Diário do Alentejo

Isabel “Artesã d’Estórias”: “Tenho uma paixão antiga pelos contos de fadas, fábulas e tradição oral”

22 de março 2023 - 10:00
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Texto Luís Miguel Ricardo

 

Isabel “Artesã d’Estórias” é uma artista artesã e animadora de histórias, de 42 anos, nascida numa Lisboa antiga, filha de mãe transmontana e de pai beirão, e que se define como autodidata que adora misturar narrativas com trabalhos manuais. “Tenho uma paixão antiga pelos contos de fadas, fábulas e tradição oral. Comecei a ouvir histórias desde muito pequena pela narração da minha avó e cedo a minha mãe me ensinou a costurar as minhas bonecas”. O saber-fazer com as mãos sempre esteve presente, lembrando que adorava passar tempo na oficina do pai carpinteiro.

 

Do ponto de vista académico, o trajeto de Isabel não foi linear. Começou por frequentar Humanidades, mas rapidamente derivou para as Artes, na Escola António Arroio, em Lisboa, onde começou a fazer teatro experimental. Seguiu-se o curso Ofícios do Espetáculo, na Escola de Circo do Chapitô – Escola Profissional de Artes e Ofícios do Espetáculo, que não concluiu, porque escolheu embarcar na aventura da maternidade.

 

 

Ainda durante o ensino secundário, Isabel foi bolseira no Centro em Movimento, tendo trabalhado na receção desta entidade, recebendo em troca aulas de dança contemporânea. O chamamento para as artes levou-a ainda a integrar, durante vários anos, o projeto “Tocá Rufar”, onde tocava bombo.

 

 

Em 2004 ingressou no curso de Acompanhante de Crianças, no Instituto do Emprego e Formação Profissional, tendo sido, neste contexto, que começou a explorar a animação de histórias, desenvolvendo projetos e aplicando-os nos jardins de infância onde realizou o complemento formativo.

 

 

Já em 2005 deu-se a estreia de Isabel como animadora da sua primeira oficina criativa para famílias, no “Festival Andanças”, e, no ano seguinte, como marionetista, numa cocriação independente, na companhia da marionetista Ângela Ribeiro. Ainda nesse ano criou o Macapi – Movimento Animação Cultural Artes para a Infância, ao qual se dedicou de corpo e alma, na companhia de vários colegas artistas, até entrar em modo residência criativa, já no Alentejo, e aí fazer nascer o projeto “Artesã d’Estórias”.

 

E de entre outros trabalhos desenvolvidos no âmbito deste projeto, destaca-se a primeira história “Tempo d´Aldeia”. Uma história contada em teatro de marionetas que nasceu no aconchego da lareira alentejana, juntando uma série de retalhos de histórias que iam sendo deslindadas à volta do crepitar do fogo. Foram as primeiras marionetas/personagens criadas por Isabel, e que ainda hoje a acompanham no projeto “Histórias da Artesã d’Estórias”, na rábula “O Pastor e a Artesã”.

 

Quando e como começou a ganhar forma o gosto pelas artes?

Desde pequenita que rabiscava cadernos com histórias que só eu sabia contar. Com oito ou nove anos, a minha mãe ensinou-me a fazer bonecas e roupas, e eu comecei a inventar formas e adereços. Na escola, estava sempre pronta para as aulas de expressão plástica e composições. Mas acho que a revelação se deu no dia em o meu pai me ofereceu uma viagem a Foz Côa com as turmas de Artes da escola, quando ainda frequentava o curso de Humanidades. Acho que o ambiente dos estudantes de artes e as gravuras rupestres avivaram o que estava meio adormecido em mim. Foi no regresso dessa viagem que comecei a desenhar, a explorar materiais, e que decidi estudar Artes.

 

Na combinação das várias valências artísticas, há algumas que deem particular prazer?

Todas! Adoro todo o processo criativo em que a ideia começa a germinar dentro de mim e começo a explorar técnicas e materiais para dar forma à ideia. Esta é a “artista artesã”. Depois vem a parte de juntar as peças e ver como a história quer ser contada. Adoro manipular formas, dar vida ao inanimado, não só as marionetas, mas também os objetos. Essa é a magia da animação. E, no “topo do bolo”, adoro o improviso. Por mais que marque e ensaie nunca conto as histórias da mesma maneira. 

 

Que relação se estabelece entre a criação e a utilização da peça/objeto na narrativa?

As duas situações fazem parte das minhas criações, por vezes, como no “Tempo d’Aldeia”, nascem em simultâneo. Noutros momentos, são as personagens que dão origem à história, como a marioneta artesã que um dia olhou para mim e disse algo como: “E se contássemos sobre o ciclo da lã e a tinturaria natural?” Como artesã, crio peças, bonecos e marionetas sem história, para que quem se cative por elas possa criar as suas próprias histórias, mas, por vezes, essas peças têm uma história que só eu sei. Noutras situações, simpatizo com histórias que já existem e materializo as personagens e os cenários. 

