Diário do Alentejo

Manual de instruções

11 de março 2024 -
Ilustração | VecteezyIlustração | Vecteezy

Texto | Jorge Martins

 

A vida devia vir com um livro de instruções.

Este é um pensamento que nos invade, tantas e tantas vezes, quando deparados com alguma dificuldade, decisão difícil ou obstáculo.

A verdade é que, sem que esse manual tenha vindo à nascença, qual apêndice, com cada um de nós, hoje temos acesso a esses manuais, regra geral de forma gratuita e não encomendada, pelos mais diversos experts desta coisa que é viver.

Ensinam-nos a comer de forma “correta”. A cuidar dos nossos filhos de forma “perfeita”.

A gerir as nossas finanças rumo à liberdade financeira. Ditam-se modas sobre o que vestir no “momento certo”. A cuidar do corpo com preceito. A fazer o exercício certo para cada músculo e até para a mente.

Palestras de auto-conhecimento. Sessões de auto-ajuda. Lives nas redes sociais com o guru do momento.

Mindfulness, comida bio-coiso, parentalidade positiva, self care. Tudo para que, sem esforço, sejamos a nossa melhor versão, todos os dias. Sem margem de erro. Sem possibilidade de falhas. A certeza absoluta que vamos ser melhores do que esta pobre versão que apresentamos todos os dias ao mundo.

Ninguém sabe tudo, é certo.

Ninguém nasce ensinado (nem com o tal manual incorporado, qual robot de cozinha).

O saber não ocupa lugar e uma boa dica no momento certo, quando pedida (na maior parte dos casos, imposta!), não faz bem nem mal, antes pelo contrário.

É importante partir da premissa que não vivemos sós no mundo e que todos temos algo a aprender com o próximo.

 

Não caminhamos sozinhos e, por isso, atenção ao que nos rodeia é uma ferramenta importante.

A questão está no filtro. No que fazemos com a informação que recolhemos de forma invasiva e permanente. Perceber se aquela é a mezinha que precisamos para o nosso desafio (que hoje não há problemas!).

Estamos a perder, a passos largos de resto, a naturalidade, o equilíbrio, a razoabilidade e a tolerância para a tentativa e erro. E se deve haver espaço para isso, é na vida, no seu todo...

Assumir para nós o que funcionou para 500 mil seguidores duma qualquer rede social pode ser tendencialmente um erro, que leva a esta pandemia da ansiedade.

Sendo certo que só segue determinada tendência quem quer, o tema é que quem emana as regras faz, automaticamente e sem querer (acredito eu!) um julgamento prévio que coloca quem não o faz numa posição menor. Uma posição discriminatória a que vem atrelado um atestado de incompetência e inércia voluntária, tudo no mesmo documento.

A capacidade de seguir o instinto, perceber o melhor modelo para cada um, ouvindo experiências e bebendo delas na dose certa, tem que fazer parte do nosso ADN de passageiros nesta viagem.

Comecemos hoje a ser a nossa melhor versão, sim, no nosso dia a dia, no contacto com as pessoas, no respeito, na verdade, na justiça social que temos obrigação de passar aos nossos enquanto responsáveis pela sua educação. Tudo isto não começa numa palestra, mas, sim, digo-vos eu, no exemplo.

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