Diário do Alentejo

Helena Machado: “A minha inspiração provém das pessoas comuns que me vão acompanhando no meu quotidiano”

20 de janeiro 2025 - 08:00
Foto | Francescosphotos

Texto | Luís Miguel Ricardo

 

Tem 61 anos, é natural de Lisboa, cidade onde viveu até aos 24 anos, e cidade onde realizou o seu percurso académico, percurso que culminou com uma licenciatura em Engenharia Agrónoma.Já formada, mudou de país e mudou de continente, atracando ao recôndito estado de Apure, na Venezuela. Estado onde permaneceu durante oito anos. Estado que refere lhe ter deixado vincadas marcas na personalidade, resultantes do seu isolamento geográfico.Em 1996 regressou a Portugal e instalou-se em Vila Nova de Milfontes, onde desenvolveu a sua atividade profissional durante 24 anos.Atualmente reside em São Luís e, já liberta das responsabilidades profissionais, passou a dar vazão à sua criatividade literária, escrevendo mais amiúde.Na sua bibliografia de autora constam dois romances: Este Ano Não Há Natal, publicado em 2012, e Não Há Revoluções Perfeitas, lançado em abril de 2024.Eis Helena Machado na primeira pessoa!

 

Quando e como foi descoberta a afinidade com as letras criativas?Desde a escola primária que gostava de fazer redações, algumas até elogiadas pela professora. De então para cá, vou “escrevinhando” sempre que a inspiração aparece.

 

E alguma fonte privilegiada para fazer brotar essa inspiração? A minha inspiração provém das pessoas comuns que me vão acompanhando no meu quotidiano. A partir das suas vivências construo histórias, cujo objetivo é dar-lhes voz e atribuir-lhes a importância que merecem.

 

Mais alguma expressão artística experimentada para além da literatura? Agora que tenho mais tempo disponível, além de escrever com outra frequência, retomei o hábito de tricotar alguns dos meus agasalhos: camisolas, gorros, luvas e mantas. É mágico o que vai saindo por entre as nossas mãos!

 

Não Há Revoluções Perfeitas. Que livro é este? Não Há Revoluções Perfeitas é uma ficção baseada em acontecimentos ocorridos no Alentejo, em geral, e na aldeia de São Luís, em particular, aquando da Revolução de 25 de Abril de 1974. A partir de uma série de conversas que mantive com habitantes locais, apercebi-me de quanto era importante passar esses testemunhos para a posteridade, através da escrita. Ao ficcionar os relatos que me transmitiram, pretendo prestar homenagem aos homens e mulheres que viveram tempos duríssimos, bem como passar essa mensagem às novas gerações que, felizmente, não souberam o que significava viver sem liberdade.

Mais alguma valência da literatura experimentada?Para além dos dois romances publicados, há muita coisa guardada, mas não esquecida, nas gavetas da minha secretária. Trata-se de poemas e contos, que surgem na sequência de pensamentos, experiências que vou vivendo, alegrias e desventuras que me vão acompanhando.

 

E que papel desempenha o Alentejo na escrita de Helena Machado?A maior parte da minha vida já foi passada no Alentejo, por isso, não há como escapar à influência da sua vastidão, das suas colinas onduladas, do sol que tanto pode ser inclemente no verão, como bondoso durante as agrestes manhãs de inverno. E depois há as pessoas, cuja pronúncia me embala, trazendo sempre consigo um sentido de humor que me ensinou a troçar das minhas próprias fraquezas e abraçando-me, desde o primeiro dia, com a sua hospitalidade.

Algum momento inusitado experimentado ao longo do percurso de autora?No meu livro Este Ano Não Há Natal existe uma personagem inspirada na vida de Carlos Brito que eu, numa dada altura, identifico como “um velho, mas lúcido comunista”. Apesar de não haver qualquer referência explícita à sua pessoa, a verdade é que Carlos Brito, ao ler o livro, de imediato se apercebeu que era a ele a quem eu me referia. Por isso, aquando da apresentação do livro em Alcoutim, durante uma bela conversa que então mantivemos, ele não resistiu a fazer o irónico comentário: “Ó Helena, chamar-me lúcido está muito bem, mas velho...”. Eu permaneci muda e presa de vergonha, mas logo ele me libertou com uma saudável gargalhada.

 

Qual a opinião sobre o universo da escrita em Portugal e no Alentejo? A vida continua muito difícil para os autores anónimos, que não aparecem nas capas de revistas nem abrem noticiários. Eu aceito que o autor tenha de pagar a edição da sua obra, mas a editora deveria também cumprir com a sua parte, no que se refere à promoção e à divulgação da obra e à reposição da mesma nos locais onde se comprometeu fazê-lo. Eu não tive qualquer um dos apoios citados aquando da publicação do meu primeiro romance. Por isso, agora decidi avançar com uma edição de autor.

 

E o acordo ortográfico. Qual o posicionamento face à polémica?Quando escrevi o meu primeiro livro conhecia muito pouco as regras do novo acordo ortográfico, por isso escrevi segundo a antiga ortografia. Atualmente, já estou mais familiarizada com o novo acordo, por isso decidi escrever este livro segundo as novas regras. A nossa língua é viva, vai evoluindo ao longo dos tempos, e é natural que haja alterações a fazer de quando em quando. Mas não se deve estabelecer um novo acordo ortográfico atendendo apenas a um dos intervenientes do mesmo.

 

Que sonhos literários moram em Helena Machado?Tenho um romance engavetado há já vários anos, baseado nas vivências dos meus antepassados beirões, mas tem faltado a coragem para publicá-lo. Contudo, o sonho persiste e talvez um dia se concretize.

 

E o que está na “manga”?Atualmente, ainda estou na fase de “ressaca” do meu segundo romance. É um tempo em que fico quietinha a ouvir as reações dos leitores e a respirar de alívio por ter conseguido levar a obra a bom porto. Esta é uma fase pouco produtiva, em que escrevo contos e poemas, e nunca sei quanto tempo vai durar. Até que, de repente, me deparo com algo que me parece extraordinário e me aventuro a escrever mais um romance.

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