Diário do Alentejo

Entre santos da casa e o príncipe perfeito

08 de fevereiro 2025 - 08:00
Ilustração | Paulo Monteiro/Arquivo

Texto | Rodrigo Ramos Professor

 

Publicou-se há dias uma sondagem da “SIC”/”Expresso”, realizada pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e pelo Iscte, que dá conta de que o almirante Gouveia e Melo deverá trocar o seu camarote na muito ilustre fragata “Bartolomeu Dias” pela suite presidencial no Palácio de Belém. Um quarto dos portugueses está de alma e coração com o almirante, o que não deixa de provocar uma natural admiração: 25 por cento dos inquiridos parecem decididos a confiar o cargo do mais alto magistrado da nação a um almirante de quem quase nada se sabe, para lá da célebre campanha de vacinação. Afinal, quem é o almirante? Não sabemos. O que pensa politicamente? Não sabemos. Onde se posiciona no panorama político nacional? Não sabemos. Mas, que diabo, nem ao menos de onde veio? Nem ao menos isso, para desconsolo. Sabemos, isso sim – porque corre na imprensa uma ilustração –, que arribou sem aviso, de braço dado com o nosso príncipe perfeito, el-rei D. João II, a quem aconselhava. Sorridente, tranquilo, nem parecia enjoar o Tejo, vejam v. exas. se não é este um homem nascido para Belém!

Num honroso segundo lugar surge-nos o senhor deputado e romancista André Ventura. Muito saudosista de tempos idos, o doutor Ventura criou uma seita radical, inspirada na Front National francesa, desconhecendo que tais ideologias, em Portugal, se copiam mal. Talvez o doutor Ventura ainda se refira à ponte 25 de Abril pelo seu nome antigo, talvez ainda suspire pelas colónias ultramarinas, mas não perdeu tempo a substituir a violência da guerra colonial pela não menos violenta retórica contra jornalistas e adversários políticos; é áspero, o que lhe tem garantido tempos de antena nos canais da praxe, onde os vários especialistas de comentário político competem fortemente pelo primeiro lugar no pódio da mais grotesca indignação. Líder do partido com assento parlamentar mais anti-sistema do sistema (embora eu, à vista do que se passa no beco mais à esquerda da bancada, não seja menino para o jurar), depois de se ver humilhado pela rejeição do seu apoio a Gouveia e Melo, atira-se ele mesmo ao presidencialismo, com uma coragem viva, sem vertigens, barba aparada e uma tal cambalhota que em mim não provocaria senão cãibras. Pois bem: ao homem que por vaidade ideológica e teimosia política elevou o Chega do um por cento aos 18 por cento – e ainda sem cruz suástica na lapela –, o binómio “SIC”/”Expresso” promete 16 por cento dos votos, o que lhe pode valer uma segunda volta no carrossel das eleições presidenciais.

Logo atrás desfilam os nomes mais ilustres da política portuguesa: António Vitorino acumula 15 por cento, António José Seguro segura-se aos seus 14 por cento e Luís Marques Mendes acompanha com 13 por cento. Todos somados, não temos 100 por cento das intenções, mas destas contas, caros leitores, não me venham pedir contas a mim! Por lapso ou excesso de zelo, o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e o Iscte decidiram adicionar um Mário Centeno já fora de combate (ainda assim, reuniria 17 por cento dos votos – “O que quer que lhe diga, estimado governador? Agora, é lamentar…”) e, no mesmo instante, ignorar os candidatos a candidatos, i.e., esses tais que à data de hoje ainda ponderam. A bem da verdade, os excelsos futuros candidatos pouco acrescentariam à sondagem. A Iniciativa Liberal não avança com uma candidata presidencial – prefere uma turista de eleições, de nome Mariana Leitão, que vai discursar um pouco, acusar o socialismo de se perfilar demasiado socialista, passar o tempo, repetir o mantra de que o liberalismo funciona e faz falta e ver como é por dentro o circo das presidenciais; o PAN e o Livre habituaram-se à ociosidade do Parlamento e entorpeceram; o PCP e o BE ainda não elegeram o seu avatar. De todo o modo, ninguém no seu perfeito juízo lhes outorgaria mais do que uma singela casa decimal.

E eis-me chegado, enfim, ao ponto principal: o que é feito da confiança dos portugueses nos partidos mais tradicionais do arco da governação? Por que motivo parecem estar a perder terreno, estes candidatos do sistema, com percursos consolidados nos “assuntos da polis”, a que nos habituámos a ver nos noticiários à hora do jantar, trajando os seus fatos e gravata e que tinham o salutar costume de não dar a confundir o poder militar com o poder civil, nem de espingardear verborreias contra opositores ou jornalistas? É, pois, de crer que “os casos e casinhos” que envolveram membros do PS, a entropia da justiça, da saúde e da educação, a aliança estreita com o Bloco de Esquerda, como se siameses presos pela cintura, tenham convidado os eleitores centristas a experimentar outros credos? Do mesmo modo, como devemos entender que os simpatizantes do PSD vejam no auto-elogiado discípulo de D. João II uma alternativa mais capaz do que Luís Marques Mendes? No PCP não é de espantar a redução significativa dos proletários de punho em riste; o partido é pródigo em tentativas de suicídio e, mesmo depois do contorcionismo para defender a mãe Rússia no conflito com a Ucrânia, não têm sido poucos os tiros no pé. Mas… e o Bloco? Certamente que esse modelo de virtudes intelectuais, educado, puro, trará consigo uma legião de fãs fiel e dedicada, envolta em bandeiras da Palestina, a marchar contra as forças policiais, os proprietários, as instituições financeiras e os veículos a combustão. Por certo, mal o BE anuncie o seu candidato, sairão aos magotes das suas casas de classe média nas zonas da grande Lisboa e do grande Porto e pintarão cartazes e faces em prol de precários a recibos verdes, das mulheres despedidas em período de licença de maternidade e de outras minorias, não será?

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