Diário do Alentejo

Luís Filipe Faria: "Há imensos talentos no Alentejo, pena é haver poucas oportunidades de divulgação de outros géneros musicais"

28 de novembro 2022 - 15:00
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Nasceu em 1965, é natural de Cuba, estudou até ao 12.º ano num curso de Técnico Profissional em Técnicas Comerciais, é empresário em nome individual no ramo automóvel e alimenta, desde sempre, uma paixão grande pela música. Eis o músico e produtor, Luís Filipe Faria, na primeira pessoa.

 

Texto Luís Miguel Ricardo 

 

Quando surgem os primeiros contactos com o universo musical?Tudo começa quando conheci o falecido Prof. Jorge Aleixo, em Beja. A sua casa era em frente à minha e eu era muito amigo do sobrinho dele, o António Engrossa, infelizmente também já desaparecido. Eu tinha 14 anos e o Jorge talvez 23, e foi sem dúvida o meu mentor. Com ele comecei a ouvir as novas tendências musicais que vinham do estrangeiro, como o ska, a new wave, a pop, entre outros géneros, trazidos ou enviados da Holanda pela família de músicos bejenses que lá residiam, como o Zé e o Toi Salvador. Nesse tempo era muito difícil ouvir novas bandas e novos sons. Quando recebíamos alguma coisa nova enviada por eles, o Jorge fazia grandes sessões de audição dos novos sons e tendências. Sessões onde participava também o jornalista do “Diário do Alentejo”, o Manuel de Sousa Tavares, também já falecido, entre outros amigos próximos. O Jorge era, acima de tudo, um enorme ser humano, e um músico de excelência. E o que sou hoje como músico, fico-lhe a dever a ele e a outros que igualmente me marcaram nas longas noites dos fins dos anos 70 e que me influenciaram até aos dias de hoje. Mas o meu contacto, dito mais a sério, surge aquando de um convite, em 1986, para integrar, como baixista, a banda “Ex Oriente Lux”, o primeiro projeto do género que surge em Beja por meados dos anos 80, e onde permaneci até ao ano de 1990.

 

E como correu?O que conseguimos foi notável, sem um mínimo de condições de trabalho, numa sala de ensaios que mais parecia uma caixa de elevador, uma bateria muito velha e passada da idade para ser bateria, mas que tinha sido pertença do baterista do Rui Veloso, a minha guitarra-baixo, emprestada, feita à mão e com o braço de madeira de oliveira, os amplificadores estafados, que inundavam a pequena sala, e ali trabalhavam “5 almas” criativas. E foi nestas condições que gravámos uma maquete para o “4º Concurso de música moderna do Rock Rendez Vous de 1987”, a histórica e mítica sala de concertos em Lisboa nos anos 80 e até meados de 90. Fomos selecionados para as 24 bandas a concurso, entre os 67 projetos nacionais que se apresentaram como candidatos nesse ano. A nossa gravação era a pior de todas, mas tal como nos disse um elemento do júri após a nossa primeira prestação ao vivo, o que interessava na banda, não era a qualidade de gravação, mas sim o conteúdo da mesma, e nós tínhamos isso. Ainda fomos ficar nos últimos 6 projetos, dos 24 admitidos a concurso, mas por razões do foro privado tivemos de desistir, arrecadado o 6.º lugar e a qualificação para a sessão seguinte, onde se encontrariam os últimos 3 finalistas. Também fizemos concertos com maior ou menor atração, como em 1987, no castelo de Beja, a abrir para os Xutos e Pontapés.

 

O que se seguiu?Seguiu-se a oportunidade de ir gravar o primeiro disco, em Amesterdão, no ano de 1989. Estivemos cerca de um mês a gravar as nossas canções, num dos melhores estúdios de Amesterdão na época, o “Portland Estúdios”, pertença do produtor do nosso disco, o José Salvador. Esta experiência foi bastante marcante para mim em termos musicais e, fundamentalmente, tecnológicos. Tinha 23 anos, estávamos em 1989, e sair do país nessa altura era uma aventura. O CD gravado em Amesterdão teve duas edições, que esgotaram na Holanda, mas que não chegaram a Portugal.

