Diário do Alentejo

João Carvalho: Investir nas letras depois de fracassar nos números

19 de dezembro 2022 - 09:00
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“Nestes 25 anos, a minha vida em si não daria livro nenhum, tenho tido as angústias e as felicidades próprias da vida, e essas sim talvez dessem um livro, se adaptadas a uma narrativa ficcionada.”

 

João de Carvalho é natural de Beja, cidade onde desenvolveu o percurso escolar obrigatório, concluído na Escola Secundária Diogo de Gouveia, na área de Línguas e Humanidades, com média de 19 valores. Seguiu-se o ingresso na licenciatura de Desporto, no Instituto Politécnico de Beja. Um trajeto académico que viria a ser abandonado quando percebeu que gostar de fazer desporto não era sinónimo de gostar de estudar desporto.

 

Atualmente estuda Jornalismo, Comunicação e Media Digitais, na Escola de Tecnologias, Inovação e Criação (ETIC), em Lisboa. Diz-se pouco fã de estudos, de escola e de académicos, mas confessa-se feliz e motivado no percurso que está a trilhar de momento, e paralelamente ao qual está a plantar palavras em narrativas que vão desembocando em literatura.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

Como surgem as letras na vida de João de Carvalho? Não é que se tenha de ser bom em letras ou números, mas descubro e invisto nas letras depois de notar que sou um fracasso nos números. Comecei por escrever num diário. Coisas fúteis, sem sentido, dignas de um jovem romântico que perdeu o seu primeiro amor. Não se aproveita nada do que está escrito nesse diário, mas aprendi muito com o sofrer dessa altura. Curiosamente, esse diário está na estante da primeira psicóloga que me acompanhou, está bem entregue. Ao longo dos últimos anos cresceu em mim a ideia de escrever um livro, mas nunca tive nada para contar. Continuo sem muito que contar, o escritor faz-se das experiências que a vida lhe proporcionou, muitas vezes o bom escritor revela-se tardiamente. Mas vi uma entrevista do José Saramago e apareceu-me uma ideia. Então escrevi o meu primeiro livro em duas semanas, enquanto vivia na Ericeira, de forma independente, mas que pode ser interpretado como um seguimento da obra As Intermitências da Morte, do José Saramago.

Que primeiro livro é este?  A Maré Violeta é um livro curto onde a figura da morte é humanizada, apaixonando-se por um violoncelista. Mas esta criação é do José Saramago. O que faço, depois, é entregar à morte as angústias e os encantamentos humanos. Ela sofre, desespera e rejubila, tudo num dia. O mar é enaltecido. O fim é trágico e bonito.

De entre as várias valências da literatura, alguma que seja a de eleição? O que prefiro na literatura são os autores. Os românticos filosóficos. Gosto de contos, romances e poesia, mas depende muito do autor. Confesso que gosto dos clássicos e não dou muita oportunidade aos novos autores, o que é contraditório, sendo eu um jovem que quer ser descoberto na literatura. Se todos os leitores forem como eu, então o João de Carvalho não terá oportunidade no mundo da literatura.

Que objetivos norteiam João de Carvalho no universo das letras? Estabelecer-me na literatura. Viver sustentado pela literatura que escrevo. Tenho noção de quão difícil será, mas não me nego ao desafio. O Bukowski conseguiu aos 50 anos, depois de tentar toda uma vida, sendo sempre recusado pelas editoras. E agora é imortal. O Nobel português decide ser escritor profissional aos 60 anos. Escritor profissional não é um termo bonito, mas creio que ele o utilizou. Ainda há aqueles que só são reconhecidos depois de mortos. Há os que nunca chegam a ser reconhecidos. É o que for, mas o importante é não parar de escrever. Se falhar na missão a que me proponho, sei que ficarei bem, é bom saber lidar com o fracasso e a rejeição, pode haver uma magia nisso se soubermos sobre resiliência não tóxica, se soubermos estar sozinhos, se soubermos onde encontrar essa magia. Tenho aprendido sobre isso, portanto posso dizer que já sei alguma coisa.

Quais as fontes de inspiração de João de Carvalho? As minhas inspirações são os autores que gosto, o que vou experienciando da vida e algum conhecimento que possa ter. Creio não haver outra forma de se ser escritor. Em termos de figuras literárias pelas quais sou apaixonado: Clarice Lispector, Sylvia Plath, George Orwell, John Fante, Albert Camus, Jack Kerouac, Jim Morrison, Ernest Hemingway são só alguns dos muitos nomes que teria de enumerar. O Charles Bukowski e o José Saramago já foram referidos anteriormente, mas não me esqueço deles como inspirações maiores. Deuses de escrita muito distinta.

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, algum mais marcantes? Só tenho um livro publicado e mais um escrito. Escrevo agora um de poesia. Não considero nenhum como o mais marcante. Não sei.

Qual a opinião sobre o universo literário em Portugal? Não há, de todo, uma aposta nos novos autores portugueses. Se não vende, não serve. É compreensível esta atitude das editoras, mas é discutível se esta será a atitude acertada. Há, com certeza, por aí muitos bons novos talentos na literatura portuguesa sem uma oportunidade de vingar. Quanto às boas e más editoras, é como em tudo, em todas as áreas há boas e más empresas, bons e maus profissionais.

E o acordo ortográfico? Aprendi a escrever com o acordo ortográfico anterior. Escrevo agora com o novo. Apanhei a fase de transição de um acordo para o outro ainda muito novo, então é coisa que não me faz impressão. Adaptei-me bem.

Que sonhos literários moram em João Carvalho? Os sonhos literários que moram em mim são as motivações referidas anteriormente. Estabelecer-me na literatura.

O que está na “manga” a curto e médio prazo? Tenho escrita uma obra que participou no Prémio José Saramago. Depois de ser anunciado o vencedor desse prémio, comecei a procurar editoras para a publicação. É um romance. Agora, enquanto estudo, estou a escrever poesia e está a ser uma boa aventura.

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