Texto Luís Miguel Ricardo
Foto António Carrapato
Luís Afonso nasceu em Aljustrel no ano de 1965 e reside em Serpa desde 1988. Formou-se em Geografia na Universidade de Lisboa, em 1988. Foi professor da disciplina e trabalhou em projetos de desenvolvimento local/regional até ao ano de 1995, data a partir da qual passa a dedicar-se em exclusivo à arte dos cartunes, uma atividade que havia iniciado 10 anos antes.
Colabora em vários órgãos de comunicação social, sobretudo na imprensa, com tiras diárias nos jornais “Público” (Bartoon), “A Bola” (Barba e Cabelo) e “Jornal de Negócios” (SA), mas também na rádio e na televisão, com uma rubrica diária na Antena 1 e na RTP intitulada A Mosca. É autor de vários livros, como “Bartoon” (1996), “Selecção” (1996), “Bartoon 2” (1998) e “Bartoon 3” (2000), editados pela Contexto, de “Bartoon 10 anos” (2003), “Futebol por Linhas Tortas” (2004) e “Sociedade Recreativa” (2005), editados pelas publicações D. Quixote, e de “Côa-Bartoon” (2009), integrado na coleção Cadernos Côa, editada pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico.
Escreveu os textos para os desenhos de Carlos Rico no livro “Ribanho” (2006), editado pela PrimeBooks. Em 2012 estreou-se na ficção com o livro “O Comboio das Cinco”, a que se seguiu, em 2016, “O Quadro da Mulher Sentada a Olhar Para o Ar Com Cara de Parva e outras histórias”, ambos editados pela Abysmo. Em 2017 publicou o conto “Chez Hippolyte”, na edição portuguesa da revista “Granta”.
Qual a melhor definição para o artista Luís Afonso?
Não gosto de me definir. Para facilitar, digo que sou cartunista, que é o que faço mais e há mais tempo.
Quando e como foi descoberta a vocação para as artes?
Comecei a desenhar em criança e continuei a desenhar em jovem. Gostava sobretudo de desenhar bandas desenhadas, mas para consumo interno.
E quando foi dado o salto para um certo mediatismo nacional?
Quando fui estudar para Lisboa, publiquei uma pequena banda desenhada num suplemento de fim de semana do jornal “O Diário” e convidaram-me para fazer cartunes. Mas tornei-me mais conhecido a partir do momento em que comecei a colaborar com “A Bola”, em 1990.
Como surge a literatura?
Por me apetecer escrever mais do que os textos que escrevo todos os dias nos meus cartunes, e sobretudo por querer escrever sem ser sobre a atualidade.
O Alentejo é uma fonte de inspiração ou de limitações para o solidificar da carreira artística?
Já foi um pouco das duas. Neste momento, com a internet de banda larga, já não é fonte de quaisquer limitações.
Qual o segredo para se projetar numa imagem uma rábula social atual e com piada?
Eu diria que é fundamental estar atento à atualidade, às contradições e aos paradoxos da sociedade. Isso é a minha matéria-prima. Depois há que conseguir produzir um apontamento crítico ou uma reflexão, com ou sem humor.
Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, alguns que tenham sido mais marcantes?
É difícil. Já fiz cerca de 30 mil cartunes, uns resultaram melhor, outros pior.
Alguns momentos inusitados vivenciados ao longo do percurso artístico?
Aconteceu muita coisa. Lembro-me, por exemplo, de uma, na entrega de um dos prémios que ganhei. Quem me entregou o prémio foi o Presidente da República, na altura era o Jorge Sampaio. A seguir fomos jantar, ele pegou num papel e pediu-me para lhe fazer um desenho. Eu costumava desenhá-lo nuns cartunes semanais que fazia na altura, sempre num tom crítico. Então fiz um desenho com o Presidente Jorge Sampaio a dizer: “É a primeira vez que este tipo me desenha sem ser para dizer mal de mim”. Ele agradeceu e guardou o boneco, todo contente.
Que peso têm as novas tecnologias na carreira artística de Luís Afonso?
São fundamentais. O meu trabalho é integralmente digital há 21 anos. Deixei de usar papel no início do século. Desenho diretamente num ecrã ligado ao computador.
Qual a opinião sobre o estado da arte dos cartunes em Portugal?
Somos praticamente os mesmos de há 30 anos, e infelizmente já morreram grandes cartunistas, como os casos de Sam e Augusto Cid. Há pouca gente nova. Da nova geração, o nome que mais se destaca é, sem dúvida, o André Carrilho. A crise da imprensa, que vem de há muito, tem contribuído para os jornais não investirem nesta área.
Como tem sido vivido este período de ‘stand by’ no mundo? A pandemia promove o cartune?
O que é difícil é não fazer cartunes sobre a covid-19, uma vez que tem monopolizado a atualidade. Preferia não o fazer, claro, mas não há como fugir ao tema.
O que está na “manga” a curto e médio prazo?
Para já, é ver se a pandemia acaba. É difícil fazer projetos sem a tal luz ao fundo do túnel.