Diário do Alentejo

Digo eu...

04 de junho 2024 - 12:00
Jobs for the boys
Ilustração | Paulo Monteiro/ArquivoIlustração | Paulo Monteiro/Arquivo

Texto Jorge Martins

 

Os anúncios de emprego são, hoje, quase todos em inglês para funções que, mesmo exercidas em território nacional, são descritas nesse idioma, com designações igualmente estrangeiras. Como se não bastasse ao candidato a tentativa de corresponder a, pelo menos, um terço dos inúmeros requisitos da job description, que extravasam qualquer ideia de multi-tarefa (ou multitasking!), roçando a exploração dissimulada sob forma de skills que são um plus (na maior parte das vezes eliminatório), estes ainda são, uma boa parte das vezes, “convidados” a submeter os seus próprios curriculum em inglês.

Ainda assim há que arriscar, pois não é só o candidato que tem algo para oferecer: apesar de não fazer referência ao vencimento (pois esta informação é camuflada na questão da expectativa salarial, isto é, uma forma airosa de passar o ónus do tema para o potencial futuro empregado), esta empresa anuncia um work-life balance como um dos benefícios de ali trabalhar.

O recrutador? Esse é português, numa boa parte das vezes. Mas isso não impede que, chegados à próxima fase, a condução da conversa seja feita igualmente em inglês. E se isto se justifica quando o trabalho é feito, diariamente, num ambiente multinacional, já perde o sentido quando falamos apenas de uma questão de vaidade ou moda (trend, para os mais eloquentes).

Ultrapassada a fase de seleção, o ex-candidato vê-se perante o seu primeiro dia no office. Aqui é brindado com um onboarding, com direito a um welcome pack, uma tour pela empresa e uma primeira meeting. Segue-se um primeiro coffee break no lounge do edifício que fica junto à saída para o rooftop, onde tem ao dispor umas vending machines. O almoço é no food court e o resto da tarde é a conhecer os seus colegas de equipa do qual fazem parte um product owner, um business analyst, um manager e um team leader. Todos reportam ao head of operations que, consequentemente, reportará ao CEO.

Feitas as apresentações, os dias que se seguem são compostos por mais meetings, para falar dos touchpoints, do backlog, recolher o briefing, marcar o stearing, fechar o sprint, sem esquecer a lista do to do, que será discutida amanhã na review que antecede a reunião de forecast marcada para a tarde. Apesar de recente na empresa, vem a tempo de participar do primeiro day-out: um evento de team-building cuja inscrição está sujeita ao preenchimento de um survey.

Passar do simples apuramento, não sujeito a comprovação, sobre as capacidades em inglês de um candidato que, numa boa parte das vezes, vinha a comprovar que adulterou a sondagem, para um nível em que ignoramos as mais elementares aptidões como, espantem-se (!), falar português escorreito ou estruturar uma ideia, cria um fosso e deixa na terra de ninguém o equilíbrio que devemos exigir.

A importância dos números fala mais alto e quem tem a capacidade de contribuir para eles de forma cega, linear e em regime de carneirada, é rei… ou king. Junte-se as soft skills, com as hard skills e tempere-se com as (mais recentes) mad skills, e está dada a receita.

Citando Gabriel Alves, temos aqui a dicotomia da técnica da força contra a força da técnica.

Assistimos, por estes dias, a uma geração que no seu discurso mistura um inglês corrente com um português (muito) mal falado: repete-se a expressão “tipo” vezes incontáveis, eliminam-se verbos aparentemente desnecessários, cortam-se vogais, inventam-se termos e confundem-se tempos verbais… De forma inconsciente, esta realidade é toldada por uma aparente certeza na altura de se mostrar ao mundo, que assiste, na sua maior parte, sem relevar ou, mesmo, sem reparar nesta conjugação tão imperfeita quanto perigosa. Comportamento gera comportamento e estes são hoje referência para as gerações vindouras.

Vivemos numa era de consumo rápido e exacerbado de conteúdos descartáveis. Facto. As exigências são menores. Realidade. Mas perder a essência do bem fazer apenas porque amanhã já ninguém se lembra, ou porque não é aí que reside a importância da mensagem, é algo que tenho dificuldade em aceitar.

O desafio de não ficar para trás é evidente e a corrida, essa, digo-vos eu: é veloz!

Transformar, desta forma, o paradigma de comunicar, coloca numa posição fragilizada uma geração inteira, aquela que se encontra no meio termo entre os que já não têm por que se preocupar com isso e aqueles para quem parece que isto nunca será uma preocupação.

Estas pessoas continuam ativas no mercado de trabalho, quer como candidatos, quer como recrutadores, e merecem continuar a ter e ver respeitado o seu lugar.

Não se trata de ser velho do Restelo. Não se trata de exigir um tom cerimonial em tudo. Tampouco se trata do receio de não conseguir acompanhar, nem querer de elevar um nacionalismo bacoco e resistente. Trata-se, sim e como habitualmente, de equilíbrio.

Mas talvez seja tudo uma questão de mindset, no fundo.

Afinal, já dizem os Clã: [parece que] “a língua inglesa fica sempre bem, e nunca atraiçoa ninguém…”.

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