Porquê um livro bilingue?
Os meus livros infantis são todos bilingues (português e inglês). Quando comecei a escrever para os mais novos não havia em Portugal livros bilingues. Foi uma ideia diferenciadora e que tornava o livro mais universal. A prova disso é que este livro está neste momento em todos os cantos do mundo. Visito imensas escolas do país, sempre por causa dos livros. São os livros que me levam. Curiosamente, nunca visitei as escolas do Alentejo.
Como lidou com a realidade provocada pela pandemia no último ano?
Sou filho da planície, gosto de horizonte e de vento. A poética das paisagens do sul marcou-me, o andar e crescer na rua foi um conceito de uma geração que nada tem a ver com a dos meus filhos, onde existe uma proteção urbana que é o resultado da insegurança de uma certa modernidade. Por isso, estar confinado é sempre uma violência, porque é uma imposição que vem de fora, uma escolha dos outros, algo que não parte de nós. Durante a reclusão fiz o que já fazia antes: lia, escrevia e praticava exercício físico. “Mente sã em corpo são”. A situação de nos sentirmos um pássaro numa gaiola não nos permite abrir as asas e ensaiar belas melodias. O canto é um exercício de liberdade.
Sendo “filho da planície”, que memórias trás consigo e que lugar ocupa Beja na sua vida?
Guardo as melhores memórias. O Alentejo é a minha pátria, sinto-me emprestado a Coimbra. Não se trata de ser simpático, é uma verdade, é isso que sinto. O meu primeiro livro “Do Ventre da Terra” (1987) foi escrito em Beja durante a adolescência, embora tenha sido editado em Coimbra, com a presença do escritor Manuel da Fonseca e do poeta Martinho Marques. As linhas do horizonte são rios me circulam no sangue, é cultural, tal como o cante alentejano, os sabores da açorda, as papoilas, o vento suão ou a poética da paisagem. Toda a minha família ainda vive em Beja, por isso, regresso, também, porque estão aqui os abraços que amo.
E o “Diário do Alentejo”?
No princípio dos anos 80, João Honrado, um homem admirável, levou-me para o “Diário do Alentejo”, onde estavam João Paulo Velez, Pedro Ferro, Miguel Patrício, Miguel Tavares e José Moedas. Iniciei-me aí na escrita, senti o cheiro das máquinas, das rotativas, da composição e do ‘stress’ de uma redação. Lembro-me, ainda, do primeiro texto que escrevi. Eles foram muito meus amigos, aprendi imenso e guardo boas recordações. Eu era um jovem que não se enquadrava nos modelos vigentes e eles deram-me colo.
Quando olha para Beja e para o Baixo Alentejo, sem a projeção e valorização devidas, por contraste com Coimbra, o que sente?
Sinto que podia dar mais a esta cidade pessoal e politicamente. Há uma diáspora riquíssima que é a maior reserva de ativos desta região e que não é aproveitada. Existe um alentejano em cada canto do mundo, mas em Beja parece que não são necessários. A falta de influência junto do poder central tem sido o calcanhar de Aquiles, e, infelizmente, alguns políticos que têm desempenhado funções governativas fizeram muito pouco pela sua cidade. É preciso uma estratégia de desenvolvimento que fixe riqueza e pessoas, que valorize os recursos endógenos e que potencie a cultura. Ao longo dos anos temos conhecido alguns autarcas míopes que ninguém ouve no Terreiro do Paço, nem em lado nenhum. A visão paroquial da política sempre contribuiu para aumentar a solidão e as estatísticas depressivas. Os políticos deviam ser poetas, ao menos tinham um olhar cosmopolita e mais desprendido do poder.