Diário do Alentejo

Digo Eu…: Colónias de férias

03 de setembro 2024 - 08:00
Ilustração| Susa Monteiro/Arquivo

Texto | Jorge Martins

 

Apesar destas semanas meio instáveis, com dias em que passamos pelas quatro estações anteriormente com datas de início e fim bem definidas, mais coisa menos coisa, a realidade é que já levamos dois meses de verão no calendário.

Dias mais longos.

Roupas mais leves.

Ânimos mais calmos.

Ruas mais cheias.

Pelos corredores do trabalho, por estes dias, todas as conversas terminam, invariavelmente, com a mesma questão: “então e tu, quando é que vais de férias?”.

Mesmo que repitamos a questão e, claro, a resposta às mesmas pessoas, numa prova de que o momento é pouco mais do que aquela cortesia básica, que se mistura com um encher chouriços, alavancado pelo contexto da época.

As opções são várias, desde os que por esta altura já queimaram todos os cartuxos, aos que contam os dias de forma insana para o (quase sempre) merecido descanso, passando por aqueles que estoicamente se aguentam a ver a agitação entre idas e regressos, muitas vezes a fazer o lugar (leia-se, o trabalho) daqueles que saíram uns tons de pele bem abaixo daquele que trazem no regresso, que ouvem relatos na copa e veem imagens nos telefones alheios, tudo isto enquanto aguardam a sua vez que, por opção ou outras contingências, ficou guardada para o fim.

Mas nada disto se passa com as crianças para quem, na sua maioria (quero acreditar), mais de dois terços do verão é sinónimo de férias. E ainda bem. Polémico, este desabafo, pois bem sabemos que nos dias que correm, para muitos, sem uma rede de apoio, com as finanças contadas, mesmo fruto, tantas e tantas vezes, de dois trabalhos que não chegam para as equilibrar, este tempo é de tormento, preocupação e muita ginástica.

Mas este ponto de vista tem só em conta as crianças e o merecimento deste período de relaxamento sem compromisso, numa altura em que a exigência com os resultados (que daria outro artigo per si) as deixa muitas vezes sem fôlego (tampouco tempo) para gozar deste tempo. Neste contexto e nas mais variadas vertentes e realidades, uma das atividades que caracterizam esta época são as colónias de férias. Escape para muitos pais, que aqui encontram uma solução para a ocupação dos seus filhos que, em muitos casos, têm nestas iniciativas as únicas férias “a sério”.

Tive oportunidade de participar na ótica do utilizador, enquanto criança, e do organizador, enquanto monitor. Hoje, a participação é por interposta pessoa, como pai, portanto.

Da primeira o que me recordo é de uma sensação de medo, misturada com autonomia. Se por um lado apanhava o autocarro e lá ia eu numa viagem rápida mas adulta, até ao ponto de encontro, para seguir com a maralha do boné igual. Por outro, recordo-me de ter muito medo de ir ao mar, e de ser muito apoiado pelos monitores de então… Talvez o momento em que num parque aquático me ia afogando por me aventurar onde não devia não ajude aqui muito ao tema.

Sobre a experiência de acompanhar os mais novos, havia muito a dizer. Na altura tinha uma ideia mas hoje é uma certeza: a responsabilidade de cuidar dos filhos dos outros é realmente enorme e não temos a total noção desse atestado que nos é entregue até ao dia em que nos tornamos pais. Aprendi muito. Conheci muita gente. Tive a certeza de que a pior parte desta tarefa de cuidar de crianças são mesmo os pais, vi muitas realidades, gravei muitos momentos e guardei pessoas que ainda hoje, mais de 20 anos depois, permanecem na minha vida. E são exatamente estas duas experiências que contribuem para o ponto de vista que tenho hoje, enquanto aquele pai que vai passar o tal atestado a quem se compromete a cuidar e entregar a minha criança sã, salva e feliz (premissa que eu creio que antigamente não estava na equação deste acordo).

Hoje, como pai que fica a dizer adeus para dentro do autocarro (momento que eles tanto valorizam, pelo menos até determinada idade), sei os medos que leva, o espírito aventureiro que carrega, o poder da influência dos comparsas. Sei que é diferente o nível de acato às instruções em casa ou por lá. Pode haver cumplicidade mas não existe a ligação afetiva que, em casa, leva à exploração das tentativas ao limite. Lá são todos mais rápidos, mais autónomos, mais desenrascados. Tal como na maior parte das escolas, ali há uma espécie de regime de tropa em que todos, salvo as exceções óbvias, se guiam pelas mesmas regras. E por mais que queiramos sempre que os nossos tenham uma atenção especial, a verdade é que só assim é que funciona.

Mas hoje quando o autocarro parte, depois da azáfama matinal de quem tem que garantir que está tudo conforme e ainda tem de anotar os 50 recados distintos que cada pai deixa à porta, tenho a certeza de que também eu tenho receios, tal como em criança, mas diferentes. De que se perca, de que esqueça (das tantas indicações que já leva na bagagem), de que se atrase, e de outros tantos “ques”… Sei que quem está tenta dar conta de tudo e dá o seu melhor, na maior parte das vezes. E tal como na escola, não é possível controlar tudo e todos ao detalhe. Sei que tal regime militar serve para que ganhem rotinas que facilmente se decoram e ajudam a que nada falhe, mesmo que isso signifique que se perca alguma espontaneidade (mas essa tem que ficar para quando vão com os pais).

Sei que vai trazer na mochila um qualquer resto de lanche e uma boa quantidade de areia. Sei que à noite vai adormecer mais cedo. Mas o que eu não sei, nem neste nem em nenhum outro contexto, o que não consigo prever dadas as variáveis, o que gostava de garantir sempre, é se volta feliz e com vontade de regressar no dia seguinte.

Neste cenário, ou nos diferentes com que nos vamos deparando na vida, interessa que a nossa participação seja mais do que cumprir calendário. Importa que nos acrescente, que nos motive, que nos faça querer mais e que nos permita criar memórias boas. E essas, digo-vos eu, quando o são, ficam para sempre.

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