Diário do Alentejo

Fernando Pardal: " O alentejano não pensa, cisma."

31 de março 2022 - 10:45

Texto Luís Miguel Ricardo

 

“Sou um cidadão comum, igual a tantos outros, com as suas ideias, as suas convicções, os seus defeitos e as suas virtudes, e que tem uma particular paixão - a música.”

Assim se introduz Fernando Pardal, 59 anos, nascido em Lisboa, por acidente, músico autodidata.

Ao longo do seu percurso artístico, fez algumas participações relevantes, nomeadamente em espetáculos de homenagem a José Afonso. Em 1997, no âmbito de um Festival Internacional da Juventude, em Cuba, atuou no Teatro Nacional de Havana.

Já foi nomeado para os prémios Mais Alentejo, porém, como faz questão de frisar “o percurso artístico sempre esteve afastado de qualquer tipo de louvores.”

 

Quando e como o gosto pela música começou a ganhar protagonismo?

Houve um cantautor que me influenciou em particular, que foi o José Afonso. Basicamente, compunha de uma forma simples, mas criava melodias que não lembravam a ninguém, e a mensagem era fortíssima. Depois há a música anglosaxónica, a música popular brasileira, enfim. Gosto de Jorge Palma. Cheguei a fazer parte dos “famosos” grupos de baile, mas um grupo que me marcou em termos de projeto foram os EX ORIENTE LUX. Aí já trabalhava temas originais e os covers já faziam parte do passado. Andávamos na vanguarda do rock nacional, se assim se pode dizer. Ainda pisámos, por duas vezes, o palco da catedral do rock em Portugal, o já extinto Rock Rendez Vous, em Lisboa.

 

Dos trabalhos realizados há alguns a destacar?

Destaco sempre os meus quatro CD’S de originais em nome pessoal. No ano de 2009 compus o hino da Campanha Pirilampo Mágico, que teve o seu impacto. Dei entrevistas para a Antena 1, o vídeo da campanha passava quase diariamente na televisão e, sobretudo, o tema ouvia-se muito na rádio. Teve a sua relevância porquanto foi uma campanha a nível nacional.

 

Como surge o repertório de Fernando Pardal?

Começou com covers, nos grupos de baile. Mas, nos EX ORIENTE LUX já fazias as letras. Aproveitei inclusive alguns poemas do meu pai, e criava as melodias para as canções sobre as composições instrumentais dos meus companheiros de banda. A solo, todas as músicas são minhas. Relativamente às letras, a maior parte, também. Contudo, uma vez mais, recorri a um ou outro poema do meu pai, para além de ter musicado poetas como António Boto, Ary dos Santos, Martinho Marques, Alberto Caeiro, entre outros.

 

Dos vários géneros musicais experimentados, algum que seja o de eleição?

Os meus CD’S são sempre muito importantes para mim, mas talvez destaque o álbum ALENTEJO, editado em 1998 com o selo da Farol, talvez por ter sido de facto a primeira grande experiência de estúdio. Mas também posso destacar o SEVEN – SETE MULHERES, SETE CANÇÕES. Este, pelo facto de existir basicamente uma guitarra e uma voz, o que exigiu bastante, para além de contar com um trabalho extraordinário do João Nunes.

 

Que papel desempenha o Alentejo na música de Fernando Pardal?

O Alentejo é o meu mundo e de alguma forma continua a ser ostracizado pelo poder central, e refiro-me em particular ao Baixo Alentejo. Depois é a paisagem, a fazer lembrar a imensidão da savana africana. A monotonia de um espaço que só acaba mesmo na linha do horizonte. Algo que faz de nós a melancolia do cante, que por vezes sejamos pachorrentos e cinzentos até. Como dizia o Vitorino Salomé, o alentejano não pensa, cisma. Influencia-me sobretudo na escrita, mas também ao nível de algumas melodias.

 

Ser alentejano e viver no Alentejo alguma vez representou um constrangimento para o cimentar da carreira artística?

Talvez tenha acontecido numa determinada altura, hoje em dia penso que isso já não representa necessariamente um obstáculo.

 

Que opinião sobre a música e os músicos que se vão “fazendo” pelo Alentejo?

Temos grandes músicos no Alentejo, nomeadamente em Beja. E se eles são grandes, a sua música supostamente também o é. Para além do cante (perdoem-me os fundamentalistas) que não é a minha praia, ainda assim penso que têm surgido grupos que seguramente têm a sua relevância na preservação do mesmo. Não me sinto avalizado para falar desse género musical tradicional do Alentejo, não aprecio em particular, mas posso dizer que já me arrepiei a ouvir algumas interpretações. Depois temos o António Zambujo, que apesar de alentejano, já é um artista do mundo. Não posso deixar de falar no Paulo Ribeiro, que é de facto um grande cantautor, e os seus CD’s editados são o espelho disso mesmo. O Jorge Benvinda, o homem compõe e canta que se desunha, “Por Ti”, e na minha modesta opinião, é uma das canções mais bonitas da música portuguesa. O Bernardo Espinho (Buba), que está a aparecer e que seguramente vai ser uma certeza no futuro. O Trigacheiro, que venceu o The Voice, vale o que vale, mas o rapaz tem talento e é portador de um grande aparelho vocal. Sei lá, há muitos e bons, somos uma região que também produz boas castas na música.

 

Como tem sido vivido este período de “stand by” no mundo?

Um caos. Mexeu com tudo, perturbou o nosso emocional, rebentou com o que restava de algo que estaria prestes a rebentar. Vitimizou milhões no mundo, mexeu com a economia, pôs tudo de pantanas, e a cultura, para variar, levou forte e feio. Espero e desejo que aos poucos tudo possa voltar, já digo, a uma razoável normalidade, mas o meu pessimismo diz-me que não vai ser fácil, nem num futuro próximo. Oxalá que eu esteja redondamente enganado!

 

Quais os sonhos artísticos que moram em Fernando Pardal?

José Mário Branco disse-me num qualquer passado longínquo: “até os sonhos nos roubam!” Os sonhos artísticos não fogem à regra. Para mim, resumem-se à minha inspiração e ficar na expectativa de que algo possa acontecer e que não me deixe acordar tão cedo. É porque o sonho é bom e eu quero dormir um pouco mais. Há que desfrutar.

 

O que está na manga?

Na manga estará sempre um próximo álbum, e, na sequência da questão anterior, será a realização de um sonho. Projetos em curso, não me apetece revelar.

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