Diário do Alentejo

Liliana Rodrigues: “O Alentejo é o papel e a caneta para a obra nascer”

24 de junho 2024 - 09:10
Foto | D.R.Foto | D.R.

Tem 41 anos de idade, é natural do concelho de Anadia, distrito de Aveiro, mas reside em Santiago do Cacém desde 2005, altura em iniciou a sua carreira como enfermeira na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano. Uma ligação contratual que mantém até à atualidade, conciliando-a com o cargo de presidente do conselho fiscal da Associação de Enfermeiros Especialistas em Reabilitação do Litoral Alentejano, entidade fundada em 2023.

A sua ligação ao universo das artes começou a evidenciar-se desde tenra idade. Primeiro, por influência de uma professora de língua portuguesa, durante o segundo ciclo, que lhe estimulou e incutiu o gosto pela leitura. Depois, e também durante este período etário, surgiu-lhe, no trilho das experiências artísticas, a possibilidade de estudar música. Estudou órgão e mais tarde piano, no Conservatório de Música de Águeda.

Porém, quis o destino e a carreira académica e profissional que o seu lado artístico fizesse um interregno. Um interregno que se prolongou até ao ano de 2014, altura em que as letras a recomeçaram a desassossegar, publicando, quatro anos depois, o seu primeiro livro, intitulado (Des)emoções. Seguiram-se mais dois títulos: o segundo, O Hamster Fugiu, editado em 2020; e o terceiro, O Caminho do Guerreiro, escrito e publicado no ano seguinte, em tempos de plena pandemia.

Eis Liliana Rodrigues, a enfermeira que também é escritora, na primeira pessoa!

 

Quando e como foi descoberta a afinidade com as letras?

A minha principal influência veio da minha professora de português do 6.º ano. Ela era responsável pelo grupo de jornalismo da escola, do qual eu fiz parte desde o início, e foi aí que comecei a escrever notícias relativas a acontecimentos dentro e fora da escola, bem como alguns textos soltos, em prosa e em poesia. Por essa altura fizemos uma visita de estudo ao jornal “Público”, no Porto, que só veio consolidar a minha curiosidade e o gosto pela escrita. É fascinante como a escrita pode ser tão versátil na sua forma e tão sublime enquanto expressão de arte.

 Quais as motivações para escrever?

Escrevo sobre temas que me provocam inquietação. O meu género é virado para a ficção, portanto, pego num tema, crio as personagens, desenho a história e a obra nasce. E a inspiração vou bebê-la aos inúmeros livros, dos mais diversos géneros, que costumo ler. A escrita para mim é uma forma de liberdade, com ela posso ser qualquer personagem e “viver” a vida que quiser.

 

Existe alguma relação entre a escrita da Liliana e o universo da Liliana enfermeira?

Não há uma relação entre a área profissional e a escrita. É claro que não me consigo desvincular completamente e talvez escreva sob a ótica da profissional de saúde. Mas, conscientemente, tento não cair na armadilha de me deixar prender à profissão que exerço. Escrevo para me libertar da rotina do dia a dia.

 O Caminho do Guerreiro. Que livro é este?

O Caminho do Guerreiro é uma ficção de uma sociedade pós-apocalíptica, muito assética, hierarquizada e muito controlada. Um mundo perfeito para o seu governador. Um cientista procura respostas sobre a origem daquele mundo perfeito e rapidamente percebe que há perguntas que não são permitidas. O que se esconde por detrás daquela sociedade? Existirá mais para lá daquele mundo? Até onde terá de ir para obter respostas? A obra surgiu em época de pandemia, altura em que muitas dúvidas sobre o futuro pairavam no ar. O objetivo principal da obra é estimular a reflexão e o pensamento crítico consciente. Digo-o, porque considero que atualmente há muita crítica gratuita, mas sem fundamentação. É preciso analisar de diversos ângulos para se formar um pensamento crítico efetivo. Eu gostaria imenso que o livro começasse a ser lido pelos adolescentes e jovens adultos, porém, ele destina-se a todas as pessoas que gostem de ler.

