Diário do Alentejo

Nuno Figueiredo: “O Alentejo é sempre o pano de fundo das histórias que escrevo”

07 de maio 2023 - 12:00
Foto | Cris Carias e Miguel FerroFoto | Cris Carias e Miguel Ferro

Nuno Figueiredo é natural do Porto, mas reside em Évora. É músico, compositor e cofundador de algumas bandas e projetos nacionais, de que são exemplos maiores os Virgem Suta, em parceria com Jorge Benvinda; os Ultraleve, com Bruno Vasconcelos; Paião, com João Pedro Coimbra; e, mais recentemente, o projeto a solo “Figas”.

 

Como compositor, tem-se focado essencialmente nos seus projetos musicais e, quando convidado, compõe para outros artistas, como já aconteceu, entre outros, com Ana Moura, no tema “Amor Afoito”, presente no álbum “Desfado” (2012); Mafalda Arnauth, no tema “Partiu de Madrugada”, do álbum “Terra de Luz” (2013); com o Rancho de Cantadores de Vila Nova de São Bento, do álbum homónimo, no tema “Cantar até Cair” (2016); e Ana Bacalhau, nos temas “Vida Nova” e “Morreu Romeu”, no álbum “Nome Próprio” (2017).

 

Com a banda Virgem Suta editou três álbuns: “Virgem Suta”, em 2009; “Doce Lar”, em 2012; e “Limbo”, em 2015, tendo obtido duas nomeações para os Prémios Globos de Ouro (“SIC”/”Caras”) nas categorias de “Melhor banda”, em 2010, e “Melhor álbum do ano”, em 2013.

 

Com a banda Ultraleve editou um álbum homónimo, em 2013, que foi nomeado, no ano de edição, para o Grammy Latino, na categoria de “Melhor álbum pop contemporâneo”. Com a banda Paião editou, em 2018, um álbum homónimo.

 

A título individual, foi convidado, em 2017, pela “RTP”, para participar, como compositor, no Festival da Canção, tendo concorrido com o tema “Gente Bestial”, produzido por Bruno Vasconcelos e interpretado por Jorge Benvinda. Tema que obteve um honroso quarto lugar na final do concurso.

 

Atualmente, Nuno Figueiredo está focado nas gravações do próximo álbum dos Virgem Suta e na promoção do seu disco a solo – “Dupla” –, cujo lançamento ocorreu no passado dia 24 de março.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Quando e como o gosto pela música começou a ganhar protagonismo?

O gosto pela música nasceu na adolescência, período em que ouvia música de manhã à noite e em que comecei a ir a concertos. Recordo-me de ver as bandas a tocar e imaginar-me a fazer o mesmo. Nessa altura conheci algumas bandas, comecei a aprender a tocar guitarra e a fazer as primeiras canções e letras, que nunca mostrei a quem quer que fosse. Depois, aos 18 anos, e já a viver em Beja, procurei entrosar-me no meio musical local, tendo integrado várias bandas. Com o passar dos anos, conheci o Jorge com quem iniciei os Virgem Suta. Daí para a frente, após gravarmos o primeiro disco, passámos a tocar por todo o País, em muitos festivais grandes, e no estrangeiro. Tem sido uma aventura bonita que, na verdade, nunca imaginei viver tão intensamente.

 

Quem são as suas referências musicais?

As minhas principais influências vêm da pop inglesa. A minha banda favorita de sempre chama-se Blur, mas tenho um gosto mais vasto e nada estanque. De um modo geral, gosto de canções fora da norma, que me surpreendam, que tenham elementos estranhos. Aborrece-me a música muito “direitinha” e previsível.

 

Dos vários trabalhos e projetos realizados, há alguns a destacar?

Destaco os Virgem Suta por serem a minha banda principal e por ter sido um projeto que nasceu de um sonho de dois putos entusiasmados, numa sala de ensaios do Baixo Alentejo. Com o passar do tempo, esse sonho cresceu e levou-nos a tantos palcos e locais que nunca imaginámos possíveis. Destaco ainda a nomeação dos Ultraleve para o Grammy Latino, pela improbabilidade da situação. Julgo que até hoje nenhuma outra banda pop portuguesa viu um disco seu nomeado para melhor álbum pop nos Grammy. Habitualmente, só o fado acede a estas nomeações.

