Diário do Alentejo

Paulo Ribeiro: “Ando sempre à procura de qualquer coisa e talvez seja isso que se designa por inquietação”

12 de fevereiro 2023 - 09:00
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É natural de Beja, tem 51 anos, define-se como cantautor apaixonado pelo Alentejo, um Alentejo sempre presente na sua música. É autor de novas modas para o cante alentejano, é compositor de bandas sonoras, cria música para peças de teatro e performances de poesia. Anonimato, Mosto, Baile Popular e Tais Quais, entre outros projetos, estão indelevelmente ligados ao seu percurso artístico.

 

Nas últimas duas décadas, tem desenvolvido um intenso trabalho em torno do cante, como ensaiador de grupos corais e, mais recentemente, como formador de crianças nas escolas. Em 2018 assumiu a direção artística do Festival B.

 

Tem vários discos editados a solo e em grupo, entre os quais se destacam os mais recentes: “O céu como teto e o vento como lençóis”, a partir da obra poética do escritor Manuel da Fonseca; “As novas aventuras dos Tais Quais”; “É assim…Uma espécie de cante”, em parceria com o Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias, que inclui a gravação de diversas músicas do imaginário pop português adaptadas para o cante alentejano; e, finalmente, “Ribeiro”, o seu novo álbum que conta com a participação de Rão Kyao, editado em fevereiro de 2021.

 

No seu currículo de distinções constam o prémio Jovens Autores, da SPA – Sociedade Portuguesa de Autores, em 2000; o prémio “Mais Música”, da revista “Mais Alentejo”, em 2011; e a Medalha de Mérito Artístico e Cultural, atribuía pela Câmara Municipal de Beja, em 2012.

 

Eis Paulo Ribeiro na primeira pessoa!

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Quando e como o gosto pela música começou a ganhar protagonismo?

Penso que foi desde muito cedo, pelo menos, o impulso de cantar foi desde criança. Já o tocar e o compor música associo mais a um período da minha adolescência em que comecei a ouvir música com mais atenção, a comprar discos e a descobrir bandas que me fascinavam. Depois veio a necessidade de criar e formar o meu próprio grupo com alguns amigos e, muito naturalmente, a partir daí foram surgindo os primeiros acordes, letras e canções.

 

Quais são as referências musicais de Paulo Ribeiro?

São as mais variadas. Nem sempre me inspiro na música para fazer música. Às vezes são esgares, reações ao que se passa à minha volta, a leitura de um livro de poesia, etc.. Mas, sim, tenho referências musicais que vão do cante ao folk americano, jazz, blues, música clássica, pop britânica e, naturalmente, alguns cantautores e músicos portugueses, alguns dos quais tenho o privilégio de poder trabalhar com eles. Enfim, são referências que incluem os mais diversos estilos e compositores. Para nomear apenas um, se fosse para uma ilha deserta, levaria comigo a música do Tom Waits, mas levaria na minha memória e no meu coração muitos outros.

 

Dos trabalhos realizados e projetos realizados, há alguns a destacar?

Há vários. Os Tais Quais, que já se tornaram numa família e têm um conceito de espetáculo único. O projeto “É assim...uma espécie de cante”, que é uma face visível da minha ligação aos Camponeses de Pias e que originou uma digressão internacional com o Pedro Abrunhosa. Os meus trabalhos a solo que têm contado com a produção e direção musical do Jorge Moniz. Os Mosto, com o Carlos Arruda e o César Silveira, numa abordagem desafiante em relação ao cante. E, depois, outras experiências mais subterrâneas como o Projeto Eroscópio, um recital que convoca alguns dos mais significativos poetas do século XX.

 

Tendo Paulo Ribeiro um percurso artístico por várias valências do universo musical, como se define enquanto músico?

Sou talvez a soma das partes. Gosto de procurar reinventar-me artisticamente na tentativa de encontrar novos processos para a música que quero fazer e partilhar com o público. Digamos que ando sempre à procura de qualquer coisa e talvez seja isso que se designa por inquietação.

 

Como surge o repertório de Paulo Ribeiro?

Na minha música procuro ter temas originais, mas também interpreto temas de outros compositores nos grupos que integro. Por outro lado, também faço arranjos e adaptações de músicas como se pode constatar nos projetos que desenvolvo com os Camponeses. Existe também uma reinterpretação de músicas de raiz tradicional. Não existe só um caminho para construir os repertórios que vou desenvolvendo a solo ou em grupo. São vários caminhos e alguns têm “desvios”. São por vezes nesses “desvios” que encontro a melhor direção.