 Já foram experimentadas outras formas de arte para além da literatura e da música?

Já experimentei a pintura, mas, infelizmente, a pintura e a música ficaram lá atrás no tempo. Gostaria muito de retomar qualquer uma delas, mas, de momento, é-me muito difícil.

 Não sendo a Liliana alentejana de nascimento, como veio “desaguar” ao território?

Acabei o curso em 2005 e tinha pressa em começar a trabalhar e em ter a minha independência. O Hospital do Litoral Alentejano tinha aberto havia pouco tempo e precisava de enfermeiros. Vim a uma entrevista e, três semanas depois, comecei a trabalhar. Ainda concorri para a minha zona, mas algo me “prendia” ao Alentejo. Adoro a minha terra natal e sou apaixonada pelo litoral alentejano. Foi por cá que cresci e que me desenvolvi enquanto profissional. Foi por cá que me fortaleci enquanto pessoa. Foi por cá onde me perdi e me reencontrei. Gosto de pensar que era uma sementinha que veio criar raízes e florescer nas planícies alentejanas.

 E que papel desempenha o Alentejo na sua escrita?

Embora a minha escrita não tenha ponte direta com o Alentejo, é aqui que os meus pensamentos e ideias se materializam. Preciso do pôr-do-sol ao entardecer, das estrelas e do luar à noite. Preciso do som do silêncio para ouvir os meus pensamentos e dar-lhes forma. O Alentejo é o papel e a caneta para a obra nascer.

 Algum momento mais marcante e insólito experimentado ao longo do percurso ligado à literatura?

Há um que me marcou. Estava a fazer a apresentação do meu primeiro livro e houve uma pessoa que só foi ao evento porque o nome da autora era igual ao da enfermeira que tinha cuidado dele no hospital. Quando a pessoa viu que a autora e a enfermeira eram a mesma pessoa, ficou muito emocionada e fez um discurso que me tocou imenso.

 Que opinião tem sobre o universo da escrita em Portugal?

O universo da escrita em Portugal é difícil para os pequenos autores ou para quem está a começar. As editoras não dão muito destaque aos autores desconhecidos e todo o trabalho de marketing e de venda tem de ser o próprio autor a fazê-lo. Não percebo de marketing, nem de vendas, mas talvez seja uma área em que deva investir, se quiser vir a ser conhecida como autora. É claro que, para ser reconhecido em função do volume de vendas da obra, o autor tem de se dedicar a tempo inteiro a fazer apresentações e a escrever. Há a facilidade dos e-books, que podem ser uma mais-valia para as gerações mais novas. Depois, há também o problema da percentagem que as editoras pagam aos autores, que é muito baixa, para além de só serem pagas quando a obra atinge um determinado volume de vendas. É um investimento a longo prazo, mas do qual não dá para viver a curto prazo.

 E sobre o acordo ortográfico, qual o posicionamento face à polémica?

Percebo a necessidade de uniformizar e facilitar a compreensão entre todos os países de língua oficial portuguesa. Se vai ter o efeito esperado? Tenho dúvidas, porque a língua portuguesa é uma língua em constante crescimento. Uniformizar regras de escrita, sim! Compreensão oral e escrita entre países de língua oficial portuguesa, duvido! Veja-se a palavra rapariga, que em Portugal tem um significado e no Brasil tem outro completamente diferente. Sou a favor do acordo ortográfico, mas é-me difícil escrever segundo as novas regras.

 Que sonhos literários moram em Liliana?

Gostava de voltar a escrever poesia, gostava de escrever livros infantis, porque a minha filha pede, e gostava de escrever uma trilogia.

 

E o que está na “manga”?

Está a próxima obra, embora ainda em fase de construção.

Comentários