Diário do Alentejo

Carlos Godinho: " Navego no surrealismo há mais de 30 anos"

22 de julho 2022 - 10:30
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Carlos Godinho nasceu em S. Lourenço de Mamporcão, concelho de Estremoz, no ano de 1966. É licenciado em Ensino, na variante de Educação Visual, pela ESEP – Escola Superior de Educação de Portalegre, e mestre em Sociologia, pela Universidade de Évora. No seu currículo académico, consta ainda a frequência da Faculdade de Belas- Artes de Lisboa.

 

No percurso profissional, que se funde e confunde com o trajeto artístico, Carlos Godinho tem feito pintura de cartazes e catálogos; ilustração de capas de livros; comissariado exposições de outros artistas plásticos portugueses, em diversos espaços na cidade de Estremoz e outros lugares no Alentejo; tendo comissariado, também em Estremoz, a Bienal de Porto Santo e a Bienal de Gaia. Este estreito e longo vínculo ao universo da arte já lhe renderam oito prémios, três deles nas plataformas online.

 

Carlos Godinho conta ainda com várias colaborações jornalísticas e radiofónicas.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Como se caracteriza o Carlos Godinho, artista?

Sou um artista que navego no surrealismo há mais de 30 anos. Acho que esta linguagem tem muito de mim, tanto no conteúdo, como na forma. O meu surrealismo é um diálogo constante com o (in)consciente, e que navega nas cores do Alentejo. Todavia, os temas abordados muitas vezes não têm uma relação objetiva com a terra onde nasci e habito. Está para além do Tejo.

Caracterizo-me, em resumo, como um surrealista visionário.

 

Quando e como foi descoberta a vocação para a pintura?

Muito cedo. Ainda andava na escola primária, quando fiz os primeiros desenhos. Quando cheguei ao Liceu e tive de fazer as disciplinas de História de Arte encontrei o caminho. Passei, na pintura, pelo naturalismo e impressionismo até encontrar todos os surrealistas. De Breton a Salvador Dalí, os estrangeiros, ou António Pedro, um português inspirador. Mais recentemente, o contacto direto com muitos surrealistas definiu o meu caminho.

 

 Que outras formas de arte para além da pintura?

O desenho, a aguarela, o azulejo e a cerâmica. Quanto a esta última, tenho um projeto a nível internacional: “A BILHA – projeto de arte” representou Portugal, em 2012, nos Estados Unidos da América, mais concretamente, em New Jersey e New York. Foi um momento importante, o que o levou, mais tarde, a passar por Espanha e algumas cidades de Portugal.

 

Pintura surrealista. O que está na base desta valência da pintura?

A pintura surrealista define-se pela leitura do subconsciente. É irmos para além do imaginário, isto pensando nos cânones vinculados pela sociedade. É estar sempre numa relação de diálogo com aquele que lê/observa o trabalho. É agitar o convertido ao padrão, é interagir com o outro de forma positiva e reativa. Na realidade, é levar para o desenho ou para a pintura aquilo que a sociedade gostava de ligar, mas que está impedida de o fazer, porque o pensamento solidificou em determinada matriz. É trazer à tona aquilo que se quer dizer através desse subconsciente. Ou seja, “provocar” o diálogo com o leitor.

 

Que papel desempenha o Alentejo na arte de Carlos Godinho?

A minha pintura é o Alentejo. Parece estranho, mas a influência das cores e a forma como elas mudam neste imenso Alentejo são o que demais importante tenho no meu trabalho. O papel do Alentejo é esse. O meu trabalho é como o Alentejo, a diversidade da geografia, das pessoas, do seu património endógeno. É esse vinco que marca o meu trabalho.

 

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, há algum que tenha sido mais marcante?

Digamos que o momento mais marcante foi mesmo a minha exposição comemorativa dos vinte anos de carreira. Aconteceu na pousada de Estremoz e, posteriormente, foi para terras de Espanha. Essa exposição marcou-me mais ainda por ter tido a possibilidade de ver uma pousada cheia de amigos e visitantes.

 

Como se identificam as temáticas alvo de criação?

Os temas e a obra fluem conforme os momentos e conforme o que se vai passando à minha volta. Na maioria das vezes resulta de pequenas tertúlias e assuntos que derivam do diálogo social e artístico. Também do acompanhamento dos assuntos que estão emergentes na sociedade.

 

Onde se encontram as obras de Carlos Godinho?

Já me encontro em galerias e instituições nacionais e internacionais, mas acima de tudo acho que podem acompanhar o meu trabalho na minha página pessoal (https://carlosgodinho-art.com/), mas também nas redes sociais. Aqui podem acompanhar o meu trabalho mais facilmente e verem onde estou a expor e, porque não, ir até um desses espaços e fazer uma visita. Já tenho no currículo bem mais de duzentas exposições nacionais e internacionais. Já expus em quatro continentes.

 

Alguns momentos inusitados vividos ao longo do percurso artístico?

Um dos momentos mais caricatos foi em Espanha. Fui montar essa exposição no dia da inauguração. Tinha de estar às seis horas, sete em Espanha, para a montagem. Passava pelo Centro Cultura Alcazaba, e nada. Foi meia hora, nisto. Stresse. Era uma entrada de tijolo como os demais edifícios espanhóis. Mas tudo se resolveu.

Outra situação foi quando, numa exposição, me trocaram as legendas dos trabalhos e eu falava deles e ninguém percebia a legendagem. A partir dessa situação, cada etiqueta passou a ter o quadro junto.

Ou momento inusitado, foi quando me inverteram o título da exposição e eu até achei bem. Também aconteceu em Espanha.

 

Qual a opinião sobre o estado da pintura surrealista em Portugal?

O surrealismo português está bem e recomenda-se. Não somos muitos, mas os que conheço são reconhecidos no espaço das artes. No fundamental, falo das artes visuais. O surrealismo não é um movimento de arte puramente comercial, nem vai de encontro aos ícones modernistas. O surrealismo é uma linha de pensamento e que, na maior parte dos casos, é uma linguagem que pretende ir para além do pensamento social e artístico de padrões estatizantes. Por isso, em muitos casos, a dificuldade das galerias aceitarem este movimento artístico.

Quanto a novos valores, eles gradualmente vão surgindo.

 

Que sonhos artísticos moram em Carlos Godinho?

Mais do que sonhos, continuo a fazer o meu caminho de forma a garantir que a arte e a cultura não morrem dentro de mim. Cada vez mais, eu pinto por prazer interior e vou expondo, com grandes amigos, em salas e galerias de referência, e é isso que alimenta o meu sonho artístico. Sonhar é preciso, e faço isso todos os dias.

 

O que está na “manga”?

O novo grande projeto é a apresentação da BIALE – Bienal Internacional do Alentejo, que terá o seu lançamento para a comunicação social e para o público em geral no dia 10 de setembro, em Estremoz. Será certamente um evento que virá trazer uma nova visão da arte ao Alentejo. A perspetiva é contar, nesta zona do território, com uma nova estrutura para a arte contemporânea. A BIALE apenas acontecerá, enquanto exposição, em 2023, mas contamos, até lá, com a comunicação social escrita, falada e visual, para chegar a todos, assim como as redes sociais e a divulgação entre artistas. Será um certame que contará com o apoio de organizações e instituições públicas e privadas. Será, certamente, um êxito.

 

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