 

O cante alentejano é uma “boa escola” para aceder a uma carreira na música?

O cante sempre fez parte da minha identidade. Falo como alentejano que ouviu pela primeira vez, ainda em criança, as vozes em coro de alguns homens que se encontravam a conviver numa taberna em Beringel, a terra dos meus pais. Esse acontecimento marcou-me até hoje. Talvez por isso, já nos Anonimato procurava influências na minha forma de cantar que tinham alguns pontos de contacto com o cante, mesmo tratando-se de uma banda pop/rock. Não sei se é uma boa escola para aceder a qualquer coisa. O importante é estudar e ter, naturalmente, aptidão para a música, independentemente do género.

 

Qual o estado da sua arte – música – no Alentejo?

Penso que existe muito talento no Alentejo, aliás, sempre existiu. Estamos agora numa fase em que os jovens têm mais acesso a informação e a recursos que antes não tínhamos, e isso também tem contribuído, felizmente, para a exploração dos mais diversos territórios musicais. Penso, no entanto, que as entidades competentes deviam ter para a música e para as artes outra visão. Há uns anos, chegou a existir uma rede de teatros. Os espetáculos circulavam e havia uma comunicação a este nível entre vários municípios. Recentemente tivemos o Festival BA, que permitiu a apresentação de mais de uma centena de espetáculos em diferentes áreas artísticas. Penso que poderíamos ir por aí e até estender esse festival a todo o Alentejo, criando parcerias e redes que possibilitassem aos artistas da região apresentarem os seus projetos em locais onde dificilmente iriam atuar. Refiro-me, por exemplo, a aldeias e a lugares recônditos, em que as comunidades têm um reduzido acesso à cultura. Mas parece que estamos de novo num impasse a esse nível. O talento dos músicos é inegável, mas não existe uma estratégia concertada.

 

Que papel desempenha o Alentejo nos projetos artísticos de Paulo Ribeiro?

O Alentejo está sempre presente, não há como não estar. Mas as minhas vivências de outros lugares também me inspiram bastante. Enquanto produtor, trabalhei recentemente na conceção de um disco de António Caixeiro e também num álbum dos Oh Laurinda, em que, tal como nos meus trabalhos a solo, é visível a influência da cultura do Alentejo, mas também incorporam e deixam transparecer outras latitudes e influências.

 

Ser alentejano e viver no Alentejo alguma vez representou um constrangimento para o cimentar da carreira artística?

De alguma forma, sim. Por outro lado, as dificuldades aguçam o engenho e a criatividade para suplantar esses eventuais constrangimentos. Foi sempre isso que procurei fazer ao longo destes anos todos, desde que gravei, em 1993, o primeiro CD com os Anonimato e, depois, em 2002, quando me aventurei na gravação e edição do meu primeiro álbum a solo.

 

Alguns momentos inusitados experimentados ao longo do trajeto artístico?

Há vários, desde eu me ter esquecido de um cinto para usar com as calças que ia vestir num concerto dos Tais Quais, no Festival da Costa da Caparica: as calças caíam-me e foi um roadie que me emprestou o cinto dele antes de entrar em palco. No início dos anos 90, alguns concertos terminaram mais cedo, porque a corrente elétrica não aguentava e ficávamos às escuras. Houve também uma vez em que começámos um concerto com os Anonimato e só ao fim da terceira música é que o guitarrista entrou no palco. Já estávamos todos intrigados e sem saber se continuaríamos a tocar.

 

Quais os sonhos artísticos que moram em Paulo Ribeiro?

Estou sempre a compor e ocorrem-me muitas ideias. Os sonhos passam basicamente por continuar a desenvolver o meu trabalho com os projetos aos quais estou ligado, manter a criatividade, fazer mais alguns duetos com gente que admiro e apresentar, o mais possível, a minha música ao vivo.

 

O que está na manga?

Os Tais Quais estão a preparar um novo espetáculo que será, seguramente, uma bela surpresa.  Neste momento estou a preparar um EP que prevejo gravar ainda no decorrer deste ano e que vai incluir cinco ou seis temas inéditos. É um trabalho a solo de autor, com a imprescindível cumplicidade dos músicos que colaboram comigo. Também já tenho em mente um novo álbum, que julgo ser muito diferente de todos os que fiz até agora.

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