Texto Luís Miguel Ricardo
Dora Nunes Gago nasceu em São Brás de Alportel, Algarve, a 20 de junho de 1972. Aos 18 anos a continuação dos estudos levou-a ao encontro da Universidade de Évora. Concluída a licenciatura, foi-se deixando ficar por terras alentejanas, lecionando em diversas escolas da região e, simultaneamente, fazendo-se mestre em Estudos Literários Comparados, na Universidade Nova de Lisboa. Em 2001, decidiu partir à descoberta de outras geografias, e o Uruguai foi o destino, onde desempenhou, durante um ano, as funções de leitora do Instituto Camões, em Montevideu. De regresso a Portugal, fez doutoramento e fixou-se em Vila Nova da Baronia, onde ainda mantém residência e onde retorna sempre que vem carregar baterias de portugalidade, porque o mundo passou a ser a sua casa. Atualmente é diretora do departamento de Português da Universidade de Macau, território onde está radicada há vários anos, depois de ter passado pelos Estados Unidos.
Na literatura, é autora de uma já vasta bibliografia: “Planície de Memória” (1996); “Sete Histórias de Gatos” (2004), em coautoria com Arlinda Mártires; “A Sul da Escrita” (2007); “Imagens do Estrangeiro no Diário de Miguel Torga” (2008); “As Duas Faces do Dia” (2013); “Travessias – Contos Migratórios” (2014); A Matéria dos Sonhos” (2015); “Uma Cartografia do Olhar: Exílios, Imagens do Estrangeiro e Intertextualidades na Literatura Portuguesa” (2020).
Dora conta no seu histórico com várias distinções, das quais destaca a dupla vitória no concurso “Descobre a Tua Terra”, promovido pela Comissão dos Descobrimentos e pelo Instituto Português da Juventude, cujo prémio a levou a viajar até Inglaterra, Macau e Hong Kong, naquele que diz ter sido o seu batismo de voo; e o Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, vencido no ano de 2006.
Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?
Aconteceu muito cedo. Foi algo que parecia já estar entranhado dentro de mim. Adorava ouvir histórias e gostava de imaginar, de criar personagens. A leitura foi uma descoberta extraordinária que se tornou um vício. Saber que podemos conhecer e viver tantas vidas sem sairmos do lugar! Os autores que me marcaram foram imensos, desde Dickens, Steinbeck, Hemingway, Faulkner, Tolstoi, Dostoievsky, Torga, Maria Ondina Braga e tantos outros. Aos 12 anos publiquei o primeiro poema.
Dos vários registos literários, algum que seja o de eleição?
Penso que sou sobretudo ficcionista, que me exprimo melhor através da narrativa breve, mas por vezes os poemas “acontecem-me”, surgem primeiro de rompante, mas depois tem sempre de haver um trabalho de “poda” da palavra. Cada vez mais, sinto que sigo o princípio do Torga que dizia escrever “a tirar palavras do texto”, rumo ao essencial.
O que representa a sua ligação ao Alentejo?
No fundo, para mim, “ser alentejana” é um estado de alma, algo muito espiritual. Quanto a limitações, sabemos que significa ser da “periferia” e estar fora do centro, normalmente conotado com a capital, onde “tudo acontece”.
Que influências têm as vivências do mundo no mundo da escrita de Dora?
Quando a nossa vida se dispersa por diversos continentes, a nossa identidade vai sendo reconstruída através de todos os elementos distintos que vamos incorporando. No meu caso, até agora, vivi 18 anos em S. Brás de Alportel, 20 anos no Alentejo, quase um ano no Uruguai, nove em Macau e alguns meses nos Estados Unidos. Claro que a inspiração vem de todo esse ‘cocktail’ de vivências e circunstâncias. Também as viagens por países com culturas muito distintas, como a Tailândia, Filipinas, China, Malásia, Camboja ou Indonésia são uma inesgotável fonte de aprendizagens, de paisagens, cheiros e factos que se nos colam à alma, para depois se materializarem na escrita.