Diário do Alentejo

Heitor Figueiredo: "O ato de criar exige algum isolamento e silêncio"

31 de maio 2022 - 11:00

Heitor Figueiredo nasceu em Braga no ano de 1952. Foi na cidade dos arcebispos que começou o seu percurso escolar, tendo efetuado nela o ciclo básico, antes de rumar para o Porto, onde frequentou várias instituições ligadas ao universo artístico: Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis; Artes Visuais Oficina Cerâmica; Cooperativa Árvore, também na área da cerâmica; e Escola de Belas Artes do Porto. Posteriormente, e ao longo do seu percurso, realizou vários estágios de cerâmica no Cencal - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, em Caldas da Rainha; fez diversas exposições em várias geografias dentro e fora do país; e participou em workshops nacionais e europeus.

 

As distinções também estão presentes na sua carreira, tendo recebido vários prémios, com destaque para distinção na Bienal Internacional de Aveiro.

 

Paralelamente a este trajeto artístico, e sem desligar do mesmo, foi professor de EVT – Educação Visual e Tecnológica, no Ministério da Educação, durante 36 anos, tendo sido esta condição que o trouxe ao encontro do Alentejo.

 

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Como se define enquanto artista?  Esta é a pergunta mais difícil de todas. Não me sei definir. Deixo isso para os críticos, pois esses senhores, normalmente, é que fazem esse trabalho. Posso apenas dizer que gosto do que faço e que reparo que as pessoas ficam agradadas com o meu trabalho, e isso deixa-me satisfeito.

 

Quando e como o gosto pela arte começou a ganhar protagonismo? Eu, desde que me lembre, sempre gostei de desenhar e fazer objetos com diferentes materiais. Mais tarde, quando tive o primeiro contacto com o barro fiquei encantado, porque é plástico e barato. As escolas tiveram um papel fundamental na passagem de técnicas e ensinamentos, mas onde aprendi muito foi nos estágios feitos no Cencal. Vinham ceramistas europeus orientar os estágios e traziam práticas e conhecimentos completamente diferentes das nossas escolas.

 

Dos trabalhos realizados houve algum que justifique destacar? Não. Eu não tenho um trabalho de que goste especialmente. Gosto de todos os que tenho feito ou participado. Claro que há alguns que acabam por nos agradar mais e que achamos que estão melhor conseguidos, mas nenhum se destaca ao ponto de merecer uma referência especial. 

 

Sendo o Heitor um bracarense de origem, como vem desaguar às terras planas do Alentejo? Vim para o Alentejo por vontade própria. Vivia no Porto e, como professor de EVT – Educação Visual e Tecnológica, concorri para Aljustrel e fiquei colocado na Escola C+S de Aljustrel. Mais tarde vim para Beja, mais concretamente para a CerciBeja, e por aqui me estabeleci e por aqui tenho ficado, com muitas saídas pelo meio. Concorri muitas vezes às Galerias Abertas, tendo ganho algumas. Fiz também exposições, a última nas Casas de Beja com o título “A casa não é minha.” Neste momento sente-se na cidade alguma falta de dinamismo a este nível. 

 

Que papel desempenha o Alentejo nas criações artísticas de Heitor Figueiredo? O ato de criar exige algum isolamento e silêncio. O Alentejo tem estas duas preciosas coisas. Eu vivo numa aldeia, na Cabeça Gorda, onde tenho um pequeno quintal, ideal para trabalhar e desfrutar das preciosidades referidas. 

 

Como se identifica um tema alvo de ser trabalhado pela arte do Heitor? Eu normalmente não tenho temas para trabalhar. Muitas vezes encontro objetos na rua e que, por algum motivo, me chamaram a atenção e levo-os comigo e acabo por os trabalhar. São poucos os trabalhos que começo tendo por base um tema previamente definido. Prefiro iniciar sem qualquer direção, embora na minha cabeça exista uma forma, uma ideia e que depois é só agarrá-la. Faço, por vezes, alguns pequenos desenhos para que não me escapem. 

 

 

Qual a opinião sobre a sustentabilidade económica da arte de Heitor Figueiredo em Portugal e no Alentejo? É muito difícil viver exclusivamente da arte em Portugal e no Alentejo. Há muita gente nova a sair das escolas de artes que tentam sobreviver só a trabalhar nesta área, mas acabam sempre por imigrar ou a dar aulas. 

 

Algumas histórias inusitadas vivenciadas ao longo do percurso artístico? Tenho muitas histórias, algumas com piada e outras com menos graça. Tenho enviado muitos trabalhos para concursos e exposições na Europa e poucas foram as vezes em que não tive problemas com o transporte das peças. Mesmo convenientemente transportadas, ou seja, em caixas de madeira, acabam sempre por ter problemas. A última exposição foi num Museu perto de Barcelona. Enviei 17 peças e apenas uma não se partiu. Fui dois dias antes para lá e foi o que me valeu, porque consegui recuperar quase todas as peças e a exposição foi montada e correu muito bem. Isto acontece por total irresponsabilidade das transportadoras.

 

Como foi vivido este período de stand by no mundo? Continuei a trabalhar. Como tenho casa-atelier na Cabeça Gorda não tive grande confinamento. Só ficava limitado durante a manhã, porque ficava em casa com os meus filhos mais pequenos.

 

Que sonhos e ambições artísticas moram em Heitor Figueiredo? O meu sonho próximo é tentar arranjar um atelier maior, porque isto está a tornar-se pequeno.

 

O que está na “manga”? Tenho, para breve, algumas exposições agendadas e uma delas é grande, por isso tenho de trabalhar em função dela.

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