Diário do Alentejo

“Seria mais fácil fazer as malas e partir”

05 de agosto 2021 - 16:10

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Carlos Amarelinho nasceu em 1977, em Serpa. Os estudos musicais começaram aos 14 anos, como saxofonista, na Escola de Música da Sociedade Filarmónica de Serpa. Quatro anos depois, entrou para o Conservatório Regional do Baixo Alentejo, tendo concluído o curso de saxofonista no ano letivo de 2000/01. Posteriormente licenciou-se em saxofone na Escola Superior de Música de Lisboa, e, mais tarde, em direção de orquestra de sopros pela Associated Board of the Royal Schools of Music, em Londres. Em 2012, frequentou o mestrado em composição, na Universidade de Évora, e em 2013 concluiu a profissionalização em saxofone e música de câmara pela Universidade Aberta.

 

Ao longo do seu percurso e para além dos estudos académicos, lecionou a disciplina de saxofone em diversas escolas, foi convidado, como formador, a realizar ‘masterclasses’ de saxofone e de direção de orquestra nas mais variadas cidades do País; escreveu, como compositor, para o Festival RTP da Canção, ganhou prémios, dirigiu bandas e orquestras. Atualmente leciona a disciplina de saxofone no Conservatório Regional do Baixo Alentejo e é o maestro da Banda da Sociedade Filarmónica de Serpa.

 

Dos vários projetos realizados ao longo da carreira, destacam-se, no âmbito da música de câmara, o ter sido membro fundador do quarteto de saxofones de Lisboa, assim como do quarteto Alen Sax; e o ter fundado em 2010, em conjunto com o maestro Luís Clemente, a Big Alen Band, da qual foi maestro.

 

Quando e como surgiu o gosto pela música?

 

O gosto pela música foi algo bastante casual. Tinha um amigo que andava na escola de música da Banda da Sociedade Filarmónica de Serpa. Então, um dia, o Francisco convidou-me para entrar na escola de música e o “bichinho” foi começando a crescer. Cresceu tanto que, às vezes, estudava muito mais música do que os conteúdos escolares, o que me poderá ter custado umas belas negativas. Na escola da banda, o instrumento que me atribuíram foi o saxofone. O instrumento deveria ter uns 80 anos, mas como o que conta é o valor que atribuímos ao que gostamos a não a idade que tem, ficou o meu amor durante algum tempo, até o ter trocado por outro mais novo.

 

Como foi o percurso até à ascensão como maestro?

 

O percurso até chegar a maestro foi natural. Ainda só tinha dois anos na escola de música e já andava armado em maestro, a dar aos braços. Assim que comecei a evoluir no instrumento, comecei a procurar novos desafios. Dentro de mim existe uma imensa vontade de fazer música e isso acabou por se manifestar no interesse de “comandar” uma orquestra. Comecei a procurar cursos de direção de orquestra onde pudesse fazer alguma formação nesse sentido. O meu primeiro curso foi no Inatel, com o maestro José Matos, que era também o maestro da banda de Serpa. A partir daí, foi sempre a querer fazer mais e melhor. Trabalhei com imensos maestros nacionais e internacionais, nos mais variados cursos e ‘masterclasses’ e acabei por fazer a licenciatura em direção de orquestra, em Espanha.

 

Dos vários trabalhos desenvolvidos, algum a destacar?

 

Já foram tantos e tão bons que é complicado escolher alguns. Vou, no entanto, fazer referência a um dos meus últimos trabalhos, que era um grande sonho, e que a muito custo consegui concretizar: a formação de uma banda sinfónica semiprofissional. A Banda Sinfónica do Sul (BSS) nasceu em outubro de 2015 e teve o seu concerto inaugural no Pax Julia, em Beja. A banda é constituída por músicos de todo o sul do País, sendo, a sua maioria, profissionais na área, o que a torna num projeto de extrema qualidade, digno de orgulhar o Alentejo. Infelizmente, a logística de uma orquestra com cerca de 80 elementos – arranjar os instrumentos, organizar concertos, encontrar salas de ensaio – deixou o projeto em pausa por tempo indeterminado, já que não temos uma estrutura profissional e não dispomos de qualquer apoio institucional, para fazer face aos elevados custos do mesmo.

