Diário do Alentejo

Crónica de Florival Baiôa: A infoexclusão e o seu contributo para o isolamento

01 de março 2023 - 12:00
Ilustração | Jean JullienIlustração | Jean Jullien

Há uns 30 e picos anos tomei, pela primeira vez, conhecimento do computador – a máquina que iria revolucionar o mundo. Por acaso, até acreditei que essa seria uma verdade inquestionável, mas, no meu ceticismo, logo pensei que não me viria a fazer falta, como professor, até que a aposentação chegasse, pois tinha uma máquina de escrever elétrica, bem maneirinha, para os dedos do rapaz. Mas estava redondamente enganado e, quando um amigo me disse para ir experimentar um computador ao FAOJ [Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis] de Beja, fiquei pasmado com a facilidade que a máquina proporcionava ao meu trabalho. Estava equivocado, mais uma vez, quanto ao futuro tecnológico. Tudo foi demasiado rápido e depressa chegaram programas para desenhar, para escrever, para elaborar composições gráficas e sei lá mais o quê. Até que apareceu a Internet, facto que marcou o fim da minha resistência perante as tamanhas potencialidades que o computador me dava.

 

Um instrumento imprescindível para trabalhar, socializar, para momentos simples de ócio, para crescer culturalmente…Como se isso não bastasse apareceu também o telemóvel. Imaginem bem: uma pequena máquina permite-me falar e até ver pessoas em qualquer parte do mundo. Claro que nem tudo saiu bem no retrato das novas tecnologias. Em algumas partes foi-se longe de mais e o aproveitamento maldoso de alguns homens desfez a luz celestial que havia sobre os computadores e sobre a sua capacidade de comunicação.

 

Mas há algo que eu não posso desmentir, porque é uma verdade absoluta: hoje, ao nível da aprendizagem e da sociabilidade, a Internet faz o longe ficar perto, com imagens e tudo. As cartas escritas à mão passaram em desuso, à caixa do correio só nos chegam as facturas da electricidade, do banco e de outras dívidas. Quem ainda esperava receber alguma carta de amor no correio desengane-se, mal a mal virá por email, saltitando cheia de corações. O que é de facto muito estranho é que a sociedade, que se quer hipertecnológica e hiperinformatizada, eliminou os mais pobres e isolados deste mundo. Uns, porque não têm verbas para poder pagar um computador e os seus acrescentos necessários – programas, impressoras, Internet… –, outros porque são uns desgraçados que moram em aldeias ou em montes e que ficaram numa bolsa de esquecimento propositado das empresas – porque lhes custam muito as ligações de rede a esses sítios. A sociedade do capital continua a fazer das suas, sem piedade nem dó.

 

Mas esta segregação tecnológica é altamente prejudicial e cega. Porque, neste momento, a Internet é um instrumento de trabalho para empresas e escolas, não serve só para brincadeiras de crianças. Todos os dias, qualquer uma destas instituições tem gente que diariamente utiliza o computador. Os alunos fazem os seus trabalhos, as suas provas, as suas pesquisas curriculares na Internet, é lá que eles procuram a base das matérias leccionadas. As empresas, mesmo as muito pequenas, fazem a sua facturação, gestão de stocks, encomendas e vendas nos computadores. Imaginem agora um moço de A-do-Pinto ter de subir à “montanha” para fazer os trabalhos de casa – cujos temas ele tem que procurar nas várias informações que se encontram on line –, porque na localidade não tem sinal.

 

Ou ainda melhor: quem vive em Santa Clara do Louredo tem que se “entroncar” numa figueira para ter um romance telefónico, porque na localidade não tem sinal. Seremos sempre os últimos “desgraçadinhos” a ser bafejados pelo que existe de novo e de bom neste mundo? Sei que em algumas povoações deste nosso Baixo Alentejo cidadãos activos, e mais conscientes das necessidades contemporâneas, têm tentado, junto de diversas instituições, com ofícios e abaixo-assinados, solucionar o problema. Só que ninguém os ouve. Falha de pseudo-democratas, que olham mais para o umbigo partidário do que para aqueles que os elegeram. Empresas de telecomunicações, câmaras municipais, juntas de freguesia, afinal o que andam vocês a fazer?

 

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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