 

Das várias valências que desempenha no universo da música, há alguma com a qual tenha mais afinidade?

Aquilo que mais gosto é de compor. Adoro escrever e procurar caminho musical para o que escrevo. Como intérprete, sou mais frágil, mas essa menor experiência e eventual desconforto também me estimula, porque, como já referi, gosto de coisas menos polidas, que realcem o lado humano, cada vez mais disfarçado em tudo. 

 

“Figas”, “Dupla” e “Fumaça”. Porquê “Figas”? Qual o significado desta forma de assinatura do trabalho a solo?

“Figas” é o que a maior parte dos meus amigos me chama, e eu, cada vez mais, gosto desta franqueza. Este trabalho é muito o meu universo particular, com a ironia que me caracteriza, com as minhas maluqueiras e devaneios, sem expectativas. É música simples e divertida para pessoas divertidas.

 

E “Dupla”?    

“Dupla” é uma mão cheia de canções de bolso, bem-humoradas e despretensiosas. Uma viagem por paisagens simples e singulares que preenchem o meu imaginário.

 

“Fumaça”?

“Fumaça” foi o single de estreia, lançado em outubro de 2022, e, tal como os restantes temas que compõem o álbum, reflete aspetos relacionais de duas pessoas, daí o nome “Dupla”.

 

Qual a sua opinião sobre o estado da arte musical em Portugal?

Acho que a produção musical está fortíssima, porém, a indústria musical monopoliza totalmente a divulgação e o mercado, absorvendo todo o espaço para os artistas que representa, sobrando, para os restantes, poucas oportunidades de se darem a conhecer. Acho triste que, por exemplo, a televisão pública alimente frequentemente este mercado, mas é o mundo que temos. Relativamente ao Alentejo, acho que há muito talento e criadores fantásticos que, felizmente, têm vindo a ver reconhecido o seu valor.

 

Como é que se dá o “desaguo” de um portuense no Alentejo?

Vim acidentalmente. Quando concorri para o ensino superior, coloquei todas as minhas preferências na zona sul do País. Quando cheguei a Beja, em 1994, confesso que nos primeiros tempos me arrependi e até consegui transferência, mas que depois não efetuei, porque, entretanto, descobri a magia do Alentejo. Adorei viver em Beja, cidade que guardo com muita saudade e carinho. Vivi aventuras incríveis em Beja! Atualmente vivo em Évora, cidade diferente, mas que também me agrada bastante. Não creio que largue o Alentejo. 

 

E que papel desempenha o Alentejo nos projetos artísticos de Nuno Figueiredo?

Acho que o Alentejo é sempre o pano de fundo das histórias que escrevo. O vagar de que se fala aqui proporciona a possibilidade de observar o que se passa à nossa volta, e isso alimenta muito a minha escrita.

 

Alguns momentos inusitados experimentados ao longo da carreira?

Não me recordo de nada em particular. Tive, sim, momentos especiais, quando conheci e privei com artistas que sempre admirei. Esses momentos trazem-me boas recordações e, contrariamente ao que é habitual neste mundo de exposição constante, guardo-os apenas para mim.

  

Quais os sonhos artísticos que moram em Nuno Figueiredo?

Confesso que não sou pessoa de alimentar grandes sonhos. Já me chega andar constantemente com a cabeça na lua. Prefiro a surpresa e a perspetiva de ter o caminho todo em aberto e tudo poder acontecer. Sou uma pessoa otimista e feliz e, sinceramente, nunca quis ser só músico, porque gosto de olhar para esta atividade unicamente como fonte de prazer. Tudo o que dela obtenho é bom e surpreendente. Isso chega-me.

 

E o que está na manga?

Neste momento, o meu foco está na composição e gravação do novo disco dos Virgem Suta. Estamos muito entusiasmados com este trabalho e a viver momentos que fazem lembrar a altura em que gravámos o primeiro álbum. Esta sensação é fantástica.

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