Diário do Alentejo

Crónicas do cante: Arquivo Digital do Cante, os grupos e os documentos perdidos

07 de outubro 2025 - 08:00

O verão parte, ainda que timidamente, as Autárquicas estão ao rubro, no Alentejo e em todo o País. A hora vai mudar no fim deste mês. O Grupo Coral dos Trabalhadores das Alcáçovas esteve na NEI 2025 – Noite dos Investigadores, em Évora, a convite do Cidehus – Universidade de Évora, os grupos de Aljustrel participaram no Festicante e o município de Almodôvar anunciou a criação de um novo grupo infantil e juvenil, o Grupo Coral Infantil e Juvenil Trigueirinhos de Almodôvar. O cante, através dos seus grupos, continua vivo, dinâmico e coisas boas estão a acontecer. Mais nuns sítios do que noutros, dependendo dos carolas (sempre) e dos apoios (não só financeiros) que conseguem reunir para levar os seus projetos por diante.

Depois de uma breve paragem nas visitas aos arquivos dos grupos, para organização dos dados recolhidos, o Arquivo Digital do Cante volta ao terreno. O tempo está mais fresco e os grupos, apesar de continuarem com as suas dinâmicas e as suas apresentações, voltam a ter mais disponibilidade para nos receber. Continuaremos pelo Baixo Alentejo, principalmente, mas já com algum trabalho na região de Évora e pretende-se chegar à Grande Lisboa ainda durante o último trimestre de 2025.

Muita da documentação digitalizada está tratada e estamos a libertar nas plataformas digitais, diariamente, novos documentos. Paralelamente, continuamos nesta jornada incessante, exaustiva mas prazerosa, em busca dos tesouros documentais perdidos que permitam (re)construir a história dos grupos e consequentemente do cante. Contrariamente ao inicialmente previsto, é raro encontrar fichas de cada um dos componentes do grupo ao longo dos tempos.

 

De quando em vez, esporadicamente e devido a algum evento específico, surgem listagens de nomes. Ainda assim insuficientes para desenvolver uma abordagem sociológica acerca dos elementos que foram passando pelos grupos de cante. Em grande quantidade existem milhares de cartas, ofícios, postais e até telegramas. E ainda que se dê conta do desaparecimento de alguma documentação, por razões diversas, a correspondência recebida e expedida é sobremaneira interessante, rica e constitui uma nova fonte para a produção de conhecimento, permitindo elaborar e desenvolver várias abordagens que, até agora, não era possível.

 

Através da correspondência, torna-se percetível toda uma rede de contactos e relações institucionais, formais e informais, com várias entidades e outros grupos congéneres. Dificuldades e triunfos que ficaram registados, por vezes, em documentos manuscritos. Mas, sobretudo, permitindo que outros grupos construam também a sua história, nos casos em que existe pouca documentação ou subsistem lacunas temporais provocados pelo desaparecimento de alguns documentos.

 

Os arquivos fotográficos, muitas vezes, não datados, suscitam dúvidas, do tempo, do espaço e do momento que retratam e, por isso, levam mais tempo a tratar, pois tenta-se a todo o custo obter essa informação. Dá-se especial atenção a outras duas tipologias de documentos, os documentos de constituição do grupo e os documentos contabilísticos.

Quanto à constituição dos grupos, continua a verificar-se que alguns não detêm personalidade jurídica. Porém, a maioria dos grupos detêm-na, apesar de continuar a ser difícil comprovar a data de fundação de muitos, uma vez que a prática de registar os grupos é relativamente recente. Houve grupos que apenas ao fim de 30 anos de atividade se constituíram como associação. Outros, por serem tão antigos e se desconhecer informação sobre os seus fundadores, instituíram como data de fundação aquela que os mais velhos foram transmitindo geracionalmente, mesmo nos casos em que não existe documentação disponível que o comprove. O mesmo se passa com os orçamentos da despesa e da receita, os planos e relatórios de atividades, cujo conhecimento é imprescindível, como contributo revelador da história do grupo. Aí se encontram, documentadas, as alterações de indumentária ocorridas, os custos com os transportes, os custos com deslocações, entre outras informações importantes sobre a vida do grupo, os certames em que o grupo participou e outos aspetos não detetáveis na correspondência.

O trabalho é imenso e o desafio é gigante e, como tal, o Arquivo Digital do Cante volta ao terreno para prosseguir esta bonita jornada pela história do cante e seus grupos. Até breve!

 

Florêncio Cacete Coordenador do Arquivo Digital do CanteCidehus/Universidade de Évoraflorencio.cacete@uevora.pt

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