Diário do Alentejo

Crónica de Né Esparteiro: “A Casa da Rússia”

16 de fevereiro 2021 - 11:50

Texto Né Esparteiro

 

“A Casa da Rússia”, um romance de espionagem clássico do escritor John le Carré, foi publicado há pouco mais de 30 anos, em 1989, quando em todo o Ocidente se falava da ‘perestroika’, a afamada abertura que o então presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, introduziu no país. Esta reforma significava uma certa abertura económica ao exterior, a redução das despesas com a defesa, e a negociação de acordos com os Estados Unidos da América, no sentido de reduzir o arsenal de armamento das duas potências mundiais.

 

A Guerra Fria, contudo, continuava, e só a dissolução da União Soviética, ocorrida alguns anos mais tarde, em 1991, a fez abrandar, sem combates em larga escala como tinha acontecido nas duas guerras mundiais da primeira metade do século XX.

 

John le Carré, nascido em 1931, antes da 2.ª Guerra Mundial, e falecido em dezembro do ano passado, foi professor universitário em Eton, uma prestigiada escola interna inglesa para rapazes, e trabalhou durante algum tempo com os serviços secretos britânicos, daí o seu conhecimento dos meandros da espionagem.

 

O romance segue o percurso de um documento secreto, contendo segredos militares da União Soviética, entregue anonimamente por uma mulher russa a um editor inglês, numa feira do livro em Moscovo. Este ato vai ter consequências na vida dos três personagens principais: Barley Scott Blair, “esse grande espião britânico”, … “sempre um cavalheiro”, editor inglês escolhido pelo físico soviético Goethe para editar o seu manuscrito secreto, e Katya Orlova, a jovem russa que entregou o manuscrito a um outro editor inglês presente na feira do livro. “Por favor, preciso de toda a sua simpatia e ajuda”, disse ela, como se não houvesse outra hipótese” … “Era uma mulher séria. Inteligente. Determinada”.

 

E quem era Goethe, afinal? – um físico soviético, em conflito consigo próprio, um cientista “que andava à procura da sua inocência … um novo génio da física” que tinha realizado estudos extremamente brilhantes em certos campos e que os militares não largavam já que, “em física, ao que parece, a distinção entre investigação pacífica e investigação militar é frequentemente muito ténue”. E Goethe, ou seja, Yakov de seu verdadeiro nome, queria canalizar a sua investigação para fins pacíficos, o que irritava o poder militar russo.

 

O manuscrito secreto vai parar acidentalmente às mãos dos serviços secretos britânicos na “Casa da Rússia”, nome por que era conhecida a parte dos serviços secretos que lidava com os assuntos da União Soviética.

 

Para além da trama da espionagem, John le Carré trata com esmero a questão do amor que se vai desenvolvendo entre os personagens, e o dilema entre ser fiel a uma causa e o amor por outra pessoa, sobre qual deles se sobrepõe quando é chegado o momento da escolha.

 

A história desenrola-se entre Moscovo, Leninegrado, Londres, uma ilha sem nome na América e termina em Lisboa, palco de encontro de espiões ao longo do século XX.

 

Este romance foi adaptado para o cinema em 1990, num filme protagonizado por Sean Connery e Michelle Pfeifer. Num momento em que já não existe guerra fria, mas em que ainda é possível silenciar e envenenar opositores do regime, vale a pena ler - ou reler – este livro.

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