 

Das várias intervenções artísticas no universo da música, alguma que seja a de eleição?

 

Seria uma tortura, se tivesse de optar apenas por um dos campos da música. Sinto que todos eles me completam. Não conseguiria ser maestro, se não fosse músico executante; ou compositor, se não fosse maestro para poder interpretar as minhas obras. Adoro tocar, amo dirigir e sou um apaixonado em compor. Embora as palavras possam ter cargas emocionais diferentes, eu gosto de todas por igual.

 

Ser alentejano e viver no Alentejo representa uma fonte de inspiração ou de limitações para a carreira artística?

 

O facto de ser alentejano não me limita em nada. Já o viver no Alentejo, a nível musical de orquestras e bandas, limita o meu trabalho. Este tipo de cultura musical está muito mais desenvolvida de Lisboa para cima, mas temos de ser gratos com o que temos… ainda assim poder trabalhar e tentar evoluir nesse sentido. Seria mais fácil fazer as malas e partir, mas se todos pensarem assim, a nossa cultura morre. Nem sempre o mais fácil é o melhor, também é importante ter desafios e fazer, muitas vezes, quase o impossível.

 

Como é sincronizar uma multidão de músicos e de instrumentos em prol da música?

 

Enquanto maestro, conseguir moldar uma massa sonora ao meu gosto e poder ouvir o resultado é algo maravilhoso. Claro que há obras que nos dão mais prazer em dirigir e “espremer sumo musical” de todo aquele ensemble. Não é algo que possa descrever facilmente, já que vivo cada música individualmente, conforme a magia que ela tem. Uma banda sonora, capaz de descrever imagens através de sons, é sempre diferente de uma valsa, que nos remete para movimentos subtis e elegantes. Cada género musical possui a sua energia, e essa energia leva a uma forma diferente de trabalhar com cada músico individualmente e com a orquestra no seu todo, em busca da forma sonora final e perfeita. A verdade é que um concerto é uma paleta de cores musicais que nos transportam para telas de arte sensoriais capazes de nos fazer viver sensações que de outra forma não conseguimos.

 

Como tem sido vivido este período de ‘stand by’ no mundo?

 

Foram momentos difíceis para todos. Como orquestra é sinal de aglomerado de pessoas, tudo ficou parado. Acabei por continuar a exercer a função de docente à distância, pelas plataformas digitais, e ficar-me mais no saxofone… criei álbuns novos (instrumentais), o que me permitiu abrir a minha primeira conta artística enquanto executante de saxofone, em várias plataformas de música digital, como o Spotify, Youtube Music, Apple Music, entre outras [nome artístico: Mr. Sax C].

 

Que sonhos artísticos moram no âmago de Carlos Amarelinho?

 

Os sonhos sempre foram muitos. O maior de todos é ir para os Estados Unidos estudar composição de música para filmes/bandas sonoras, e entrar nesse mundo. Ainda o tentei fazer ‘online’, tive uns meses de aulas pela Berklee College of Music, em Boston, mas as propinas eram tão caras que tive de desistir. É neste campo que me sinto capaz de fazer um grande trabalho, pois tenho muita facilidade em olhar para uma imagem e descrevê-la musicalmente.

 

E o que está na “manga”?

 

Dizem que um mágico nunca revela os seus segredos. Isso é o segredo do seu sucesso. Por isso, vou encarnar essa personagem de mágico, por enquanto. No entanto, posso revelar que um grande sonho, daqueles que vinham a seguir ao de estudar nos EUA, foi concretizado este ano. Consegui entrar, como compositor, para uma das mais prestigiadas editoras do mundo para bandas/orquestra de sopros e percussão, a Molenaar, que fica situada em Amesterdão. Eles estão, neste momento, a gravar as minhas obras e, em breve, ficarão disponíveis para todas as bandas/orquestras do mundo.

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