Diário do Alentejo

Crónica de Vanessa Schnitzer: O vinho no tempo certo

22 de agosto 2022 - 14:00
Foto | José Ferrolho/ArquivoFoto | José Ferrolho/Arquivo

Falar sobre “dar tempo ao vinho” é, à partida, querer gerar discórdia. A sociedade que se vive hoje é volúvel, caprichosa e inconstante, e o quotidiano parece estar voltado para uma vivência momentânea e inconformista. Uma sociedade sem perspectiva e horizonte, que opta por privilegiar emoções fortes e gostos padronizados face a matizes e gradações, a gostos desconhecidos e desusados. Será possível, para quem vive em tal frenesim, sentir desejo, apetência, vontade… e “pachorra” para viver o vinho no tempo certo?

 

Reféns do imediatismo e da gratificação momentânea, perdemos a oportunidade de conhecer o vinho no tempo certo, pois existem vinhos para serem consumidos no ano, que premeiam os aromas primários, a frescura e acidez, e por outro lado, existem vinhos de personalidade forte, com gradações e matizes, graças à magia tecida pelo emaranhado fio do tempo, que correspondem aos anos de estágio.

 

Como consequência desta pulsão imediatista, a indústria vitivinícola, apressa-se a correr, e a produzir vinhos para os ter prontos na rua, o mais rapidamente possível; ou seja, vive-se para o instantâneo, para a novidade, para o mercado sem saber. Como consequência, fica o nosso País vinícola massificado na fruta primária, elegância e acidez, privilegiando o evidente e o fugaz, em desprimor da complexidade misteriosa, da autenticidade, da natureza, daquilo que torna cada vinho único.

 

Existe outro grande problema, de continuar neste trilho, manietado pela voracidade consumista, de aculturação pós-moderna, é o de perdermos a ligação às essências, em favor das tendências, que marcam o afastamento progressivo da Natureza, dos ciclos naturais, das estações. Mais concretamente, o significado de estar a beber o vinho de um determinado ano, é a oportunidade de admirar pelos sentidos o “quadro líquido” dos acontecimentos sociais e biofísicos que marcaram a vinha e o vinho nesse mesmo ano, e que o distingue dos anos anteriores. É ir ao encontro da verdade do vinho; é saborear um pedaço da sua história. Se nos disserem que existem tintos no Alentejo a 10 ou 11% de álcool, ninguém nos convence que respeitam o terroir. Poderá ser oriundo de qualquer outra região domundo.

 

São vinhos de manias, de modas, de salamaleques. Não são vinhos de Terroir, que respeitam a alma e o sentido do lugar. Viver o vinho no tempo certo, é aprender a libertar-se do imediatismo das expectativas e dos nossos desejos excessivamente idealizados. De acordo com o cineasta Ingmar Bergman, num acto de confissão, num profundo estado de tristeza lírica: “E assim nos tornamos uns analfabetos emocionais que somos”.

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