 

E a carreira para além do projeto “Ex Oriente Lux”?De regresso à terra, a Cuba, nos inícios de 1990 formei, com mais uns amigos, os “In Pátria”, onde era baixista. Mais um projeto inovador para a altura e com um pop muito agradável. Passada essa fase, entrei num período mais sabático que durou cerca de três anos, onde compus e toquei sozinho em modo “Analogic Home Studio”. Até que recebo um telefonema para integrar um projeto “The Ex”, e como andava um pouco saturado de tocar sozinho, não me fiz rogado e lá fui. Iniciei-me então, ao vivo, noutros instrumentos, teclados e sintetizadores, que já vinha a desenvolver no meu período de “Home Studio”, o que me permitiu uma fácil adaptação. Mais tarde, voltei a ter a oportunidade de tocar com um velho amigo e companheiro da vida e do rock, o Luís Carlos, o meu primeiro guitarrista dos “Ex Oriente Lux”, no projeto “Dr. à Noite”. Estamos agora juntos, há cerca de 4 anos, a “fabricar” o projeto “Oliva Dream Machine”, onde eu sou cantor e ele guitarrista.

 

Quais são as referências musicais de Luís Filipe Faria?Sou muito eclético nos meus gostos musicais. É normal alguém vir a minha casa e eu estar a ouvir música clássica ou jazz, ou até fado. Ainda há poucos dias estive num festival de fado que durou algumas três horas. No entanto, sou um homem do rock´n roll e da pop. As minhas bandas favoritas são as da minha geração: Joy Division, Bauhaus, Talking Heads, Cure, Mission, entre outras. Atualmente, gosto muito de Coldplay, Muse, Interpol, Foofighters, etc.

 

Algum projeto musical atual a destacar?Sim. Atualmente sou baixista na banda do músico guineense “Saiming”, o que me permite tocar mais ao vivo e é, acima de tudo, um desafio sonoro novo e diferente.

 

Como surge o repertório nos projetos musicais onde intervém Luís Filipe Faria?No projeto “Oliva Dream Machine”, em que sou vocalista, guitarrista, teclista e programador rítmico, faço as letras para as canções. Algumas canções também as pré-produzo, outras monto-as com o guitarrista. Não gosto muito de covers, no entanto, no projeto “Saiming”, toco algumas covers guineenses.

 

Dos papéis desempenhados no universo musical, algum que tenha mais protagonismo?A produção é a minha paixão. Adoro gravar, misturar e masterizar, e depois é ouvir como ficou o “produto final”. Apesar de ser mais trabalhoso, dá-me imenso prazer.

 

Qual a opinião sobre o universo musical que evolui na região do Alentejo?Há imensos talentos no Alentejo, pena é haver poucas oportunidades de divulgação de outros géneros musicais. O “Diário do Alentejo” é exceção à regra. Há que preservar, cuidar e divulgar a música tradicional alentejana, o cante e afins, mas também se deve divulgar a música moderna portuguesa feita por alentejanos, senão corremos o risco de ficarmos mais pobres, culturalmente, quase como que configurados ao estilo Coreia do Norte.

 

 

Que papel desempenha o Alentejo nos projetos artísticos de Luís Filipe Faria?Embora as minhas raízes familiares sejam nortenhas, e adoro o Norte, não troco o Alentejo, de forma alguma, como panos de fundo para viver, sentir e produzir. A imensidão das planícies e a ausência de ruído fazem do Alentejo a melhor região do país para produzir música ou outra qualquer forma de arte.

 

Alguns momentos inusitados experimentados ao longo da carreira?São tantos que seria exaustivo estar a enumerá-los. Contudo, há um em particular. Vínhamos de um concerto em Castro Verde. Era uma noite de verão, eram cerca das três horas da manhã, toda a malta bem disposta, o concerto tinha corrido lindamente e, perto de Albernoa, estavam a decorrer as obras do IP, e o semáforo estava vermelho. Apesar da hora, havia muito trânsito nos dois sentidos e ali estávamos parados à espera do sinal que não abria para verde. Nisto, o nosso vocalista sai do carro, sobe para o capô e inicia uma sessão de striptease ao som da música que tocava no carro. O sinal devia estar avariado e nunca mais abria, e quando demos por isso estavam já outros condutores e outras pessoas que por ali pararam a dançar. Às tantas, também os trabalhadores da estrada já dançavam. Foi um momento mítico.

 

Que sonhos artísticos moram em Luís Filipe Faria?Com a idade que tenho, já não me posso dar ao luxo te ter muitos sonhos artísticos, no entanto há um que eu não prescindo: divulgar a música que faço e ir mais além em mais e melhores palcos.

 

O que está na manga?Neste momento, estamos apenas concentrados no projeto “Oliva Dream Machine” (pop rock) e no projeto do cantor guineense “Saiming”. Adoramos os dois projetos, apesar de serem totalmente distintos nas suas identidades e especificidades. Estamos agora a preparar o projeto “Oliva”, com o intuito de o montar para espetáculos ao vivo no próximo ano, contudo, se tiverem curiosidade, já podem ir ao Youtube e procurar pelos “Oliva Dream Machine” e podem encontrar vídeos nossos para ver e ouvir. 

 

 

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