Diário do Alentejo

Vânia Beliz: “Acredito que escrevo para tentar a mudança, para desempoeirar!”

01 de outubro 2022 - 14:15
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É psicóloga, sexóloga e doutoranda em saúde infantil. É funcionária pública, tendo trabalhado na valência da ação social e educação.

 

Na área da sexualidade, os últimos anos têm sido dedicados à educação para a sexualidade, integrando vários projetos e iniciativas nacionais e internacionais. A educação em ambientes vulneráveis fê-la criar o projeto «Adolescer», um projeto que pretende levar a educação para a sexualidade a alguns lugares onde a saúde sexual e reprodutiva é ainda mais urgente.

 

Com a valência da comunicação sempre manteve uma afinidade estreita, proporcionando-lhe a participação em vários programas e iniciativas na área dos media. Da sua bibliografia fazem parte as obras "Ponto Quê? Prazer no feminino", "A Viagem de Peludim" e "Chamar as coisas pelos Nomes". Da sua ligação ao universo da escrita, constam ainda crónicas publicadas em vários órgãos de comunicação social.

 

Eis Vânia Beliz na primeira pessoa.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Quando e como foi descoberta a afinidade com as letras? Muito tímida na infância e com alguns problemas em fazer amizades, comecei a escrever o que sentia desde cedo, muito incentivada pelos meus professores, mas também pela minha mãe. No secundário, através de uma professora de português, conheci inúmeros escritores oriundos do Algarve: Lídia Jorge, Nuno Júdice, Maria Teresa Machado, António Ramos Rosa, entre outros. O contacto e a proximidade com estes escritores que nos pareciam tão distantes, foi um momento muito marcante. No começo, gostava principalmente de poesia, mas a entrada na adolescência afastou-me da escrita. Foi já na especialidade (sexologia) que comecei a escrever crónicas para alguns meios de comunicação, como as revistas «Sábado», «Saber Viver», «Playboy» e «Público».

 

Qual o registo literário de eleição? Neste momento gosto de ler livros que falem de feitos importantes ou que me façam refletir sobre temas atuais, de que é exemplo «os direitos humanos». Em processo de conclusão de doutoramento e sem deixar de trabalhar, sobra pouco tempo para ler sobre outros temas. Também procuro livros mais técnicos e, claro, tenho uma paixão pelos infantis, pelo seu poder de transformar as crianças e pela importância que têm no seu desenvolvimento e pensamento crítico.

 

Quais as motivações para escrever? Escrevo sobre sexualidade e educação para a sexualidade, porque existe necessidade de tirar este tema do silêncio. Educar para a sexualidade é muito importante se queremos promover a saúde e o bem-estar das crianças, jovens e adultos. Acredito que escrevo para tentar a mudança, para desempoeirar!

 

Que papel desempenha o Alentejo na escrita de Vânia Beliz? O Alentejo dá-me a paz que tanto preciso. Mesmo quando viajo, é aqui que sinto que é o meu lugar, é aqui onde moram as minhas raízes. A minha família é do Alto Alentejo, por isso aqui sinto-me sempre em casa.

 

Que influência da valência profissional na produção escrita de Vânia? Neste momento escrevo apenas na área da sexualidade. Nesta fase, mais escrita científica, sem grande ou nenhum espaço de opinião, mas as crónicas, por exemplo, permitem provocar a discussão sobre temas pouco abordados ou ainda alvo de muitas crenças.

 

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo do percurso, alguns mais marcantes? As missões voluntárias na Guiné e em São Tomé. Sinto que aprendi muito com estas viagens e com o conhecimento das organizações locais. Trazemos sempre mais do que aquilo que levamos e essa troca fez-me crescer profissionalmente, mas mais ainda a nível pessoal. Fez-me conhecer outras realidades e minimizar muitas coisas. Fez-me acreditar que não devemos desistir e ser perseverantes. Estive em salas cheias de crianças, jovens e adultos curiosos, algo que nunca tinha sentido em Portugal.

 

Alguns momentos inusitados experimentados ao longo do percurso? As minhas deslocações sempre com malas repletas de material divertido promovem momentos engraçados e inusitados. Nos aeroportos, viajar com modelos de pénis e vulvas proporcionam sempre uns momentos únicos.

 

Qual a opinião sobre o universo literário em Portugal? Acho que se publica muito para um público que lê cada vez menos. Acho que precisamos de incentivar as famílias a usar mais os livros, afinal são os exemplos que transformam o comportamento dos mais novos. Sempre tive a sorte de ser convidada para escrever os meus livros e já recusei alguns convites por não me identificar com alguns projetos. Livros de receitas comportamentais não são para mim.

 

E o acordo ortográfico? Não tenho uma posição em relação ao tema. Não sendo da área das letras, seria arriscado pronunciar-me sobre algo tão específico, mas às vezes sinto uma confusão gigante.

 

Como tem sido vivido este período de stand by no mundo? Na área da sexualidade, o nosso bem-estar emocional é imprescindível. Não temos botões on e off. Durante os primeiros tempos de pandemia foi tudo muito assustador e preocupante. Em relação à guerra, infelizmente, “normalizámos” esta invasão como normalizamos tudo o que nos chega diariamente pelos media. Primeiro chocamo-nos e depois aprendemos, não sei como, a viver com a realidade de ter uma guerra à porta.

 

Que sonhos profissionais e literários moram em Vânia Beliz? Continuar a trabalhar em educação e quem sabe escrever mais para os mais novos.

 

O que está na “manga”? Terminar o doutoramento! É uma epopeia! Trabalhar e fazer um doutoramento não é fácil, mas nesta fase só quero chegar a bom porto, e depois quero viajar, conhecer outras pessoas, outras culturas. Acho que é o melhor investimento que podemos fazer. Quero continuar a estabelecer parcerias e continuar a investir na educação.

 

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