Diário do Alentejo

Manuel Casa Branca: “Entre as árvores e as cores existe o espaço para a construção da narrativa pictórica”

29 de janeiro 2023 - 09:00
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Manuel Casa Branca nasceu em 1965, em Montemor-o-Novo, e é por lá que continua a residir. A sua iniciação ao universo artístico aconteceu pela mão do pintor e ceramista californiano Ross Curtis, no Atelier Internacional, na Adua, no seu concelho natal. Foi nessa altura que teve o primeiro contacto com as técnicas da pintura a óleo, o plein air, a caligrafia chinesa, a aguarela e a cerâmica.

 

Na vertente académica, Manuel Casa Branca é licenciado em Artes Plásticas/Pintura, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (Fbaul), tem pós-graduações do Mestrado de Desenho, na mesma faculdade, e na área da Profissionalização Pedagógica, na Universidade de Évora. Como formação complementar, destacam-se o curso “Desenhar a Paisagem”, com orientação do especialista em arte pública, Javier Maderuelo, efetuado na associação Oficinas do Convento; a participação na Oficina Experimental de Cerâmica RAKU, orientada por Paulo Óscar e Joaquim Pimentão, e na Oficina Experimental Cerâmica de Pequeno Formato, orientada por Elsa Gonçalves, ambas na associação Oficinas do Convento.

 

Ao longo do percurso artístico foi galardoado com o prémio da cidade de Brétigny no “XLV Salon de Peiture et Sculpture l’Ile-de-France”. Recebeu menções honrosas na 2.ª edição do Prémio Infante D. Luís às Artes-2017, “LXI Salon des Artistes du Hurepoix”, St. Geneviève-des--Bois, ambas em França; na 2.ª Bienal de Vidigueira; e nas 2.ª e 3.ª edições do Prémio Infante D. Luís às Artes, da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos.

 

Foi distinguido com o Prémio de Pintura Henrique Pousão, pela Câmara Municipal de Vila Viçosa, em 2010. Foi selecionado e participou no “International Art Competition – Art Wind Rises”, na Galeria X-Power, em Beverly Hills, Califórnia, nos Estados Unidos da América (EUA).

 

Desde 1993 tem realizado exposições individuais em Portugal e Espanha e tem participado em diversas exposições coletivas na Península Ibérica, em França, em Itália, na Alemanha, na Holanda, em Inglaterra, na Polónia e nos EUA. Colabora com diversos artistas internacionais, destacando as parcerias com a pintora espanhola Gloria Morán Mayo, a pintora romena Felícia Trales, o escultor francês Jean Buyer e o pintor inglês Rob Miller.

 

Manuel Casa Branca é ainda redator do jornal “Folha de Montemor”, onde mantém uma coluna mensal sobre artes plásticas, e professor na área das Artes Visuais, no Agrupamento de Escolas de Arraiolos.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, alguns que tenham sido mais marcantes? Não partilho o conceito de destaque entre um ou outro trabalho. Para mim o mais importante é o foco que mantenho no meu percurso e na mensagem que transmito no alerta para as questões do montado, das alterações climáticas e, numa perspectiva mais abrangente, para as questões de valorização do património eco histórico. Até porque, alguns dos trabalhos que entendo como referência mais pessoal mantenho-os comigo. Há experiências de encomenda que foram muito interessantes, tais como o painel cerâmico que realizei para a Câmara Municipal de Mora, ou um quadro que pertence à coleção da Câmara Municipal de Lisboa.

