Diário do Alentejo

"O livro é um objeto muito bem conseguido"

17 de janeiro 2021 - 18:45

ARTES Luís Miguel Ricardo

 

“Sou e já fui uma série de pequenas coisas que me constituem: mulher, mãe, professora, escritora nas horas vagas.” Assim se define, numa frase, a escritora Olinda Gil, nascida em Beja há 38 anos e a residir, atualmente, em Aljustrel.  

 

O percurso de Olinda Gil no universo da escrita, a escrita com ambições literárias, começa na adolescência, tendo migrado das aulas de português do secundário para as colunas do "DN Jovem", o mítico suplemento do "Diário de Notícias", responsável por dar vazão à criatividade e imaginação de uma geração com aspirações nas letras. Uma colaboração com a comunicação social que se estendeu pelos tempos de estudante do curso de Línguas e Literaturas Modernas, variante de estudos portugueses, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Feita professora, regressou à planície, regressou ao ponto de partida, mas do lado de lá da secretária do saber. Olinda Gil é professora de Português no Agrupamento de Escolas de Ourique.

 

Quando foi feita a descoberta a vocação para as letras?

Não lhe chamaria vocação, antes teimosia. E aconteceu na adolescência quando passei das aulas de Português para o "DNJovem".

 

Qual o registo literário de eleição?

O conto é o meu registo de eleição, mas também passo pela poesia, o infantil e o romance.

 

Viver no Alentejo, representa uma fonte de inspiração ou uma fonte de limitações?

Pode ser ambas as coisas, depende muito da forma como encaramos a vida e a escrita. O Alentejo pode ser a nossa inspiração para escrever algo de diferente e não apenas mais um livro igual a tantos outros. Claro que estamos longe do centro de tudo, mas cada vez menos isso tem importância, estamos cada vez mais próximos de um clique.

 

Dos trabalhos já desenvolvidos, algum que tenha sido mais marcante?

A obra “Sudoeste”, porque foi aquela onde consegui demonstrar o melhor de mim.

 

Qual a importância das novas tecnologias na vida literária de Olinda Gil?

Considero que podem ser um complemento àquilo que já se faz e já existe. Não acredito que alguma vez o digital ultrapasse o analógico nos livros, porque o livro é um objeto muito bem conseguido, que podemos emprestar, roubar, esconder, oferecer, sublinhar, rasgar, estragar, guardar preciosamente. Um livro pode ter inúmeras vidas, tantas quantas mãos e olhos conhecer. Mas o digital pode trazer novas oportunidades, novos leitores, pode fazer-nos chegar a leitores fora do nosso país, pode permitir a publicação de livros menos comerciais, pode permitir que um livro não morra com o fim de catálogo. Mas tudo depende da gestão que a editora e o autor fazem.

 

Para além da colaboração no "DN Jovem", Olinda Gil aderiu precocemente à moda dos blogues, tendo tido um primeiro, do qual nem se quer se lembra o nome, e logo de seguida colaborado num dos primeiros blogues em Portugal ligado ao universo da literatura ("na-cama.com"). Ao longo do seu percurso, escreveu textos para diversos espaços virtuais, publicou outros em revistas literárias, participou em coletâneas e antologias e, no ano 2000, ganhou o prémio literário “Lisboa à Letra”, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa.

 

A solo, publicou vários livros, com destaque para o seu batismo na publicação, um batismo promovido pela própria, com uma edição de autor, da obra “Contos Breves” (2013); e no ano 2015 integrou o primeiro grupo de diversos escritores em quem a Coolbooks, uma chancela da Porto Editora, decidiu apostar para lançar o seu produto literário em versão e-book. E na Coolbooks publicou as obras “Sudoeste” (2015) e “Sobreviventes” (2016), que posteriormente a editora editou em papel.

Quantos livros eletrónicos publicou?

Já publiquei dois, com a Coolbooks, e por muito que eu, outros autores e leitores lhes explicássemos que quem lia livros eletrónicos não lia no formato que eles disponibilizavam, eles preferiram seguir o resultado do estudo de mercado que os setorizou para o comprador ocasional de livros, que nem sempre lê, nunca divulga, não ajuda a que os livros sejam conhecidos e conheçam novos leitores. Depois acabaram por fazer tiragens pequenas dos livros, quando viram que a estratégia deles não estava a resultar, mas apesar de pertencerem a um grande grupo e com livrarias próprias, a distribuição foi fraca, a presença na Feira do Livro de Lisboa foi tímida, e estes livros acabaram no esquecimento ainda mais depressa do que o costume. É tudo uma questão de como se fazem as coisas.

 

Qual a opinião sobre o universo literário em Portugal?

Não há grande aposta em novos valores, a não ser que transportes contigo um nome de família importante ou um cartão rápido de entrada. A Coolbooks estava a dar oportunidades a novos autores, e era importante que esse trabalho continuasse a ser feito. Há uma série de editoras, que nem mereciam usar esse nome, que pedem dinheiro em troca do sonho de um autor, valores muitas vezes inacreditáveis, em troca de um trabalho medíocre, sem edição, sem distribuição, sem publicidade. É muito importante que, antes de se tentar publicar, se procure conhecer o mercado literário.

 

E o acordo ortográfico. Qual o posicionamento face à polémica?

Isso para mim é irrelevante. É claro que há palavras que me parecem feias escritas com o novo acordo, mas isso não tem qualquer importância. Aliás, a escrita é apenas um reflexo imperfeito da oralidade, vai ser sempre imperfeito, por isso, um novo acordo nada altera.

 

Como tem sido vivido este período de “stand by” no mundo?

Para quem não sabe, tenho duas crianças pequeninas. Eu e o meu marido ficámos os dois a trabalhar em casa e com eles em casa. Foi muito complicado, porque é impossível trabalhar o mesmo e cuidar das crianças em simultâneo. É claro que durante esse período eu não consegui escrever. Mas depois voltou tudo ao normal.

 

Existem letras na “manga” a curto e/ou médio prazo?

Já desisti de falar dos meus projetos, porque posso estar a criar expectativas que depois não cumpro. Há sempre qualquer coisa na manga, mas nada prometo nos próximos tempos.

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