima e já entrosados nas sociabilidades diversas reúnem-se, de forma informal, e cantam, sobretudo, em sociedades recreativas e outras coletividades de cultura e recreio. E assim criam os primeiros grupos de cante na Área Metropolitana de Lisboa. É certo que a primeira tentativa para erguer uma associação voluntária representativa da comunidade alentejana surgiu em 1912, com a criação da Liga Alentejana, em Lisboa, a partir da dissolução da qual surgirá, mais tarde, o Grémio Alentejano, em 1923, que posteriormente se transformaria na Casa do Alentejo, até aos dias de hoje. Porém, não obstante o inegável contributo da Casa do Alentejo lisboeta para o regionalismo português (e, em particular, para o “alentejanismo”), outras estruturas e coletividades foram importantíssimas para a disseminação do tal alentejanismo e consequentemente dos grupos de cante que se foram constituindo. As coletividades de cultura e recreio da Área Metropolitana de Lisboa desempenharam – e continuam a desempenhar – um papel fundamental no acolhimento, preservação e disseminação do cante alentejano, sobretudo, no contexto das migrações internas do século XX. Com a deslocação de milhares de alentejanos para Lisboa e sua periferia, motivada pela procura de trabalho e melhores condições de vida, estas coletividades tornaram-se espaços de pertença e continuidade cultural. Mais do que simples locais de lazer, funcionaram como verdadeiros núcleos de sociabilidade, onde a memória coletiva do Alentejo era mantida viva através do canto, da convivência e da partilha de práticas culturais.O cante alentejano encontrou nestas associações um ambiente propício à sua prática regular, longe do contexto rural de origem, mas próximo do seu sentido comunitário. Ensaios, atuações, festas e encontros interassociativos permitiram não só a manutenção dos repertórios tradicionais, como também a formação de novos grupos corais, muitos deles compostos por trabalhadores urbanos que recriavam, em Lisboa, as dinâmicas culturais das suas terras natais. Estas coletividades tiveram ainda um papel decisivo na disseminação do cante junto de públicos mais vastos, promovendo atuações em festas populares, eventos culturais, programas de rádio e, mais tarde, em iniciativas institucionais. Assim, contribuíram para a projeção do cante alentejano para além do Alentejo, afirmando-o como património cultural de âmbito nacional.Num plano mais amplo, estas associações funcionaram como mediadoras culturais, garantindo a transmissão intergeracional do cante e adaptando-o a novos contextos sociais e urbanos. A sua ação foi determinante para que o cante não se limitasse a uma prática nostálgica, mas se mantivesse como uma expressão viva, dinâmica e identitária.Em suma, as coletividades de cultura e recreio da Área Metropolitana de Lisboa foram pilares essenciais no acolhimento e na disseminação do cante alentejano, assegurando a sua continuidade histórica, a sua visibilidade pública e a sua relevância cultural num contexto de profunda transformação social.Por estas razões, e por ser tempo da família, publicamos hoje dois documentos que comprovam esta salutar e importante convivência que tem dado um contributo valiosíssimo à difusão do cante e dos seus cantadores!Boas Festas!
Florêncio Cacete Coordenador do Arquivo Digital do CanteCidehus/Universidade de Évoraflorencio.cacete@uevora.pt