Diário do Alentejo

Crónica de Né Esparteiro: “O Futuro do Capitalismo”

19 de agosto 2021 - 12:00

Em tempo de férias, trago-vos um livro de Paul Collier, professor de Economia e Políticas Públicas em Oxford, galardoado com diversos prémios, ex-diretor do Banco Mundial e consultor da Comissão para África no governo de Tony Blair. Esta obra, publicada em Portugal em finais de 2019, apesar de ser um livro de economia e ciências sociais, é essencialmente dirigida aos cidadãos em geral, ao leitor comum que se preocupa com questões de interesse para todos nós.

 

Como o autor refere, “este livro foi escrito, em primeiro lugar, para os cidadãos, e não para os políticos”. Baseia-se na premissa de que o capitalismo, tal como hoje o conhecemos, deixou de funcionar e que “a expectativa de qualidade de vida das novas gerações é de que viverão em piores condições que os seus pais viveram; os trabalhadores receiam que as suas capacidades sejam desvalorizadas; as populações rurais ressentem-se do crescente fosso que as afasta das metrópoles”. De uma forma genérica, sustenta que “o capitalismo perdeu a sua orientação moral” e, por esse motivo, é necessário reinventá-lo.

 

O autor sentiu, ele próprio, algumas das inconsistências do capitalismo, dando exemplos pessoais. Cresceu numa cidade industrial, destroçada com o colapso da indústria siderúrgica, onde conheceu a realidade de vizinhos e familiares atingidos pelo desemprego, que acabaram a limpar casas de banho. Conheceu a diferença entre famílias de extremo sucesso e famílias na pobreza: ele próprio, proveniente de uma família operária, chegou a professor das mais prestigiadas universidades, e os seus filhos têm percursos brilhantes; pelo contrário, a sua prima que, até aos 14 anos, tinha um percurso idêntico ao seu, sofreu o revés da morte do pai e a subsequente pobreza da família. Engravidou precocemente e as suas filhas tornaram-se também mães na adolescência, perpetuando a situação de pobreza. Já a trabalhar, a diferença entre os países de África e a Europa e os Estados Unidos chocou-o profundamente, levando-o a questionar as bases do capitalismo e a necessidade da sua reformulação.

 

Propõe, para isso, um caminho diferente, um “capitalismo ético” baseado nos valores, onde tenhamos o Estado ético, a empresa ética, a família ética e, no final, um mundo ético, alicerçado em três princípios: (i) reconhecimento de obrigações para com outras sociedades, não dependentes da reciprocidade; (ii) criação de obrigações recíprocas entre os países disponíveis para ir mais além; (iii) a reciprocidade ser baseada em ações intencionais que aprofundem o interesse próprio e esclarecido dos participantes.

 

Todos nós, enquanto cidadãos, podemos, concordando ou não com o seu conteúdo, ler e refletir sobre ideias como as defendidas neste livro e em outros, para de forma esclarecida podermos formar as nossas próprias opiniões. Pois, como o autor sugere “uma política ética e pragmática apenas pode ser gerada a partir do momento em que uma sociedade tem uma massa crítica de cidadãos que a exige”.

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