Texto | Luciano Caetano da Rosa, Professor universitário
1. O método D’Hondt, dos quocientes ou método da média mais alta, foi inventado pelo jurista belga Victor D’Hondt. Este método garante há meio século a captura do País por dois partidos: um partido neoliberal conservador que diz ser social-democrata e um partido social-democrata que diz ser socialista. Ambos os partidos têm designações não correspondentes à sua praxis e à sua ideologia, começando, logo aí, o perigo de induzir em erro os cidadãos e os eleitores. Mário Soares dixit: “...que meteu o socialismo na gaveta”, nunca o desengavetou e continua en-gaveta-do! A par da designação fake do PSD e do PS, como agora se diz para muita coisa falsa ou enganadora, há outros fatores atuantes, como a dinheirama de apoio que recebem de empresas e interesses capitalistas, formas de corrupção, manipulação nos media, desigualdades no tratamento das diversas forças políticas, comentariado em boa parte venal e uma campanha prolongada de desinformação a favor do chamado “arco de governação”.
2. As recentes eleições, como muitas outras, revelam resultados em grande medida pré-programados. Basta reparar no tempo de antena concedido por vários canais televisivos a Ventura e quejandos, a Montenegro, assim como a Pedro Nuno Santos, em prejuízo de outras forças. Montenegro armou-se em santinho, vítima da má-língua, e esquivou-se ao verdadeiro debate político com a desculpa de mau pagador que não alinhava em mexericos de politiquice. A vitória eleitoral pode funcionar falaciosamente para muita gente como um veredito que inocenta Montenegro. Mas eleições são uma coisa e processos em tribunal devem ser coisa diversa. E assim se foi safando ao escrutínio dos negócios e a uma putativa falta de ética como eventual primeiro-ministro part-time.
3. As recentes eleições atestam o tradicional boicote a partidos ditos menores, sobretudo, à CDU, com silenciamentos, mensagens truncadas, descontextualizadas, embora tais atentados não excluam só por si que a CDU e outros partidos possam ficar isentos de responsabilidades próprias. O tratamento errático da mensagem destes partidos não contribui, todavia, para o esclarecimento democrático.
4. A demoscopia em ação quase diária e diária na reta final, até quase à boca das urnas, é algo de penoso e perverso induzindo à votação nas forças políticas que certos interesses instalados apoiam e querem que ganhem. É tempo de proibir, a bem da democracia e da liberdade, as sondagens um ou dois meses antes de qualquer ato eleitoral. As altas taxas de abstenção tornam a democracia menos democrática porque menos representada e, por isso, menos representativa. Por sua vez, há quem calcule que o método D’Hondt leva ao desperdício de mais de meio milhão de votos, votos que não exercem qualquer efeito, não elegem deputados, vão para o cesto dos papéis. Este desperdício somado à abstenção enfraquece sobremaneira a democracia e favorece os mesmos de sempre há meio século.
5. É urgente abolir o método D’Hondt e substituí-lo por outro método mais justo e mais consentâneo com uma verdadeira democracia. Para tanto, dever-se-ia formar um grupo, em número ímpar, de estudo e de trabalho ou conselho com representantes da academia (especialistas em demoscopia, matemáticos, sociólogos, psicólogos, cientistas políticos, engenheiros informáticos, demógrafos, geógrafos, juristas...), representantes de todos os partidos com assento parlamentar, dirigentes sindicais, representantes dos interesses patronais, um juiz de tribunal superior, um membro do Conselho de Estado e o Presidente da República. Isto é, naturalmente, apenas uma proposta. Uma vez formado, este grupo poderia assumir funções de conselho de gestão sempre que um governo seja derrubado antes do fim da legislatura. É preciso acabar com governos de gestão formados pelos partidos que formam governos derrubados. Na sequente campanha eleitoral, dificilmente não se aproveitarão do aparelho de Estado para continuar com suas políticas lesivas e atuar em benefício próprio. Antes de cada eleição deveria haver dois dias de reflexão e não apenas um dia.
6. Deve ser outorgado tempo de antena igual a todos os partidos concorrentes a eleições. Nenhum partido poderá ser privilegiado ou prejudicado na sua visibilidade e na difusão da sua mensagem. Partidos de inspiração nazi-fascista devem ser ilegalizados. No momento atual, a Constituição da República Portuguesa está em risco de ser revista por uma maioria parlamentar de 2/3 representada por forças de centro-direita, direita neoliberal e extrema-direita neossalazarista.
7. Em períodos eleitorais, nenhum partido concorrente deverá poder usar o nome do país – Portugal – como “slogan” de campanha. Todos os portugueses amam o seu país, mesmo que de forma diversa. Os 22 círculos eleitorais existentes devem ser revistos. Só Lisboa, com direito a 48 deputados, tem mais votos do que 12 círculos, a saber: Beja, 3 deputados; Évora, 3; Portalegre, 2: Castelo Branco, 4; Guarda, 3; Bragança, 3; Vila Real, 5; Viana do Castelo, 5; Açores, 5; Madeira, 6: União Europeia, 2: fora da Europa, 2, perfazendo um total de 43 deputados, menos 5 do que a capital. O Porto, com 40 deputados, tem uma representação idêntica à de Setúbal (19) + Aveiro (16) + Viana do Castelo (5). Braga, com 780 228 eleitores, tem direito a 19 deputados. Os portugueses emigrados na União Europeia, com 937 185 eleitores, são representados por dois deputados apenas. O mesmo acontece com os eleitores do círculo fora da Europa: são 609 345 e têm apenas direito a dois deputados, enquanto Coimbra, com 371 315 eleitores, e Faro, com 382 622 eleitores, têm direito a 18 deputados, nove para cada círculo; e Leiria, com 412 223 eleitores, tem direito a 10 deputados. Shakespeare diria que “algo está mal no reino da Dinamarca”. Só que aqui estamos em Portugal.Urge, portanto, corrigir, aprofundar e expandir a democracia que Abril abriu...