Diário do Alentejo

Maria Vitória: "Necessito de comunicar e faço-o pela escrita"

03 de fevereiro 2022 - 10:40

Texto Luís Miguel Ricardo

 

“Fui a miúda que aos cinco anos começou a gostar dos livros e das letras por influência do avô Generoso (Santa Luzia – Ourique) com quem vivi algum tempo. A casa do avô tinha um balcão exterior onde ele e eu nos sentávamos. O avô a ler e eu a observá-lo. Aos cinco anos lia correntemente ensinada pelo meu avô e ganhara o amor pela leitura”. Assim se introduz Maria Vitória Afonso, escritora e poetisa alentejana, nascida em Colos, concelho de Odemira, há 80 anos.

 

Do seu pedaço de Alentejo, quase à beira- mar plantado, saiu cedo, aos 13 anos, para prosseguir estudos. Primeiro no antigo Liceu Nacional Diogo de Gouveia, em Beja e depois na escola do Magistério, também na capital baixo-alentejana, onde se fez professora. Os primeiros seis anos de carreira docente foram trilhados pelas terras desafogadas do distrito de Beja, aos quais se seguiram mais 28 anos dedicados ao ensino no distrito de Setúbal, mais concretamente no concelho do Seixal.

 

Pelo meio, um bacharelato em História, na Faculdade de Letras de Lisboa. E paralelamente à carreira docente e académica, foi moldando palavras, foi criando poemas, artigos de jornal e narrativas, quase todos eles impregnados de Alentejo. Um histórico atracado às letras que lhe valeram várias obras publicadas, com destaque para o livro “Contos Alentejanos – Cozendo o Pão, Costurando a Vida”, a participação em mais de 30 antologias literárias e a colaboração regular com a comunicação social regional. Foi distinguida pelo Centro de Estudos Documentais do Alentejo (CEDA) pelo seu contributo na valorização da memória e identidade alentejanas.

 

Como surge e evolui a escrita na vida da Maria Vitória Afonso?

Aos 12 anos comecei a escrever poesia. No início eram apenas quadras populares. Depois ingressei no Liceu de Beja, onde comecei a participar no jornal da instituição, quase totalmente escrito por alunos do 7.º ano, mas eu fui convidada a colaborar com sonetos. Era o jornal “Tentativa”, no qual colaborei sempre. Mais tarde, no Magistério de Beja, a minha escrita foi sempre muito apoiada pelo diretor, Janeiro Acabado, por professores e alunos. Mais tarde, nos três anos em que frequentei a Universidade, tive oportunidade de conviver com professores que me marcaram e intensificaram o meu apelo à escrita, de que são exemplos António José Saraiva e Urbano Tavares Rodrigues.

 

Dos vários géneros de escrita experimentados, qual o de eleição?

Confesso que, muitas vezes, hesito ao pensar na minha preferência. Mas penso que é na prosa que tenho tido mais sucesso e que me dá mais gozo escrever.

 

Quais as motivações para a escrita?

Provavelmente o facto de ser um pouco tímida e de sentir grande necessidade comunicar, me leve a fazê-lo através da escrita. E também a necessidade de deixar para a posteridade aquilo que me marca.

 

Que fontes de inspiração?

A complexidade e o fascínio do ser humano e a beleza intrínseca de muita gente, sobretudo dos artistas.

 

Que papel desempenha o Alentejo na produção escrita de Maria Vitória?

O Alentejo desempenha na produção da minha escrita um papel primordial. Nos poemas, sai-me espontânea a beleza e o carisma do Alentejo; na prosa, sou tocada pela paixão e saudade desta terra amada cujas raízes são indissociáveis do meu viver.

 

Dos trabalhos desenvolvidos há algum que tenha sido mais marcante?

De todo o meu trabalho literário já realizado destaco o livro “Cozendo o Pão, Costurando a Vida”, pois foi ele que me levou à entrevista que me fez falar dele na televisão, num programa literário dedicado a escritores.

 

Como surge o humor na escrita de Maria Vitória Afonso?

Eu sem querer imprimo algum sentido de humor aos meus escritos. Um exemplo disso acontece no conto “Cabrão do Dono”, o prevaricador, a dada altura, diz: “Quem é o cabrão que me tá batendo?” E a resposta é: “É o cabrão do dono”. Um dos meus sonetos irónicos, dedicado ao Amadeu, o último terceto é assim: “Meu príncipe querido e idolatrado / Beijo às vezes o chão por ti pisado/ Hoje te verei com orelhas de burro”.

 

Que opinião sobre o universo literário em Portugal?

Como amante e leitora assídua do “Jornal de Letras” deparo-me por vezes com novos valores. No entanto, por motivos de doença, não tenho podido continuar com os meus habituais ritmos de leitura. Mas recordo que aparecem escritores novos com grande mérito.

 

E o acordo ortográfico? Qual o posicionamento face à polémica?

Eu não aceitei o acordo ortográfico e a maioria dos professores e jornalistas também não. No entanto, verifico que muita gente está a aceitar talvez para terminar uma polémica.

 

Como tem sido vivido este período de ‘stand by’ no mundo em termos de criação artística?

Neste período de pandemia aproveitei o tempo para escrever e publiquei alguns textos no “Diário do Sul”.

 

Que projetos tem na “manga”?

Muitos projetos estão em mente, de que são exemplos um novo livro de poesia e um livro de memórias alentejanas. Para além disso, mantenho ativa a minha participação em alguns jornais, sobretudo colaborando com crónicas.

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