Diário do Alentejo

Nova aldeia da Luz leva Alentejo à Bienal de Veneza

01 de abril 2021 - 17:30

A transferência dos habitantes da aldeia da Luz, no concelho de Mourão (Évora), para um novo povoado a dois quilómetros de distância, antes de ser submersa pelas águas da albufeira de Alqueva, marca presença no projeto In Conflict, que vai representar Portugal na 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura de Veneza, a partir de maio. A aldeia Luz, um dos sete processos escolhidos da história da arquitetura em Portugal no último meio século, é mostrada na exposição, que coloca o foco na habitação e no impacto público da arquitetura.

 

Texto Carlos Lopes Pereira

 

O projeto In Conflict representará Portugal na 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura de Veneza, agendada para o período de 22 de maio a 21 de novembro se a situação sanitária em Itália o permitir. O certame estava previsto para 2020, mas foi adiado para este ano devido à pandemia de covid-19.

 

Num concurso promovido pelo Ministério da Cultura, através da Direção-Geral das Artes, com a participação de cinco ‘ateliês’ convidados, foi selecionado o depA architects, um coletivo do Porto, para organizar a representação de Portugal na prestigiada Bienal de Arquitetura de Veneza, que decorrerá no Palazzo Giustinian Lolin.

 

Os arquitetos Carlos Azevedo, João Crisóstomo e Luís Sobral, fundadores do coletivo portuense, são os curadores da exposição. A eles juntou-se Miguel Santos, como curador-adjunto. O “Diário do Alentejo” conversou com os quatro responsáveis para conhecer pormenores do projeto, que inclui a exposição e um ciclo de debates.

 

Por que razão o título In Conflict? Explicam que o curador da Biennale Architettura 2021, o libanês Hashim A. Sarkis, desafiou os participantes desta edição com o tema “Como vamos viver juntos?”. A resposta encontrada para essa questão é In Conflict (Em Confronto): “A cidade e o território, como construções coletivas, são a primeira arena de conflito, entendido enquanto ação de forças de sentidos opostos que se traduz em dissenso. Esta condição, implícita à pluralidade do espaço democrático, dá forma à produção da arquitetura. In Conflict responde diretamente à pergunta ‘How will we live together’? (…), aprendendo com processos, caracterizados pelo conflito, que questionam a problemática do habitar nas suas dimensões física e social”.

 

Para os seus curadores, a exposição In Conflict “dá notícia da arquitetura portuguesa do arco temporal da democracia a partir de sete processos marcados por destruição material, deslocação social ou participação popular”. Todos eles têm “um lastro mediático amplificado pela imprensa – compreendida como barómetro da ação e do envolvimento públicos”.

 

Estes processos “são testemunhos de uma democracia que começou com um Portugal empobrecido, a braços com falências habitacionais profundas e agravadas pela urgência demográfica da descolonização”. Mais de quatro décadas após o 25 de Abril, “a realidade é ainda frágil, pautada pela persistência de bairros informais, por um crescimento especulado dos grandes centros urbanos e pela desertificação do interior do país”.

 

In Conflict procura “pensar o papel da arquitetura enquanto disciplina artística, pública, política e ética”. Na impossibilidade de resolver todas as contingências, “importa hoje pensar como criar lugares onde todos tenham lugar à mesa, na expectativa de cumprir o projeto de um futuro em comum”.

 

UM CASO DE ESTUDO

 

A nova aldeia da Luz, no concelho de Mourão, foi construída para realojar as mais de três centenas de habitantes da velha Luz, que ficou coberta em grande parte pelas águas da albufeira de Alqueva. Edificada de raiz, a dois quilómetros da antiga aldeia, a nova Luz manteve o essencial das características do povoado. Até o cemitério da velha aldeia foi transladado.

 

Desde o início dos anos 80 do século XX que se discutia a questão do realojamento dos moradores da Luz, tendo sido colocadas três hipóteses: indemnizar os habitantes; transferi-los para uma povoação vizinha; ou edificar uma aldeia semelhante. Foi esta a solução escolhida. As obras começaram em 1998 e terminaram em finais de 2002, tendo a nova Luz sido “inaugurada” em novembro desse ano pelo então primeiro-ministro, Durão Barroso.

 

A Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva (EDIA) investiu 50 milhões de euros na construção da nova aldeia e no realojamento de 325 pessoas.

 

Este complexo caso de transferência de uma aldeia inteira de um local para outro – abordando aspetos relacionados com a habitação, mas também os impactos sociais, económicos, culturais –, devido à construção da Barragem de Alqueva, é um dos sete processos escolhidos, estudados e mostrados no projeto In Conflit que Portugal leva a Veneza, em maio próximo.

 

ARQUITETURA EM DEBATE

 

A par da exposição In Conflict – que será acompanhada de um catálogo –, a representação portuguesa na 17.ª Exposição Internacional de Arquitetura inclui nove debates, em Lisboa, no Porto e em Veneza, sobre a temática proposta. O primeiro debate, sobre a estratégia habitacional em Lisboa, já se realizou, em formato ‘online’; os próximos dois, também por videoconferência, têm lugar neste domingo, 28, e em 11 de abril; dois outros estão marcados para 22 e 23 de maio, no Pavilhão de Portugal, no Palazzo Giustinian Lolin, em Veneza; mais dois foram agendados para 16 e 17 de junho, na Trienal de Arquitetura de Lisboa, no Palácio Sinel de Cordes; e os dois últimos, a 18 e 19 de setembro, terão como palco o Mira Fórum, no Porto. A programação está disponível no sítio web inconflict.pt/.

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