Diário do Alentejo

Crónica de Vanessa Schnitzer: Vinhos para um Natal atipicamente alentejano

25 de dezembro 2022 - 10:00
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O Natal avizinha-se a passos largos, acompanhado das naturais e recorrentes preocupações com as celebrações familiares, em que é preciso ir ao encontro dos tais vinhos consensuais que sirvam toda a família. Como as tradições à mesa têm de cumprir o saber popular de cada região, a ementa não se desviará do habitual, seja em respeito à memória consumada pela tradição regional ou com a tradição familiar de cada lar. Ou seja, as tradições regionais e familiares não são para discutir, são para seguir.

 

Não haverá certamente desvios, em relação ao bacalhau polvo, e ao cabrito ou peru assado no almoço do dia 25. Contrariamente, quando chega o momento de escolha do congénere vínico, surgem as maiores dúvidas existenciais. Quais os vinhos de agrado para o “fiel amigo”, branco ou tinto? Será a altura para “desarrolhar” os tesouros, aqueles que estiveram pacientemente a aguardar uma ocasião especial? Como agradar a todos os palatos?

 

Sem grande esperança que estaseja a melhor época para se abrirem as melhores colheitas, resta-nos servir algo que dignifique o dono da garrafeira e ligue minimamente bem com os pratos servidos, porque no meio de tanto familiar, haverá sempre quem manifeste pouca sensibilidade pelo complemento vínico. Muito provavelmente essa percentagem estará mesmo em maioria. Mas isso não implica que se opte pelo contrário, e se sirva uma zurrapa ou um vinho menos próprio para valorizar o que está no prato.

 

Para ajudar a estas celebrações, estamos, no que respeita o mundo dos vinhos, na estação dos brancos de inverno e nos tintos robustos, em que a dureza do frio é sustentada pela força dos taninos. O Alentejo, que graças à sua biogeodiversidade, é das regiões que mais que tem para oferecer aos enófilos em ocasiões como esta. E, tem mais uma particularidade, o vinho dispõe da mesma força atrativa que as suas gentes: são simpáticas e falam-nos logo ao coração. E é precisamente o coração que é preciso regar nesta quadra.

 

A nossa proposta para esta época festiva, é sair um pouco da chamada “ceia segura”, o que significa ir para além das confort pairings desafiando os sentidos a arriscar um pouco mais, servindo-nos da infindável riqueza e diversidade do mundo do vinho alentejano para um momento de indulgência e ao mesmo tempo surpreender aqueles que amamos e dividem a mesa connosco nas celebrações natalinas.

 

 

BACALHAU

Para resolver o eterno “duelo vínico” entre o branco ou o tinto para servir o bacalhau, e porque não um branco feito como se fosse um tinto, tal como este Monte da Capela Branco de Curtimenta 2020 que tenho o prazer de vos apresentar? Este vinho fermenta com as películas, seguido de um processo de maceração durante quatro meses. O aroma fumado, ligeiramente oxidativo combinado com uma fruta de grande qualidade, alguns apontamentos herbáceos, florais que surgem alicerçadas na sua mineralidade e acidez extraordinárias levarão a um final duradouro, vigoroso e complexo, que melhor companhia poderia encontrar o nosso mais fiel amigo?

 

PERU

Para que a dita ave faça voar as nossas papilas, proponho o vinho Altas Quintas Colheita 2020, para que de São Mamede nos chegue a frescura, a elegância, a acidez revigorante, enriquecida pela generosa densidade de aroma a cerejas, morangos e amoras. A barrica amansou os taninos, suavizando o seu poder e originando um vinho equilibrado, voluptuoso e aveludado. Subtileza e elegância em forma líquida irão fazer uma bela ponte enogastronómica com o Peru assado. Mas atenção, se o dito animal for recheado com frutas temos de optar por um branco aromático e mais frutado, como um Antão Vaz por exemplo.

 

CABRITO/BORREGO

O cabrito apela a um vinho estruturado, sofisticado, complexo, com alguma evolução e aromas terciários. E nada melhor que um Comenda Grande Reserva tinto 2017, que irá complementar perfeitamente o assado, com as notas de fruta vermelha, especiaria e algum cogumelo. O prato ficará completo com este vinho, a gastronomia deveria ter mais encontros como este. Para fechar com chave de ouro, proponho o reconfortante e ambaresco Colheita tardia da Ervideira, que elevarão a generosa montra de sobremesas e queijos para outro nível pelos sabores complexos a frutos secos e acidez salivante.

 

E através do vinho, é possível resgatar do baú dos tempos, as doces memórias que compõe a mesa nesta especial época festiva. Um Santo Natal para todos.

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