Nascido, criado e vivido na cidade de Beja, licenciado em Serviço Social, músico e, sobretudo, fazedor de rock com mais de três décadas de labuta. Entre os vários projetos desenvolvidos, destaca-se a gravação de dois álbuns de originais, um gravado em Amesterdão, em 1989, com a Banda “Ex Oriente Lux”, mas que só chegou ao público em 2016; e o outro, gravado e apresentado em 2007, o projeto “Vollant”, com letras e canções originais suas e de Fernando Pardal. Integrado na mítica banda bejense “EX Oriente Lux”, realizou concertos no icónico e já extinto “Rock Rendez Vous”, primeiro em formato de concurso de bandas e mais tarde como banda convidada, seguindo-se, entre outros, o palco do não menos emblemático “Johny Guitar”.
“Desde 1986 até aos dias de hoje tenho atravessado palcos de norte a sul, em concertos de maior ou menor projeção ou impacto, para muita e pouca gente, com projetos e bandas que criei ou que criámos, ou ainda, que fui convidado, sendo que, cada momento, foi vivido com grande emoção, porque o palco para mim é um local mágico de partilhas e, por isso mesmo, intimidador. No entanto, como sempre o respeitei, torna-se o meu verdadeiro “habitat””.
Eis Luís Carlos na primeira pessoa.
Texto Luís Miguel Ricardo
Quando e como o gosto pela música começou a ganhar protagonismo?
Tudo começa por volta dos oito anos, quando um tio meu foi ouvir uns vinis dos “Stones” lá a casa e eu ouvi o “satisfaction”. Fiquei deslumbrado. Como já tinha uma daquelas guitarras do “rosal de la frontera”, que não era mais do que arames em cima de madeira empenada, colei-me a tentar a malha dos Stones, e não é que consegui!? Passados três anos encontrei a “tia varicela” e fiquei confinado uns bons 15 dias. O meu pai, para me entreter nesse período, ofereceu-me uma viola à séria, que trazia um livrinho de acordes e noções do autor, o Sr. padre Fále”. O encantamento começa efetivamente nesta altura. Mais tarde, por volta dos 14 anos, lembro-me de tentar aproximar-me daquele som de guitarra dos Stones. Como tinha apenas a viola acústica, procurei a tal “adaptação” para ter um som elétrico. Utilizei os auriculares do walkman de cassetes, colando-os com fita cola na caixa da viola e liguei ao mic. de um radio lá de casa. Resultou. E ainda resultou mais quando o altifalante se rompeu e descobri o Santo Graal da guitarra elétrica – a distorção -, que ainda hoje me acompanha. Depois dessa descoberta, comecei a frequentar aulas de guitarra e a procurar aprender com quem sabia da coisa, fazendo visitas às casas de ensaios dos conjuntos que existiam em Beja, tais como os “Revisão”, “Hictal” ou as coletividades musicais como a Capricho Bejense.
Quais foram e são as referências musicais de Luís Carlos?
Os” Rolling Stones” despertaram-me para o Rock ´n Roll ainda em criança. Não é fácil falar de influências, até porque são muitas, e todas elas fazem um mix do músico que sou hoje, porque oiço um pouco de tudo. Mas há coisas que me dizem mais do que outras, e há ainda outras que não me dizem mesmo nada! Desde a adolescência até aos dias de hoje, ouvi muito Hard Rock, Rock´n Roll, Punk, pós Punk, passei também pela dita vanguarda, pela Brit Pop, New Metal. E, nos dias de hoje, ando a ouvir, entre outros, “Black rebel Motorcycle Club”, “The Joy Formidable”, “The Kills”.
Dos vários trabalhos realizados, o que há a destacar?
Se efetivamente tenho de destacar, destaco o projeto para o qual fui convidado, por dois amigos, a fundar em 1984, e que teve verdadeiro nome e chancela de atividade até 1996 – os “Ex Oriente Lux”. No entanto, tive 1000% de empenho e muito gozo com outros projetos que ajudei a criar, tais como “Gecko Joke” – (1996-1999), projeto de rock progressivo em inglês; “Infiéis” 2000-2001 – Rock Tuga (como convidado); “Vollant” (2006-2009) projeto próprio de originais com convidados “famosos”, Zé Pedro e Kalú, dos Xutos e Pontapés, em algumas faixas do álbum e em dois concertos com a sua participação ao vivo; “Fernando Pardal e Taberné Somvinhon” (2010-2012), originais do Pardal, como músico convidado; “Dr. à Noite” (2014-2016) projeto Rock ´n Roll em português.
Como surge o repertório nos projetos artísticos de Luís Carlos?
Depende muito dos contextos. No cenário de músico convidado, quase sempre há pessoas que, definidamente, nesse projeto, têm essas tarefas, contudo, se tens um “molho” de canções, podes e deves apresentar à banda. Ou se eles acham que deves ser tu a fazer letras e/ou canções, porreiro! Eu tenho feito um pouco disto no meu percurso musical. Partilho e recebo outras partilhas. Dá-me também muito gozo “pintar” temas que não compus, é “como o abrir de um leque”. Mas sempre caí para os originais, numa taxa de 99,98%. Contudo, aprecio um bom cover, mas não pode ser uma “fotocópia” do tema, mas sim imprimir o “teu cunho”, respeitando basicamente a estrutura melódica da canção, por forma a que, quem a vá ouvir, a reconheça e a identifique na sua essência, pois assim não perde identidade, apenas muda de “casaco”. Esta é a minha forma de ver e conceber um cover.
Para além dos projetos musicais ligados à música rock, experimentaste mais algum género?