 

Quais as fontes de inspiração para a criação artística de Isabel Artesã?

Comecei com as marionetas de varas, sugeridas pela Ângela Ribeiro. Experimentei marionetas de fio, inspirada no filme “Strings”, do World of Puppets, de Bernd Ogrodnik, com quem estive recentemente a fazer formação à distância. Passei pelos fantoches de esponja, inspirada pelos bonecos de Jim Henson, que na minha memória moravam nos “Amigos de Gaspar”. E quando, em 2016, decidi fazer uma pausa nas criações para me dedicar a uma vasta maternidade, dei por mim com tempo para explorar o mundo das miniaturas que sempre me fascinou. Descobri a artista Salley Mavor, comprei o seu livro Felt Wee Folk e comecei a explorar todo um universo em miniatura. Sem dúvida que reinos encantados, fadas e duendes vivem no meu universo imaginário.

 

Que papel desempenha o Alentejo na arte de Isabel?

O Alentejo é incrível! Desde as vastas planícies às serras, desde os aromas aos sabores, as paisagens naturais e as típicas, à janela, no banco da aldeia ou debaixo do chaparro. Tenho muitas imagens que quero ainda contar. O “Tempo d’Aldeia” acontece no Alentejo, no bailarico e na apanha da azeitona. Uma das histórias “Artesã d’Estórias” – “O Pastor e a Artesã” – que estive a contar recentemente, e que teve parte do cenário em exposição na biblioteca de Ourique, viaja entre o “pastorar” e o “ciclo da lã”, ofícios que também fazem parte do Alentejo. Estão nas “Mandalas da Terra”, que retratam em pintura de lã os montes alentejanos. Em suma, acho que está bem presente e que tem um papel que me liga bastante ao elemento terra! 

 

Viver no Alentejo representa algum constrangimento para a arte de Isabel artesã?

Não sendo alentejana, ainda que ao fim de 13 anos já considere ter desenvolvido uma costela, não considero que seja um constrangimento, mas pelo contrário. Em 2015 tornei-me associada da CACO – Associação dos Artesãos de Odemira, que promove e incentiva as artes e o artesanato, e entrei na plataforma “Alentejo Criativo”, que faz um trabalho incrível na promoção de artistas e artesãos do vasto Alentejo.

 

As novas tecnologias são uma mais-valia para a carreira e para os projetos?

Sem dúvida! Uma das primeiras frases que ouvi quando aqui cheguei, ao Alentejo, foi: “Aqui tudo é longe e leva tempo”. As plataformas em rede na Internet são uma boa forma de chegar mais rápido e de estar mais perto, no entanto, eu não tenho muita paciência, nem tempo, para me dedicar às redes. Utilizo essencialmente o Instagram e o Youtube. Mas tenho noção de que é uma área em que devo investir mais. Estou a tratar disso.

 

Algumas histórias inusitadas experimentadas ao longo do percurso artístico?

Esta é uma pergunta que me deixa sempre sem resposta, pois, ao longo de 18 anos, são tantas as histórias. Sempre que me perguntam isto começo a vasculhar na memória e bloqueio. Já tive de tudo: crianças a gatinhar no palco e a “roubar” a marioneta; outras a morder os pés dos bonecos; idosos com um brilho emocionado durante a história; muitos abraços com marionetas. Este ano regressei ao “Tradidanças”, em São Pedro do Sul, e estava a contar a história  “As Fadas. Onde moram?”, fazia um calor danado e eu comecei a história: “... leve, um ventinho vem a chegar…” e começou uma brisa de vento a dançar pelo espaço. Foi mesmo bom! Enfim, são muitos momentos.

  

Quais os sonhos artísticos que moram em Isabel artesã?

São tantos! Ter saúde para os realizar a todos. Voltar a ter uma oficina com espaço para tudo, esse é um grande sonho, a Oficina Criativa no Monte. Vai acontecer, mais cedo ou mais tarde. Para já, divirto-me com a caravana criativa que podem visitar através do Youtube. Agora que a maternidade está encaminhada e estão todos na escola, quero voltar às bibliotecas e passear com as minhas histórias por este país afora. E, por último, porque não posso pôr todos aqui, quero ilustrar histórias com as minhas miniaturas em formato de livro.

 

O que está na manga?

Estou a desenvolver aulas de formas animadas durante as atividades extracurriculares e está a ser mesmo bom partilhar com as nossas crianças este ofício criativo que tanto valoriza a imaginação e as manualidades. Neste mês lancei os kits “Fadas em Casa”, que pretendem proporcionar momentos de criatividade manual no aconchego do lar, e que podem ser adquiridos através de mensagem direta ou na loja da CACO. A ideia é lançar um por estação. No dia 21 deste mês conto lançar a “Fada Primavera”. Devagarinho estou a regressar ao ativo e a redescobrir o caminho. Certamente haverá muitas surpresas boas!

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