Como são identificadas as temáticas para criar e que motivações estão subjacentes? Entre as árvores e as cores existe o espaço para a construção da narrativa pictórica que me acompanha durante estes últimos 30 anos. Os sobreiros (Quercus suber) sempre fizeram parte da minha vida. No entanto, foi na Faculdade de Belas Artes de Lisboa que comecei a pintar estas árvores como símbolo de ecossistemas ameaçados e, paralelamente, personagens de histórias que me são reveladas quando estou a deambular pelo montado. foi preciso sentir-me imerso na grande urbe e com distância do montado para ter um ponto de vista crítico e construtivo no sentido criativo. Quando organizo a narrativa para uma exposição, costumo evocar o conceito de “instalação” para a relação entre o espaço arquitetónico e o espaço de composição pictórica, face a face, como se de uma “janela” para o montado se tratasse. O megalitismo veio por acréscimo, dada a paixão pelo património histórico e a interação com a paisagem do montado. O megalitismo contemporâneo é uma excelente expressão dita com muita amizade, pelo grande arqueólogo Manuel Calado, acerca do meu trabalho de pintura sobre os vestígios do que resta na nossa paisagem relativamente ao património megalítico.

Quando e como foi descoberta a vocação para a pintura? Na minha infância sempre desenhei, efetivamente, mais o desenho do que a pintura. A banda desenhada esteve sempre muito presente na minha adolescência, o que foi ótimo, pois educou-me a desenhar imenso. Só no Atelier Internacional da Adua, em Montemor, no final da década de 80, como jovem aluno de Ross Curtis, desenvolvi de forma impactante o gosto pela pintura e, particularmente, pela paisagem. Era um jovem que procurava o seu caminho entre Montemor e Lisboa, na Faculdade de Belas Artes. Ross Curtis teve bastante influência na evolução da minha técnica pictórica, juntamente com alguns professores da faculdade, tais como Lima de Carvalho, Luís Filipe Abreu e Gil Teixeira Lopes.

Foi ou é explorada mais alguma forma de arte para além da pintura? Exploro o desenho. Na minha juventude, foi a banda desenhada. E faço também algumas incursões pelo design.

Que papel desempenha o Alentejo na arte de Manuel Casa Branca? Pelo que já referi, o Alentejo tem um papel crucial na minha pintura. Tanto pela paisagem, como pelo património.

“IP2N4”. Que projeto é este e que importância tem no percurso artístico de Manuel Casa Branca? Este projeto engloba pintores e escultores alentejanos, e pretende divulgar o nosso trabalho entre o Alentejo e a extremadura espanhola, num primeiro momento. O seu nome deriva das duas vias mais importantes que cruzam o Alentejo: a Estrada Nacional 4 e o IP2. É um grupo que se identifica de uma forma muito clara com o Alentejo e que se expressa em diversas variantes pictóricas, de que são exemplos, a representação da figura humana, o surrealismo e a paisagem.

Onde se encontram as obras de Manuel Casa Branca? Tenho um espaço em Montemor, Atelier e Galeria 9ocre, onde estão patentes trabalhos meus, e também onde decorrem exposições temporárias de outros artistas que convido. Em Évora, no espaço Divinus Gourmet, que divulga produtos do Alentejo. Em Vendas Novas, exponho na Casa Fisher, um projeto familiar de alojamento local, do qual faço parte, e onde também tenho um espaço de atelier.

Qual a opinião sobre o estado da arte “pintura” em Portugal e no Alentejo?  As artes plásticas são pouco visíveis nos media em Portugal. Por vezes há mais visibilidade na imprensa regional do que na nacional, salvo exceções que passam por lobbies muito bem articulados. Penso que foi positivo a eleição de Évora como Capital Europeia da Cultura, pode ser uma oportunidade importante para o Alentejo e para os artistas desta região.

Que sonhos artísticos moram em Manuel Casa Branca? Ter saúde para fazer e falar destas coisas que faço, juntamente com os amigos que vamos encontrando na vida e que partilham também o seu saber e fazer. Que o montado sobreviva e que o ser humano se ligue mais à Natureza.

O que está na “manga”?

Continuar o projeto "IPN2N4". Outro projeto em que estou a participar é o "ART3C - Clima, Comunicação e Comunidade - Montado como Paisagem", a decorrer no Observatório da Charneca, na herdade do Gaviãozinho, no concelho da Chamusca, Ribatejo. Participo ainda no "EV.EX - Évora Experimental", no âmbito das artes plásticas e da poesia visual.

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