Nunca fui músico de palas nos olhos, sempre gostei de experimentar novos géneros e de mixar sonoridades, contudo, reconheço que é no rock que me sinto no meu lugar de conforto, até pela abordagem específica que faço ao instrumento nesta área. Mas sinto muita curiosidade noutros géneros, como é agora o caso na música africana, da Guiné-Bissau, escrita e composta pelo músico e cantor “Saiming”, projeto de originais, onde sou um dos que “pinta” guitarras no seu projeto de banda.
Participei, igualmente, noutros projetos com o cantautor Fenando Pardal, com alguns dos seus originais no Projeto Taberné Somvinhon, assim como em universos musicais de cantautores, como Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Fausto, entre outros, interpretados pelo Fernando, na dita música de intervenção do 25 de Abril, em concertos comemorativos da data.
Qual o estado da tua arte em Portugal e no Alentejo?
A seara Rock em Portugal é florescente, há bandas incríveis É de uma rica e valiosa diversidade o que temos agora no panorama nacional. E, felizmente, os festivais estão a voltar aos poucos. Por isso também, muitas bandas que já tinham acabado, voltaram recauchutadas, tipo os “Scorpions”, que já acabaram umas três vezes, mas faz-se sempre mais uma perninha.
Ao nível do Alentejo, o que me é dado a ver é o grande potencial e resiliência de alguns projetos que teimam em continuar. Porém, o mal é antigo. Tal como no cante se criaram circuitos para atuações, similarmente o rock, a pop, a eletrónica ou qualquer outra expressão de arte, devia ter a oportunidade de participação num circuito para testar e rodar as bandas, por forma a fazer-se a escolha natural. As entidades competentes deveriam promover circuitos culturais, regionais, nacionais e internacionais, por exemplo, pelos ministérios da cultura em agilização com os municípios, através de intercâmbios com outras regiões, cidades e países.

Como surge a ligação da banda icónica do rock português aos projetos de Luís Carlos?
Estávamos em 1980, num concerto matiné no bar “os Infantes”, que era na altura o nosso “Rock Rendez Vous”. Os Xutos iam lá tocar e um amigo tinha-me oferecido, pelos anos, o primeiro LP, o «78/82», que achei o máximo, e lá fui. Ainda antes do concerto “encalhei” com o Zé Pedro a sair do wc. Vinha com pintura facial, era uma figura assustadora. Ouvi e vi o concerto e fiquei fã, e como qualquer fã, no final fui pedir autógrafos e, pela primeira vez, soube o que era estar frente a frente com punks à portuguesa. Sete anos depois, estou com a minha banda, “Ex Oriente Lux”, a abrir para os Xutos no castelo de Beja. Em 1993, novamente a abrir, no mesmo local, sendo que, nesse concerto, subi ao palco com os “Stones Portugueses”, onde participei no tema “chuva dissolvente”. No ano seguinte, ainda acompanhei a banda em Badajoz e Cantanhede. Umas vezes pela mão do Kalú, outras pelo Zé.
Em 2005, quando comecei o meu disco de “Vollant - projeto primeiro”, tinha quatro ou cinco canções montadas, e o Zé disponibilizou-se para dar a sua contribuição musical na gravação do disco. E logo de seguida, para “não haver chatices”, o Kalú foi para a bateria, acabando por gravar quatro temas e pré-produzir dois. Estávamos em 2007, e fizemos dois concertos com esses convidados, um no Cine Teatro Pax-Julia e outro no IPDJ. É uma velha amizade, são seres humanos incríveis, de uma humildade a toda a prova, uns resistentes e resilientes. Boa gente!
O Zé estará por cá sempre, e um dia, também lá irei dar, como qualquer um de nós. Até lá, é rockar até a vida deixar!
Que papel desempenha o Alentejo nos projetos artísticos de Luís Carlos?
A paisagem com a sua luz é o que mais me inspira e seduz, empurra-me para composições musicais ou literárias. Ou assim era o cheiro visual destes campos, destas terras. Porque os olivais nada me dizem, ou tudo me dizem. Meu querido Alentejo, já fostes! Também gosto de experimentar misturar o cante com batidas e loops de samplers, é por aqui que o Alentejo me empurra nesta arte que faço.
Algum momento inusitado experimentado durante o percurso artístico?
Milfontes, 1992/93, noite quente, verão, agosto, ringue de futebol cheio de povo, uma ou duas da manhã, muito rock em ação. Depois de outras peripécias, o concerto acaba com a GNR a entrar em palco e a identificar os músicos. Antes disso, já eu e o baixista andávamo-nos a desviar das pinhas que choviam no palco, que não era coberto, provenientes do parque de campismo que ficava atrás de nós. A “brigada do reumático” não dormia “mod do barulho do rock”. Feita queixa, e até chegar a GNR, foi em modo “tacar e fintar pinhas”. A questão é que tínhamos um recinto cheio à nossa frente, e por detrás “ataque à pinha”.
Quais os sonhos artísticos que moram em Luís Carlos?
Ainda tenho alguns, mas o que gostava mesmo era de tocar com os “Stones”. Mas até ser convidado, que vá tendo saúde para ir “escovando” as minhas “telecasters”, e ir fazendo as minhas malhinhas com Muita Saúde, claro!
O que está na manga?
Na manga tenho dois projetos: um que “brinca” entre o Rock´n Roll e a Pop, - “OLIVA DREAM MACHINE”, o outro de linha mais eletrónica e de fusão - “ALENTRÓNIX”. Tenho ainda uma colaboração, como guitarrista, na Banda do Cantor Guineense “SAIMING”.