Diário do Alentejo

Fátima Santos: “O Alentejo é o meu reduto de tranquilidade e inspiração”

11 de março 2023 - 13:00
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Fátima Santos nasceu em Odemira, em julho de 1961, no seio de uma família simples e ligada à vida rural. Viveu a primeira parte da infância em Amoreiras-Gare, seguidamente, em Ermidas-Sado, onde concluiu a primária. Depois, foi estudar para as Doroteias, em Évora, e, a seguir, para o Ramalhão, em Sintra, onde concluiu o ensino secundário. Seguiu-se a licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Concluída a formação superior, ancorou na capital do Baixo Alentejo, lecionando na Escola Secundária Diogo de Gouveia.

 

No ano seguinte, fixou-se na Escola Secundária D. Manuel I, onde permaneceu até hoje e desenvolve a sua carreira profissional, quer como docente de Português, quer assumindo cargos pedagógicos. Por entender a importância do enriquecimento de conhecimentos, realizou um mestrado em Estudos Lusófonos, pela Universidade de Évora; uma pós-graduação em Supervisão Pedagógica; e o curso de especialização do doutoramento em Liderança Educacional, pela Universidade Aberta.

 

 

Ao longo dos seus 38 anos de carreira docente, Fátima Santos trabalhou ainda na formação inicial e na formação contínua de professores, e foi coautora de manuais escolares e de livros de apoio ao estudo, no Grupo Leya. A atividade ligada à edição começou em 2004/2005, no projeto “Interações”, para o ensino secundário, seguindo-se seis livros da coleção Resumos de Clássicos.

 

 

No ano de 2022 emergiram as obras literárias, quatro livros de poesia: Palavras tecidas pela vida, Amar e mar, Poeticamente falando, Seara poética; e o conto infantojuvenil “Um acaso na Praia dos Cinco Reis”.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?

A minha mãe conta que, desde pequena, não havia récita onde eu não participasse e aos cinco anos adorava exibir os meus “dotes artísticos” a cantar “Ele e ela”, de Madalena Iglésias. Sempre gostei muito de ler, na infância e na juventude, e talvez tenha sido isso que me impulsionou para a escrita. Não tinha biblioteca em casa nem pais leitores, mas eles sempre me incentivaram a ler e a estudar. Quando não tinha os livros que queria, ia à biblioteca itinerante da Gulbenkian requisitá-los e, para além disso, tive a imensa sorte de ter professores que me estimularam o gosto pela arte e pela literatura. Hoje, as minhas influências são todos os escritores da minha vida, pelo que lhes dediquei Seara poética.

  

Com intervenção em várias valências da escrita, qual o registo de eleição?

Neste momento, já não estou voltada para a elaboração de manuais escolares nem para trabalhos que impliquem grande investigação, se bem que ela ainda seja importante para escrever sobre alguns temas. Gosto de escrever poesia e textos narrativos. Depende muito do contexto e das motivações, em determinados momentos, porque a poesia, em geral, emerge de intensos estados emocionais.

 

Quais as motivações para escrever?

O amor, nas suas múltiplas facetas, porque o amor é tudo aquilo que nos prende com o coração, mesmo a amizade ou a solidariedade relativamente aos mais desfavorecidos. A liberdade, um dos valores que mais prezo e que a escrita me permite. A denúncia de injustiças sociais, que me atormentam. A homenagem a figuras históricas e literárias. Enfim, depende do estado de alma, sobretudo a poesia, que, geralmente, resulta de um estado de alma mais tumultuoso ou de um impulso e é uma forma de me apaziguar.

 

Que papel desempenha o Alentejo na escrita de Fátima Santos?

O Alentejo é o meu reduto de tranquilidade e inspiração, seja o seu amplo horizonte, um campo de trigo ou de girassóis, o mar, as ruelas do centro histórico, ou as vozes que entoam o cante.

 

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo do percurso, alguns mais marcantes?

O mais marcante foi o “Interações” para o 12.º ano, porque foi a primeira experiência editorial. Nos últimos tempos, gostei, especialmente, de escrever o conto “Um acaso na Praia dos Cinco Reis”, cuja ação decorre em Beja.

 

No ano de 2022 acontecem várias publicações em várias editoras. Algum motivo especial para isso?

Em 2022 publiquei cinco livros, porque escrevi muito durante os períodos de confinamento da pandemia de covid-19, encontrando na escrita um refúgio e rentabilizando o tempo que me falta quando estou a realizar outras atividades profissionais. As palavras emergiram, num momento de crise, e decidi publicar. O trabalho com as editoras nem sempre é fácil e linear e talvez por isso a diversidade. Tenho tido experiências muito boas e outras nem tanto.   

 

Qual a opinião sobre o universo literário em Portugal e no Alentejo?

Em Portugal é difícil o reconhecimento público na literatura e na arte plástica, a não ser que o autor ganhe um prémio literário e o artista passe pelo estrangeiro. Esta situação sempre existiu e ainda permanece. É um facto que, hoje, há muito mais escritores e muito mais artistas, mas a arte sempre acompanhou o Homem desde os primórdios da história da humanidade. O Alentejo em nada fica atrás ao resto do País, pois temos excelentes escritores, artistas plásticos, músicos e nem me atrevo a citar nomes, porque são tantos os talentos que aqui despontam que iria cometer a injustiça de me esquecer de alguns. Creio que, em Beja, a Biblioteca Municipal e a Assesta [Associação de Escritores do Alentejo] têm tido um papel fundamental na divulgação e apoio aos escritores regionais.

 

E o acordo ortográfico. Qual o posicionamento face à polémica?

O principal problema do acordo ortográfico é não estar a ser utilizado por todos os países lusófonos. Em Portugal, os alunos já há muito tempo que realizam as aprendizagens em manuais que estão em conformidade com o mesmo e manifestam estranheza perante um texto que está escrito segundo a ortografia anterior. Esse dilema existe, essencialmente, para as pessoas de gerações mais velhas e, naturalmente, ir-se-á diluindo. Porém, precisamos de uma política de língua que defenda mais os interesses da língua portuguesa no mundo, porque é um instrumento de comunicação extremamente relevante para a diplomacia, a literatura, os negócios e, obviamente, para a projeção deste pequeno país no mundo global.

 

Que sonhos literários moram em Fátima Santos?

Gostaria de escrever um romance autobiográfico, para ser publicado postumamente.

 

O que está na “manga”?

Em 2023, estão em curso três projetos: um conto infantil, um livro de um artista que integra poemas meus, inspirados nas obras dele, e um livro de poesia com ilustrações de outro artista, inspiradas nos meus poemas. Sempre que possível, gosto de articular a literatura e a arte plástica.

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